Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0064434-81.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Itapeva

Objeto: Lei n. 3.334, de 30 de dezembro de 2011, do Município de Itapeva

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, tendo por objeto a Lei n. 3.334, de 30 de dezembro de 2011, do Município de Itapeva, que altera alíquotas para o pagamento do ISSQN-Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de iniciativa de Vereador, que implica diminuição de receita, com impacto no orçamento. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo e de violação ao art. 7º, da Lei Complementar n. 116/2003 e do Decreto-Lei n. 406/68. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente. Parecer pela improcedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Itapeva , tendo por objeto a Lei n. a Lei n. 3.334, de 30 de dezembro de 2011, do Município de Itapeva, que altera alíquotas para o pagamento do ISSQN-Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.

Insurge-se o autor contra a alteração de alíquotas para o pagamento do ISSQN, de algumas atividades, dentre elas, as constantes no item 33.01 da Lista de Serviços da Lei Municipal n. 2.090, de 29 de dezembro de 2003, quais sejam, as de desembaraço aduaneiro, comissários, despachantes e congêneres, para que as mesmas deixem de ser estabelecidas de forma variável mediante alíquota sobre o preço de serviço, passando o imposto a ser lançado através de valor fixo.

Sustenta que a lei foi concebida por Vereador e invadiu a seara da administração pública, interferindo diretamente na gestão administrativa do município de alçada exclusiva do Chefe do Executivo.

Aponta ofensa aos arts. 5º, 24, § 2º, ns. 1 e 4; e § 5º, n.1, 25, 47, XI e art. 169, todos da Constituição Estadual e do art. 7º, da Lei Complementar n. 116/2003 e do Decreto-Lei n. 406/68.

O pedido liminar foi deferido pela R. Decisão de fls. 43.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 54/57).

O Presidente da Câmara Municipal não prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 59/60).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei n. 3.334/2012, do Município de Itapeva alterou algumas alíquotas para o pagamento do ISSQN.

As atividades de desembaraço aduaneiro, comissários, despachantes e congêneres, constantes do item 33.01 da Lista de Serviços da Lei Municipal n. 2.090, de 29 de dezembro de 2003, cujas alíquotas eram estabelecidas de forma variável mediante alíquota sobre o preço sobre o serviço passaram a ser lançadas através de valor fixo.

Pois bem. De acordo com o art. 156, III, da Constituição Federal, compete aos Municípios instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza definidos em lei complementar, desde que não sejam abrangidos pela incidência do ICMS.

Cabe à lei complementar, também, regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais.

Com a promulgação da Constituição Federal, o Decreto Lei n. 406/68 foi recepcionado com o status de lei complementar, definindo as normas gerais aplicáveis ao ISSQN até a entrada em vigor da Lei Complementar n. 116/2003, que atualmente disciplina a matéria.

Realmente tanto o caput do art. 7º da Lei Complementar n. 116/2003, como o art. 9º do Decreto-Lei n. 406/68, estabelecem que         “a base de cálculo do imposto é o preço do serviço”.

Ocorre, porém, que o §1º, do art. 9º, do Decreto-Lei n. 406/68 assim dispõe:

“Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a remuneração do próprio trabalho”.

 

Referido tratamento benéfico só se aplica se houver trabalho pessoal do próprio contribuinte, isto é, para situações distintas da generalidade de serviço prestado por profissional autônomo.

É necessário que exista o requisito da “pessoalidade”, ou seja, depende da atuação de um profissional habilitado a desempenhar uma atividade qualificada.

Desta feita, tendo em vista a natureza das atividades da prestação dos serviços realizados pelo desembaraço aduaneiro, comissários, despachantes e congêneres, verifica-se estar presente esse requisito da pessoalidade, na medida em que as pessoas que desempenham estas atividades, necessariamente precisam ser profissionais habilitados para tanto.

A prestação deste tipo de serviço não pode ser feita de maneira genérica e impessoal, o que autorizaria a tributação do ISSQN através de alíquota fixada sobre o preço do serviço.

Assim sendo, diversamente do sustentado pelo autor da ação, não se aplica ao presente caso a regra geral do art. 7º da Lei Complementar n. 116/2003 e do art. 9º do Decreto-Lei n. 406/68. 

Por outro lado, o ato impugnado, como se vê, tem natureza de norma tributária benéfica, porque alterou a alíquota para o pagamento do ISSQN relativa às atividades anteriormente mencionadas, que eram estabelecidas sobre o valor do preço do serviço, passando agora a ser cobradas através de valor fixo.

De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.

Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.

Colhe-se, em recente Acórdão, a comprovação dessa assertiva:

 

“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores de deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade” (ADIN nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann).

 

Essa orientação tem apoio em Roque Antonio Carraza.

O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23a ed , 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).

A orientação contrária, no entanto, apoia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).

Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa na lei que institui incentivo fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município.

E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em recente Acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:

 

“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).

 

Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:

 

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso (CF, art. 195, § 5º): precedentes” (ADI 3205/MS - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 19/10/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 17-11-2006 PP-00047)

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS EM SITUAÇÕES PRÉ-DEFINIDAS. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NÃO LEGISLOU SOBRE ORÇAMENTO, MAS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA CUJA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA ENCONTRA-SE SUPERADA. MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE” (ADI 2659/SC - Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 03/12/2003, Publicação DJ 06-02-2004 PP-00022)

 

Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade.

 

São Paulo, 25 de julho de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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