Parecer
Autos nº. 0063176-36.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Santo André
Objeto: Lei nº 9.163, de 18 de novembro de 2012, do Município de Santo André
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal que “dispõe sobre a marcação de consultas médicas e de exames de saúde para os pacientes com idade igual ou superior a 60 anos”.
2) Iniciativa parlamentar. Ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (arts. 5º, 47, II e XIV, da Constituição Paulista).
3) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Santo André, tendo por objeto a 9.163, de 18 de novembro de 2012, daquele Município, que “dispõe sobre a marcação de consultas médicas e de exames de saúde para os pacientes com idade igual ou superior a 60 anos”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi integralmente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
O pedido de liminar foi indeferido (fls. 25/26).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 38/79.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 34/36).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Em
que pese a boa intenção estampada na propositura
legislativa que culminou se transformando na lei impugnada nesta ação, o ato
normativo é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional,
sobretudo por impor formas de conduta aos órgãos municipais no que diz respeito
à prestação dos serviços públicos.
A lei, de iniciativa parlamentar, cria
obrigações e estabelece condutas a serem cumpridas pela Administração Pública,
indicando a forma de procedimento para o cumprimento da previsão legal,
sobretudo para a Secretaria de Saúde do Município.
Não há dúvida de que a iniciativa
parlamentar, ainda que revestida de boas intenções, invadiu a esfera da gestão
administrativa, e como tal, é inconstitucional, por violar o disposto no art. 5º
e no art. 47, incs. II e XIV, da Constituição Paulista.
É ponto pacífico na doutrina, bem como na
jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese
analisada, criou obrigações de cunho administrativo para a Administração
Pública local.
Abstraindo quanto aos motivos que podem
ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta como manifestamente
inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão
administrativa do Município.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa,
que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento,
a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, anotando que “a
Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos
órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a
Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico
e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo
edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de
funções é que residem a harmonia e independência dos
Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local.
Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções
é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também
toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou
do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos
órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado
pelo Poder Judiciário” (Direito
municipal brasileiro, 15ª ed., atualizada por Márcio
Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de
legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na
prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência
que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado
a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que
interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da
separação de poderes, conforme ementas de julgados, transcritas a seguir:
“Ação direta
de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São
José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos
edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência
entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.”
(TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008,
v.u.).
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de
setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a
obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos
das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta
utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa
parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do
Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no
exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder
Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual.
JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j.
05.03.2008).
Assim se fez constar no
despacho que deferiu a liminar na ADIn
990.10.073579-9:
“Impõe-se, à partida, a apreciação do
pedido liminar, que fica deferido.
Evidente o fumus boni juris, pois já proclamada na ADIN nº 154.526-0/0 (Rel.
EROS PICELI - J. 08.10.2008 - V.U.), ser inconstitucional lei de vereadora
iniciativa que cria obrigação para o Poder Executivo de utilização de papel reciclado.
Digo o mesmo quanto ao periculum in mora, poquanto a obrigação
imposta ao promovente de regulamentar a norma
impugnada deveras implica, na prática, em sujeição, se não imediata, quase, a
interferência, in casu descabida, o
planejamento da administração no que tange a execução dos procedimentos
licitatórios visando às aquisições de materiais de expedientes para o ano em
exercício.
Ademais, não faz o menor sentido
manter a eficácia e a vigência, ainda que potenciais, eis que minguante sua
regulamentação, certamente, porém, capazes de gerar ao menos atritos entre
Legislativo e Executivo locais, de norma que ostenta palpável vício de
inconstitucionalidade formal” (ADIn 990.10.073579-9,
rel. des. Palma Bisson, j. 1º.03.2010).
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 9.163, de 18 de novembro de 2012, do Município de Santo André.
São Paulo, 11 de junho de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
/md