Parecer
Autos nº. 0071440-42.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Martinópolis
Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 244, de 29 de março de 2012, do Município de Martinópolis
Ementa:
1. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 244, de 29 de março de 2012, do Município de Martinópolis, que “dispõe sobre a criação de cargo no quadro do poder legislativo do município de Martinópolis”.
2. Alegação de violação de princípios constitucionais: impessoalidade, moralidade administrativa e supremacia do interesse público.
3. Questões de fato. Eventual desvio na aplicação da norma. Impossibilidade de controle concentrado de constitucionalidade.
4. Limites à cognição judicial no processo objetivo de controle de constitucionalidade das leis. Precedentes do E. STF.
5. Parecer no sentido da improcedência da ação direta.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Martinópolis em face da Lei Complementar nº 244, de 29 de março de 2012, que “dispõe sobre a criação de cargo no quadro do poder legislativo do município de Martinópolis”.
O
diploma normativo impugnado cria um cargo de provimento efetivo a ser preenchido
obedecendo-se rigorosamente à lista de espera de concurso público que estiver
em vigor.
Alegação
de inconstitucionalidade fundada em possível afronta a diversos princípios
constitucionais: impessoalidade, moralidade administrativa e supremacia do
interesse público. Ocorre que, segundo o autor da ação, a lei teria sido
editada para favorecer uma determinada pessoa.
Foi
deferida a liminar (fls. 76/77).
Foram
juntadas informações da Câmara Municipal (fls. 90/102).
Citado,
o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa em relação ao
ato normativo impugnado (fls. 87/88).
É uma breve síntese.
A presente ação deve ser julgada improcedente.
Ocorre que, compulsando-se os autos, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade em tese, do tipo que possa ser reconhecida no bojo de ação direta.
Se há eventual desvio na aplicação da norma, tal questão não pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade.
Afinal, na ação direta de inconstitucionalidade não há espaço para discutir questões fáticas. O que se pode fazer nessa instância é o contraste do diploma legal impugnado com a norma-parâmetro da Constituição do Estado.
A abertura do processo de controle concentrado não tem por escopo, é importante frisar, a elucidação de questões de fato (rectius = pontos de fato que se tornaram controversos). Isso, na medida em que, nestas ações, não se realiza o exame de determinada “lide”, invocada, nesse passo, na concepção carnelutiana, ou seja, como conflito de interesses qualificado pela existência de uma pretensão resistida.
No processo objetivo, a questão sobre a qual o Tribunal se debruça é essencialmente jurídica (dúvida ou controvérsia sobre a legitimidade do direito positivo infraconstitucional, em sua perspectiva de eventual confronto com determinado parâmetro constitucional). Em relação a ela, a aferição de fatos pode figurar, apenas, como um dado adstrito ao problema de prognose da aplicação da norma no plano concreto. Não se passa, entretanto, do exame da norma para o exame do fato.
Este é o adequado sentido para a compreensão do que foi afirmado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, juntamente com Ives Gandra da Silva Martins, em sede doutrinária, no sentido da admissão, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, da “verificação de fatos e prognoses legislativos” (Controle concentrado de constitucionalidade, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 281).
Em outras palavras, não se pode confundir exame de fatos do processo legislativo, ou a análise de prognose sobre fatos relativos à aplicação futura da norma com o exame de quaestionis facti (fatos controversos).
Caso contrário, inviabilizado restaria o próprio processo objetivo, degradado de sua condição natural de sistema de controle abstrato da atividade legislativa (em que o Tribunal constitucional funciona como legislador negativo), à posição de simples desdobramento do exercício da função jurisdicional do Estado (consistente em examinar e solucionar litígios concretos).
A cognição a realizar para a resposta a tais indagações extravasaria do simples confronto entre a lei e a Constituição.
É sabido, ademais, que não se permite a verificação de circunstância fática ou a análise conjugada de espécies normativas infraconstitucionais. No restrito âmbito do controle abstrato de normas que se desenvolve perante o Tribunal com fundamento no art. 125, § 2º, da Constituição Federal, não existe espaço para o que a jurisprudência denomina de inconstitucionalidade reflexa ou indireta.
A propósito dela, “o Supremo Tribunal Federal tem orientação assentada no sentido da impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais ou de matéria de fato” (RTJ 164/897).
Isso não significa que nosso entendimento, nessa circunstância, seja taxativamente voltado à afirmação da constitucionalidade da referida legislação. Significa, sim, que conclusão em sentido contrário dependeria da análise de informações da situação de fato e da interpolação entre textos legislativos.
Inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo decorrentes de questões de fato (v.g. conveniência ou não da solução adotada pelo legislador, partindo de premissas situadas no contexto fático) não podem ser aferidas. O único exame que se faz, no processo objetivo, decorre do confronto direto entre o ato normativo impugnado e o parâmetro constitucional (na hipótese, apenas estadual) adotado para fins de controle (STF, ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04; ADI-MC 1347 /DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241, g.n.; ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546).
A esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita
pelo i. Min. Celso de Mello, do E. STF: “A
ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento
básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida
e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in
abstracto’ do ato estatal impugnado seja
realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade
deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação
desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle
normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas
infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento
exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade
constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-
Nesses casos, resta apenas a possibilidade do controle difuso de constitucionalidade das normas, mesmo porque não está sendo afirmada a constitucionalidade da norma.
Posto isso, aguarda-se a improcedência da presente ação direta.
São Paulo, 05 de julho de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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