Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0069703-04.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Vera Cruz

Objeto: Lei nº 2.839, de 23 de março de 2012, do Município de Vera Cruz

 

 

Ementa:

1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 2.839, de 23 de março de 2.012, do Município de Vera Cruz,  que “dispõe sobre a padronização da pintura de prédios públicos, define a aplicação de cores e dá outras providências”.

2) Iniciativa parlamentar. Ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (arts. 5º, 25, 47, II e XIV, da Constituição Paulista). 

3) Parecer pela procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Prefeita Municipal de Vera Cruz, tendo por objeto a Lei Municipal n. 2.839, de 23 de março de 2012, daquele Município, que “dispõe sobre a padronização da pintura de prédios públicos, define a aplicação de cores e dá outras providências”.

Sustenta a autora que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi integralmente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

O pedido de liminar foi deferido (fls. 55).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 67/77.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 62/63).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei n. 2.839, de 23 de março de 2012, do Município de Vera Cruz, que “dispõe sobre a padronização da pintura de prédios públicos, define a aplicação de cores e dá outras providências”, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1°- Os imóveis públicos e os particulares utilizados pela Administração Direta, Indireta, Autárquica e Fundacional do Município, bem como as obras de engenharia e arquiteturas públicas, obrigatoriamente serão pintadas na parte externa com cores predominantes na Bandeira do Município azul, vermelho e branco, cujas tonalidades deverão ser idênticas às daquele símbolo municipal.

Art. 2º - A utilização das cores azul, vermelho e branco, instituída por esta lei, será obrigatória quando da construção ou reforma dos prédios públicos de que trata o artigo anterior.

Art. 3º - Fica vedada a utilização, nos bens municipais, móveis e imóveis, incluindo praças, veículos, equipamentos urbanos, sinalização de ruas, painéis, e cartazes, de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridade ou servidores públicos sendo autorizadas, apenas, a utilização do brasão do Município.

Art. 4º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.”

 

Esse diploma é verticalmente incompatível com a Constituição Paulista.

Violação da separação de poderes.

O ato normativo impugnado nesta ação direta determina providências concretas por parte do Poder Público local, na medida em que fixa as cores das fachadas dos próprios municipais.

Nesse sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos art. 5º, art. 37 e art. 47, incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da referida Carta.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ª ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Mutatis mutandis, já proclamou esse Egrégio Plenário que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Por último, oportuno observar que a realização do disposto na lei examinada (observância de determinadas cores nas fachadas dos próprios municipais), certamente traria despesas para o erário.

Em casos similares esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0).

 

 

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei n. 2.839, de 23 de março de 2012, do Município de Vera Cruz, que “dispõe sobre a padronização da pintura de prédios públicos, define a aplicação de cores e dá outras providências”.

São Paulo, 04 de julho de 2012.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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