PARECER EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

Processo n.º 0069706-56.2012.8.26.0000

Autor: Prefeito Municipal de Vera Cruz

 

 

 

EMENTA: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n.º 2.838, de 13 de março de 2012, de Vera Cruz, que “Estabelece normas para prédios locados pela Municipalidade e dá providências correlatas”’. A competência para planejar, organizar, executar e controlar os serviços públicos municipais é exclusiva do chefe do Poder Executivo. Ingerência indevida da Câmara na esfera de competência tipicamente administrativa do Prefeito. Lei de origem parlamentar não pode impor ao Prefeito a prática de ato que é próprio da função executiva, qual seja a fixação de placas indicativas de locação com localização, dizeres e tamanhos predefinidos. Violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (CE, art. 5.º) caracterizada. Procedência da ação.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

Trata-se de ação na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade do diploma normativo em epígrafe, de origem parlamentar, cuja redação é a seguinte:

“Art. 1.º - Fica o Poder Executivo obrigado a dar publicidade em todos os prédios locados pela Municipalidade.

§ 1º - Todos os imóveis locados terão obrigatoriamente os seguintes dizeres:

‘Esse prédio é locado pela Municipalidade.

Vigência do Contrato ............

Valor do aluguel – R$ ............’

§ 2º - Os dizeres deverão estar expostos ao público, de forma bem visível, junto à entrada principal, em placa ou pintura do imóvel, com, no mínimo as seguintes dimensões 40 cm x 20 cm.

Art. 2º - O Poder Executivo deverá adequar os imóveis já locados no prazo de 90 (noventa) dias, a partir da publicação da presente Lei.

Art. 3º - O disposto nesta Lei é extensivo aos imóveis alugados pela Câmara, Autarquias e Empresas Públicas, sendo que na placa de que trata o parágrafo 1º do artigo 1º deverá ser substituída a expressão ‘Municipalidade’ pelo nome do respectivo órgão, aplicando-se a eles também o prazo de que trata o artigo 2º.

Art. 4º - Os imóveis locados por entidades particulares que recebam auxílio ou subvenção da Prefeitura através de convênio também deverão atender ao disposto na presente Lei, sob pena de não ser renovada ou concedida nova subvenção, sendo que os dizeres informativos serão os seguintes:

‘A locação desse prédio é paga através de subvenção recebida da Municipalidade.

Valor do aluguel – R$ .........”

Parágrafo único – As entidades com imóveis já locados deverá se adequar no prazo de 90 (noventa) dias, a partir da publicação da presente Lei.”

Segundo o alegado na inicial, a Lei Municipal n.º 2.838, de 13 de março de 2012, de Vera Cruz, seria incompatível com a Constituição porque houve invasão da esfera de competência do Prefeito, a quem a referida lei impôs a prática de ato típico de gestão, em desacordo com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

Houve concessão de liminar pelo Relator sorteado (fls. 32).

Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Carta Paulista, o Procurador-Geral do Estado defendeu a exegese que condiciona a sua intervenção nos processos de fiscalização abstrata à existência de interesse estadual na preservação da norma objeto do controle de constitucionalidade, ausente, porém, neste caso, em que a lei impugnada trata de matéria exclusivamente local.

A Câmara Municipal de Vera Cruz prestou informações no prazo regimental, em defesa da norma impugnada (fls. 39/49).

Em resumo, é o que consta nos autos.

Nada obstante os elevados propósitos que nortearam a edição da lei em exame, a presente ação deverá ser julgada procedente.

Como se sabe, o governo municipal tem suas funções divididas.

Basicamente, a Câmara legisla e o Prefeito administra. Na prática, a atividade de legislar compreende a edição de leis sobre os assuntos de interesse local (CF, art. 30, I), sem embargo da competência municipal para suplementar a legislação federal “no que coube”’ (CF, art. 30, II). Administrar significa aplicar a lei ao caso concreto.

Por força do modelo de divisão de competências adotado pela vigente Constituição, o Prefeito é o encarregado do planejamento, da organização, da execução e do controle dos serviços públicos municipais, não podendo – no exercício desse mister – sofrer nenhum tipo de interferência estranha da Câmara.

A fixação de placas orientadoras nas Unidades de Saúde do Município de Vera Cruz, com especificação do seu respectivo conteúdo, constitui atividade concernente ao serviço público municipal de saúde.

Segundo HELY LOPES MEIRELLES:

“os serviços de saúde pública, higiene e assistência social incluem-se na categoria das atividades comuns às três entidades estatais, que, por isso, podem provê-los em caráter comum, concorrente ou supletivo (CF, art. 23, II e IX).

Ao Município sobram poderes para editar normas de preservação da saúde pública, nos limites de seu território, uma vez que, como entidade estatal que é, está investido de suficiente poder de polícia inerente a toda Administração Pública, para a defesa da saúde e bem-estar dos munícipes.” (Cf. “Direito Municipal Brasileiro”, Malheiros, São Paulo, 8.ª edição, 1996, atualizada por Izabel Camargo Lopes Monteiro, Yara Darcy Police Monteiro e Célia Marisa Prendes, pp. 326/327).    

Como a administração dos prédios públicos insere-se na órbita de atribuições ordinárias do Prefeito, que possui caráter tipicamente administrativo, o chefe do Poder Executivo não pode sofrer nenhuma ingerência externa da Câmara, donde se conclui que, na espécie, houve invasão da esfera de competência do Prefeito pela Câmara.

Deveras, a competência para definir se o Poder Público deve ou não fixar placas orientadoras, nas unidades locadas, além de definir o seu respectivo conteúdo, é do Prefeito, que a realiza por meio de seus subordinados, no exercício de atividade administrativa.

Em princípio, reza a boa doutrina, “a Câmara pode, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao prefeito adjuvandi causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo, o que não significa prover situações concretas por seus próprios atos ou impor ao Executivo a tomada de medidas específicas de sua exclusiva competência e atribuição” (Cf. HELY LOPES MEIRELLES, ob. cit., p. 430), mas, no caso sob exame, a Câmara de Vereadores de Vera Cruz não formulou simples indicação ao Prefeito e sim procurou impor a este a adoção de medida – a fixação de placas orientadoras e a definição do seu respectivo conteúdo, nos prédios locados para acomodação de repartições públicas municipais – que é de sua competência e atribuição exclusiva.

Assim, na espécie, é nítida a violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes, pois, no delicado sistema de relacionamentos concebido pelo constituinte originário, a Câmara não pode impor ao Prefeito a prática de atos que são próprios da função executiva.

Em tais circunstâncias, o parecer é pela procedência da presente ação direta.

São Paulo, 19 de julho de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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