Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 0072009-43.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Mairiporã

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, dos “artigos 36 caput, alínea ‘g’; 45 caput, incisos I a VII, § 4º (parte final) e § 5º; 28; e parte do Anexo I, da Lei Complementar nº 353, de 29 de março de 2012, do Município de Mairiporã” que versa sobre plano de carreira, cargos e vencimentos de servidores públicos da Prefeitura do Município. Dispositivos impugnados que derivam de emendas parlamentares. Alteração que gera despesa não prevista no projeto original e que, por tal motivo, configura usurpação das atribuições do Prefeito, com ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 5º da CE). Parecer pela procedência.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Mairiporã, tendo por objeto as alterações da Lei Complementar nº 353/12, introduzidas pelas Emendas Parlamentares Substitutivas 01 e 02 e Aditivas 01, 02 e 03, no seu Anexo I, e artigos 36, caput, alínea ‘g’; 45, caput e § 4º, e incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e parágrafo 5º, além do art. 28.

O autor noticia que, como Prefeito Municipal, encaminhou à Câmara dos Vereadores o projeto de lei complementar nº 39/11 para regulamentar o Plano de Carreira, Cargos e Vencimentos de Servidores Públicos da Prefeitura do Município de Mairiporã. Esse projeto recebeu “as Emendas Substitutivas 01 e 02 e as Emendas Aditivas 01, 02 e 03 (doc. 4), desfigurando por completo o projeto de lei do Executivo.”

Sustenta o autor que vetou as Emendas, mas o veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

Como as Emendas acarretaram aumento de despesas não concebidas no projeto inicial, houve vício de iniciativa e violação ao princípio da separação dos poderes.

Os dispositivos impugnados tiveram a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 124).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações em defesa da norma impugnada (fls. 579 e ss.).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da norma impugnada, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 575/577).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Lei Complementar nº 353/12, do Município de Mairiporã decorre de projeto do Poder Executivo, com o escopo de regulamentar o Plano de Carreira, Cargos e Vencimentos de Servidores Públicos da Prefeitura do Município de Mairiporã.

Por emendas, o Legislativo local alterou o projeto original, gerando despesas não previstas.

A matéria de que trata a lei em análise – plano de carreira, cargos e vencimentos dos servidores públicos municipais – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Prefeito, a teor do que reza o art. 24, § 2º, ns. 1 e 2, da Constituição Estadual.

O problema, entretanto, reside nas emendas que foram feitas ao projeto, que o descaracterizou e aumentou a despesa gerada pela aplicação da lei.

Sabe-se que, uma vez apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação. Abre-se o caminho, em seguida, para fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria.

Nessa fase, se sobressai o poder de emendar.

O poder de emendar é reconhecido pela doutrina tradicional e está reservado aos parlamentares enquanto membros do Poder incumbido de estabelecer o direito novo.

O Supremo Tribunal Federal o considera como prerrogativa dos parlamentares, como se intui do seguinte julgado:

 

“O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção regalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).

 

Mas o considera restrito, como se conclui do trecho acima destacado e do paradigmático julgado adiante transcrito:

“Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a" e "c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia dotação orçamentária para o pagamento do benefício instituído pela norma impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73).”

 

A limitação ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação praticamente e substancialmente distinta da proposta original.

No caso dos autos, é curial que as emendas acarretam aumento de despesa e, desse modo, sofre a limitação atrás aludida. As alterações produzidas pela Câmara Municipal traduzem-se em ônus para a Administração não previstos no projeto original e que, por tal motivo, representa inequívoco abuso do poder de emendar, com a consequente violação do princípio da separação dos poderes de que trata o art. 5º da Constituição do Estado.

Nesse panorama, divisa-se como solução deste processo a declaração de inconstitucionalidade, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade dos artigos 36 caput, alínea ‘g’; 45 caput, incisos I a VII, § 4º (parte final) e § 5º; 28; e parte do Anexo I, da Lei Complementar nº 353, de 29 de março de 2012, do Município de Mairiporã, alterados pelas Emendas Substitutivas 01 e 02 e Aditivas 01, 02 e 03.

São Paulo, 19 de junho de 2012.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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