Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº 0072703-12.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Sorocaba

Objeto: inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 9.922, de 10 de janeiro de 2012, de Sorocaba.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 9.922, de 10 de janeiro de 2012, de Sorocaba, fruto de iniciativa parlamentar, que Dispõe sobre a responsabilidade pelos custos de implantação de galerias de águas pluviais e dá outras providências.

2)      Lei de natureza tributária que cria hipótese de isenção a contribuição de melhoria. Ausência de vício normativo. Inexistência de reserva de iniciativa quanto às “leis tributárias benéficas”. Entendimento firme do Col. STF. Precedentes. Entendimento diverso que implica ofensa aos artigos 29 e 61 da CR/88.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei Municipal nº 9.922, de 10 de janeiro de 2012, de Sorocaba, fruto de iniciativa parlamentar, que Dispõe sobre a responsabilidade pelos custos de implantação de galerias de águas pluviais e dá outras providências.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por violação da independência e harmonia entre os poderes, contendo vício de iniciativa e pela ausência de indicação dos recursos disponíveis. Assim, afirma ofensa ao disposto no art. 5º e art. 25 da Constituição Estadual.

Não foi deferida a liminar (fls. 72). Contra tal decisão foi interposto Agravo Regimental ao qual foi negado provimento (fls. 77/83 e 181/185).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado (fls. 108/115).

Citado regularmente (fls. 101), o Senhor Procurador-Geral do Estado afirmou tratar de matéria de interesse exclusivamente local, declinando de realizar a defesa do ato normativo impugnado (fls. 103/106).

É o breve relato do ocorrido nos autos.

A Lei Municipal nº 9.922, de 10 de janeiro de 2012, de Sorocaba, fruto de iniciativa parlamentar, que Dispõe sobre a responsabilidade pelos custos de implantação de galerias de águas pluviais e dá outras providências, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º A Prefeitura Municipal de Sorocaba fica responsável pelos custos de implantação de galerias de águas pluviais nas vias e logradouros públicos do município, sejam eles pavimentados ou não, não podendo tais despesas serem repassadas ou cobradas, a qualquer título, dos proprietários lindeiros dos imóveis beneficiados.

Art. 2º As despesas com a execução da presente Lei correrão por conta das verbas próprias consignadas no orçamento.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, surtindo seus efeitos a partir de 1º de janeiro de 2012.

(...)”

Ao vedar o repasse ou cobrança, a qualquer título, dos custos de obras de implantação de galerias de águas pluviais nas vias e logradouros públicos do município dos proprietários lindeiros dos imóveis beneficiados, a lei impugnada, embora não aluda expressamente, instituiu isenção tributária ao excluir aquelas obras públicas como fato gerador da contribuição de melhoria.

Foi retirada da hipótese de incidência, ou como fato imponível da contribuição de melhoria as obras públicas relativas a implantação de galerias de águas pluviais nas vias públicas.

A natureza tributária da lei impugnada e a intenção da instituição de uma hipótese de isenção podem também ser extraídas da justificativa apresentada ao projeto de lei (fls. 19).

Considerando que a contribuição de melhoria é uma espécie tributária existente em nosso sistema normativo, chega-se claramente à conclusão de que a questão constitucional que se apresenta para o debate neste caso consiste em saber se há ou não reserva de iniciativa do Poder Executivo para as leis que concedam isenções ou benefícios fiscais.

Inicialmente, importante ressaltar que o disposto no art. 61, § 1º, I, b da CF, é destinado às proposições legislativas que disponham sobre matéria tributária pertinente aos Territórios Federais.

A matéria está pacificada no âmbito do Col. STF, que já assentou a inexistência de reserva de iniciativa do Poder Executivo para as chamadas “leis tributárias benéficas”, e tampouco, por consequência, qualquer ofensa ao princípio da separação de poderes em hipótese análoga.

Nesse sentido, confira-se:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 553/2000, do Estado do Amapá. Desconto no pagamento antecipado do IPVA e parcelamento do valor devido. Benefícios tributários. Lei de iniciativa parlamentar. Ausência de vício formal. Não ofende o art. 61, § 1º, II, b, da CF, lei oriunda de projeto elaborado na Assembleia Legislativa estadual que trate sobre matéria tributária, uma vez que a aplicação deste dispositivo está circunscrita às iniciativas privativas do chefe do Poder Executivo Federal na órbita exclusiva dos territórios federais. Precedentes: ADI 2.724, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 2-4-04, ADI 2.304, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 15-12-2000 e ADI 2.599-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13-12-2002. A reserva de iniciativa prevista no art. 165, II, da Carta Magna, por referir-se a normas concernentes às diretrizes orçamentárias, não se aplica a normas que tratam de direito tributário, como são aquelas que concedem benefícios fiscais. Precedentes: ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 27-4-2001 e ADI 2.659, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 6-2-2004. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente. (ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 11-4-2007, Plenário, DJ de 25-5-2007.)

(...)

Ação direta de inconstitucionalidade: Lei estadual 2.207/2000, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da Lei estadual 2.417/2002), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado (...) Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. (ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006.) No mesmo sentido: RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

(...)

A análise dos autos evidencia que o acórdão mencionado diverge da diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou na matéria em referência. Com efeito, não mais assiste, ao chefe do Poder Executivo, a prerrogativa constitucional de fazer instaurar, com exclusividade, em matéria tributária, o concernente processo legislativo. Esse entendimento – que encontra apoio na jurisprudência que o STF firmou no tema ora em análise (RTJ 133/1044 – RTJ 176/1066-1067) – consagra a orientação de que, sob a égide da Constituição republicana de 1988, também o membro do Poder Legislativo dispõe de legitimidade ativa para iniciar o processo de formação das leis, quando se tratar de matéria de índole tributária, não mais subsistindo, em consequência, a restrição que prevaleceu ao longo da Carta Federal de 1969 (art. 57, I). (RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009.) No mesmo sentido: ADI 352-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento 29-8-1990, Plenário, DJE de 8-3-1991.

(...)”

A reserva de iniciativa legislativa é de caráter excepcional, sendo a iniciativa concorrente a regra geral (art. 24 da Constituição Paulista e art. 61 da Constituição da República).

É pacífico, ademais, que as exceções, no Direito, merecem interpretação sempre restritiva, e não ampliativa.

Assim, com a devida vênia, caso seja declarada a inconstitucionalidade do ato normativo impugnado, isso significará, na prática, contrariedade ao disposto no art. 61 da Constituição da República (que prevê a iniciativa concorrente como regra geral para o processo legislativo), bem como ao art. 29 da Constituição da República, que determina a aplicação aos Municípios dos princípios estabelecidos na Lei Maior, entre eles aqueles inerentes ao processo legislativo, e, especificamente, a questão da iniciativa legislativa concorrente.

Por último e não menos importante, não se trata, com a devida vênia, de olvidar o entendimento que vem sendo adotado pelo Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça.

Trata-se, objetivamente, de levar em conta que a palavra final, em sede de controle de constitucionalidade das leis (mesmo quando se trata de ação direta de inconstitucionalidade estadual) é sempre do Col. STF, pois a ele coube, em nosso sistema constitucional, o papel de intérprete final da Constituição.

Uma vez que o Col. STF tem entendimento consolidado na matéria ora examinada, e nenhum fundamento novo foi apresentado, insistir em adotar posicionamento diverso significará, exclusivamente, protelar a adoção de uma solução que já se mostra, desde logo, previsível.

Não se pode cogitar de violação ao art. 25 da Constituição Estadual, uma vez que a lei impugnada não cria ou provoca aumento de despesa pública, mesmo porque a responsabilidade das obras de implantação de galerias de águas pluviais em vias públicas, quando não exigidas ao loteador, é do município.

A lei de iniciativa parlamentar apenas estabeleceu, nos limites de sua competência legislativa concorrente, hipótese de não incidência da contribuição de melhoria, sendo irrelevante que a sua aplicação possa repercutir no orçamento do município.

Por fim, embora o ato normativo impugnado possa trazer algum reflexo na programação orçamentária, não diz a plano plurianual, às diretrizes orçamentárias e a orçamentos anuais, matéria de reserva legislativa do Executivo (art. 165 da CF e art. 174 da CE).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da ação direta, reconhecendo-se, em consonância com o posicionamento firme do Col. STF, a constitucionalidade da Lei Municipal nº 9.922, de 10 de janeiro de 2012, de Sorocaba.

 

São Paulo, 26 de outubro de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

aca