Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0063120-03.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Ubatuba

Objeto: inconstitucionalidade da Lei n. 3.464, de 03 de janeiro de 2012, do Município de Ubatuba

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.464/12 do Município de Ubatuba. Polícia administrativa.  Iniciativa parlamentar. Violação ao princípio da separação de poderes inexistente. Improcedência da ação. 1. A disciplina de matéria atinente à polícia administrativa (interdição ou cassação da licença de funcionamento a estabelecimentos comerciais em razão de ilícitos) não constitui assunto da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, pois, não há regra explícita a respeito, e nem está arrolada na reserva da Administração. 2. Improcedência da ação.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade contestando a Lei n. 3.464, de 03 de janeiro de 2012, do Município de Ubatuba, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre medidas de combate à violência urbana sujeitando estabelecimentos comerciais a sanções administrativas em razão de prática ou permissão de atividades ilícitas, sob alegação de violação aos arts. 5º e 144 da Constituição Estadual (fls. 02/10).

2.                Concedida liminar suspendendo ex nunc a eficácia da lei impugnada (fl. 20), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo objurgado (fls. 30/31) e as informações foram prestadas (fls. 33/35).

3.                É o relatório.

4.                A matéria objeto da lei impugnada é típico assunto da polícia administrativa e constitui tema da iniciativa legislativa comum ou concorrente.

5.                Em se tratando de processo legislativo é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido:

“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

6.                Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

7.                Fixadas estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

 

As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

 

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).           

8.                Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144). Não se verifica nesse preceito reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira expressa ao objeto da lei impugnada.

9.                Tampouco o assunto se insere no art. 47 que institui a competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo, que consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo - traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo – não absorve matéria de polícia administrativa.

10.              Aliás, colhe-se da jurisprudência da Suprema Corte que a matéria respeitante à polícia administrativa em geral é da iniciativa legislativa concorrente:

“Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal, dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da Constituição Federal, da competência dos Municípios. 2. Inexiste norma que confira a Chefe do Poder Executivo municipal a exclusividade de iniciativa relativamente à matéria objeto do diploma legal impugnado. Matéria de competência concorrente. Inexistência de invasão da esfera de atribuições do Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido” (STF, RE 218.110-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 02-04-2002, v.u., DJ 17-05-2002, p. 73).

11.              Opino pela improcedência da ação.

                   São Paulo, 06 de junho de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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