Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0065361-47.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Cosmorama

Objeto: inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.669, de 09 de dezembro de 2011, de Cosmorama

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal 2.669, de 09 de dezembro de 2011, de Cosmorama, fruto de iniciativa parlamentar, que “autoriza o Poder Executivo a conceder aos servidores em geral do município de Cosmorama 06 (seis) faltas abonadas durante cada exercício financeiro”.

2)      Regime jurídico do funcionalismo municipal. Matéria incluída na iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo (art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição do Estado, aplicável por força do art. 144 da mesma Carta).

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Cosmorama, tendo como alvo a Lei Municipal 2.669, de 09 de dezembro de 2011, de Cosmorama, fruto de iniciativa parlamentar, que “autoriza o Poder Executivo a conceder aos servidores em geral do município de Cosmorama 06 (seis) faltas abonadas durante cada exercício financeiro”.

Alega o autor a inconstitucionalidade em função, em suma (a) do vício de iniciativa, (b) violação da separação de poderes e (c) ausência de interesse público na concessão do benefício.

Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo impugnado (fls. 22/23).

Citado (fls. 31), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo (fls. 33/35).

A Câmara Municipal deixou de prestar informações (fls. 36).

É o relato do essencial.

A Lei Municipal 2.669, de 09 de dezembro de 2011, de Cosmorama, fruto de iniciativa parlamentar, que “autoriza o Poder Executivo a conceder aos servidores em geral do município de Cosmorama 06 (seis) faltas abonadas durante cada exercício financeiro”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Fica o Poder Executivo autorizado a conceder aos servidores em geral do Município de Cosmorama 06 (seis) faltas abonadas durante cada exercício financeiro.

§ 1º. Considera-se falta abonada aquela que não acarretará prejuízo e nenhuma ordem ao servidor, sendo o dia considerado para todos os efeitos legais.

§ 2º. O servidor poderá abonar apenas uma falta por mês não podendo ser trocado por dia de falta regular ou mesmo transformando em pecúnia.

§ 3º. As faltas abonadas e não tiradas em um exercício financeiro não serão acumuladas em nenhuma hipótese para o exercício seguinte.

Art. 2º. Para ter direito a tal benefício o servidor deverá comunicar seu superior imediato à data que usufruirá com no mínimo 03 (três) dias de antecedência.

Parágrafo único. A comunicação poderá ser escrita ou simplesmente verbal, dependendo da orientação do chefe de cada setor.

Art. 3º. O Poder Executivo regulamentará a presente lei, no que couber, no prazo de até 60 (sessenta) dias, contados da data de sua publicação.

Art. 4º. Fica estendido aos servidores do Poder Legislativo o benefício previsto na presente lei.

Art. 5º. As despesas decorrerão da execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias do orçamento vigente, suplementadas se necessário.

Art. 6º Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se às demais disposições em contrário.

(...)” (sic)

Não há como negar que a matéria veiculada na lei diz respeito ao regime jurídico do funcionalismo municipal, por tratar da concessão de faltas abonadas aos servidores do Município de Cosmorama, bem como dos procedimentos para a fruição de tal benefício e das consequências relativamente a tais faltas.

Essa observação é suficiente para demonstrar que a iniciativa nessa matéria é privativa do Chefe do Executivo Municipal.

Não se trata de saber, venia concessa, se a opção do legislador local foi adequada ou não, se a diretriz contida na norma já decorre de outros preceitos normativos ou não, e assim por diante.

Cuida-se simplesmente de observar que para alterar a disciplina normativa dos servidores municipais é necessário que o próprio Prefeito provoque a instauração do processo legislativo.

É manifesta, nesse caso, a não observância da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo local para a edição de lei modificando o regime jurídico do funcionalismo municipal, nos termos do art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

O Col. STF, interpretando e aplicando dispositivo análogo constante na Constituição da República, o art. 61, § 1º, II, c, do qual o preceito antes indicado da Constituição do Estado é mera reprodução, reiteradamente tem declarado a inconstitucionalidade de leis que tratam de regime jurídico do funcionalismo desrespeitando a reserva de iniciativa.

Confira-se:

“(...)

Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II, da CF, que determinam a iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-2-1999, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, rel. Min. Maurício Corrêa. Esta Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em Constituição Estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes: ADI 1.165, rel. Min. Nelson Jobim, DJ de14-6-2002 e ADI 243, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, DJ de 29-11-2002. Ação direta cujo pedido se julga procedente. (ADI 2.873, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007.)

(...)

Processo legislativo: normas de lei de iniciativa parlamentar que cuidam de jornada de trabalho, distribuição de carga horária, lotação dos profissionais da educação e uso dos espaços físicos e recursos humanos e materiais do Estado e de seus Municípios na organização do sistema de ensino: reserva de iniciativa ao Poder Executivo dos projetos de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (art. 61, II, § 1º, c). (ADI 1.895, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-8-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.)

(...)

Lei estadual que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, a e c, CR/1988). Princípio da simetria. (ADI 2.029, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)

(...)”

Mais não é preciso dizer.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal 2.669, de 09 de dezembro de 2011, de Cosmorama.

São Paulo, 24 de julho de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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