Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0069774-06.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Santa Cruz do Rio Pardo

Objeto: Parágrafo 2º do art.1º, da Lei Complementar n. 450, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo

 

 

Ementa:

1) Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeita, em face do parágrafo 2º, do art.1º, da Lei Complementar n° 450, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, que “institui Plano de Empregos e Salários para funcionários no setor de Administração, instituindo-se as Progressões horizontais e verticais, após reclassificação realizada por empresas especializadas e dá outras providências”.

2) Dispositivo legal que estende aos inativos e pensionistas reajustes previstos apenas para servidores públicos de cargos de provimento efetivo.

 3) Violação da reserva de iniciativa quanto ao regime jurídico dos servidores (art. 24, §2º, n. 4, da Constituição Estadual) e da regra da separação de poderes (art. 5º da Constituição Estadual) e do art. 25, da Constituição Estadual.

4) Processo objetivo. Causa de pedir aberta. Possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial.

5) Parecer para que se declare a inconstitucionalidade do § 2º, do art. 1º e do art. 4º, ambos da Lei Complementar n. 450, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Prefeita do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, tendo por objeto o parágrafo 2º, do art. 1º, da Lei Complementar n. 450, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, que “institui Plano de Empregos e Salários para funcionários no setor de Administração, instituindo-se as Progressões horizontais e verticais, após reclassificação realizada por empresas especializadas e dá outras providências”.

Sustenta a autora que a legislação impugnada, de autoria parlamentar, é inconstitucional por violar os arts. 5º, 24, § 2º, “1” e “4”,  25, 111,144 e 176, I,  todos da Constituição Estadual.

O pedido de medida liminar foi indeferido (fls. 155).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 163/164).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações             (fls. 174/178).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Lei Complementar n. 450, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, “institui Plano de Empregos e Salários para funcionários no setor de Administração, instituindo-se as Progressões horizontais e verticais, após reclassificação realizada por empresas especializadas e dá outras providências”.

O § 2º do art. 1º, da referida lei, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º (...)

§2º - O disposto no “caput” deste artigo, é extensivo aos aposentados e pensionistas da administração pública municipal, na forma do que dispõe a Emenda Constitucional n. 20/98, art. 40, §8º .”

Mencionado dispositivo pretendeu estender aos aposentados e pensionistas os reajustes previstos no art. 4º da Lei Complementar n. 450/2011, nos quais foram contemplados apenas os servidores públicos municipais da ativa, ocupantes de cargos de provimento efetivo.

Com efeito, o art. 4º, da Lei Complementar n. 450/2011, de Santa Cruz do Rio Pardo, assim dispõe:

“A Prefeitura dentro das possibilidades orçamentárias fará estudos, sem prejuízo da revisão geral anual constitucional, de conceder um reajuste mínimo 4,6% sobre o salário base a partir do mês de janeiro de 2013 e da mesma forma para o ano de 2014, com exceção aos empregos de provimento e confiança e em comissão mencionados no art. 3º dessa lei (anexo) II.

Como se pode observar, o ato normativo impugnado nasceu no Poder Legislativo, quando é certo que não compete aos Vereadores projetar direito novo no que diz respeito à concessão de benefícios para servidores públicos (ativos ou inativos), embora realmente exista a norma prevista no § 8º do art. 40 da Constituição Federal, que garante a revisão dos proventos da aposentadoria e das pensões na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade.

É norma inconstitucional, portanto, à luz dos artigos 5º; 24, § 2º, 4; 37 e 47, incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da referida Carta.

Dizem a doutrina e a jurisprudência que cabe ao Poder Executivo primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Decorre da sistemática da separação de Poderes que há certas matérias cuja iniciativa legislativa é reservada ao Poder Executivo.

A propósito, a Constituição do Estado prescreve iniciativa privativa do Chefe do Executivo para leis que versem, em síntese, sobre: cargos, funções e empregos públicos na administração direta e indireta e sua remuneração; criação e extinção de órgãos na administração pública; regime jurídico dos servidores públicos (cf. art. 24, § 2º, n. 1 a 6, da Constituição Estadual). Reitera a Carta Paulista, em linhas gerais, as limitações contidas no art. 61, §1º, inciso II, da Constituição Federal.

De outro lado, a Constituição do Estado de São Paulo também determina caber ao Executivo exercer a direção superior da Administração Estadual, bem como a prática de atos de administração (art. 47, incisos II e XIV).

Deste modo, no caso em exame, há tanto violação da reserva de iniciativa, como do princípio da separação de poderes.

O legislador municipal, na hipótese analisada, dispôs sobre remuneração de servidores públicos municipais, isto é, a respeito de um dos aspectos que envolvem seu regime jurídico. Cuida-se, no entanto, de matéria de iniciativa reservada ao Chefe do Executivo, nos moldes do art. 24, § 2º, 4 da Constituição Paulista (que reproduz o art. 61, §1º, II, “c”, da Constituição Federal).

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes.

Essa é a orientação desse E. Tribunal de Justiça nos casos análogos:

Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei Municipal que autoriza o Executivo a fornecer aos servidores públicos municipais, ativos, inativos, pensionistas, complementados e complementadas pensionistas, uma cesta básica de alimentação - Matéria de iniciativa parlamentar que se refere a administração pública, cuja gestão e de competência do Prefeito - As regras da Constituição Federal sobre iniciativa reservada são de observância compulsória pelo Estado e pelos Municípios - Na espécie, prerrogativas exclusivas do Prefeito Municipal foram atingidas pela lei atacada, que interferiu na competência legislativa reservada ao Chefe do Executivo local, ao invadir a seara de organização, direção e contratação dos serviços e fornecimentos - Violação dos arts 5o, ‘caput’ e 24, §2°, 1 e 4 da CE/89. Ação julgada procedente (ADIN 157.098-0/7, j. 27/6/2008, rel. Henrique Nelson Calandra)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Expressão constante do Art. I° da Lei Municipal n. 3.526/2005, de Lençóis Paulista - Acréscimo, por emenda parlamentar, que restringe a concessão de cestas básicas aos servidores públicos municipais a determinado teto salarial - Inadmissibilidade - Matéria cuja iniciativa legislativa e privativa do chefe do Poder Executivo - Art. 24, § 2°, 1 e 4, da Constituição Estadual - Auto-organização dos municípios está subordinada aos ditames das Constituições federal e estadual - Configurada a afronta ao princípio da separação de poderes - Emenda a projeto de lei possui caráter acessório, descabendo seu uso indiscriminado - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da expressão acrescentada por emenda parlamentar (ADIN 130.674-0/9, j. 21/9/2007, rel. Maurício Ferreira Leite).

 

Nota-se, ainda, que o ato normativo impugnado gera despesa, sem a indicação da fonte. Nesse ponto colide com as disposições dos artigos 25 e 176, inc. I, da Constituição Bandeirante.

Entretanto, como o art. 4º da referida lei não estendeu os benefícios nele previstos aos aposentados e pensionistas, o mesmo padece de inconstitucionalidade por ter desrespeitado o § 8º do art. 40, da Constituição Federal, cuja observância é obrigatória para os Municípios nos termos do art. 144 da Constituição Federal.

Com efeito, o § 8º do art. 40 da Constituição Federal, assim estabelece:

“Art. 40 – Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

(....)

§ 8º - Observado o disposto no art. 37, XI, os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive, quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão na forma da lei”.

 

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do § 2º do art. 1º e do art. 4º, ambos da Lei n. 450, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, que “institui Plano de Empregos e Salários para funcionários no setor de Administração, instituindo-se as Progressões horizontais e verticais, após reclassificação realizada por empresas especializadas e dá outras providências”.

São Paulo, 12 de julho de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

vlcb