Parecer
Processo n. 0075958-75.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Mairiporã
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Mairiporã
Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 3.174/12 do Município de Mairiporã. Envio mensal, pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, de comprovantes de gastos. Iniciativa parlamentar. Violação ao princípio da separação de poderes inexistente. Transparência e controle parlamentar. Improcedência da ação. 1. A adoção de mecanismo de aprimoramento da fiscalização do Poder Legislativo sobre atos do Poder Executivo não é matéria situada na reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo nem na reserva da Administração. 2. Não há lugar para arguição de violação do princípio da separação de poderes em norma local que aumenta o grau de transparência administrativa e aperfeiçoa o controle parlamentar. 3. Reputar inconstitucional a lei local impugnada implicaria cerceio indébito à definição infraconstitucional das potências que a Constituição ofereceu ao Poder Legislativo na sua primordial tarefa de fiscalização dos atos do Poder Executivo. 4. Arts. 20, X, 24, 32, 111 e 150 da Constituição Estadual; arts. 31, 37, 49, X, e 61 da Constituição Federal. 5. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
contestando a Lei n. 3.174, de 16 de março de 2012, do Município de Mairiporã,
de iniciativa parlamentar, que obriga o Poder Executivo à remessa mensal ao
Poder Legislativo dos comprovantes de gastos superiores a R$ 4.000,00 (quatro
mil reais), sob alegação de violação ao art. 150 da
Constituição Estadual
(fls. 02/11).
2. Concedida liminar (fls. 62/63), a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo objurgado
(fls. 78/80) e as informações foram prestadas (fls. 73/76).
3. É o
relatório.
4. Em se tratando de processo
legislativo é princípio que as normas do modelo
federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas
federativas. Neste sentido:
“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
5. Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder
Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa
categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume.
Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa
legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
6.
Fixadas estas premissas, as
reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos
públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas
restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo
legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros.
Neste sentido, colhe-se
da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As hipóteses de limitação da
iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus
clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao
funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a
servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
“A disciplina jurídica do
processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois
residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o
procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao
exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo
legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que
esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente
constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da
própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em
conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito
positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao
Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa”
(STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u.,
DJ 07-12-2006, p. 36).
7. Como desdobramento
particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição
Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º,
iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na
órbita municipal por obra de seu art. 144). Não se verifica nesse preceito
reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira expressa ao objeto da
lei impugnada.
8. Tampouco o assunto se insere no
art. 47 que institui a competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O
dispositivo que consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo
traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a
denominada reserva de Administração - que veiculam matérias de sua alçada
exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
9. Sob o prisma do
art. 150 da Constituição Estadual não parece que a
norma local contestada apresente incompatibilidade.
10. Se, como posto no art. 31, § 3º, da Constituição
Federal, referido expressamente pelo art. 150 da Constituição Estadual, as
contas do poder público devem ficar à disposição de qualquer contribuinte para
exame e apreciação, com maior razão o Poder Legislativo pode acompanhar a
execução orçamentária a qualquer momento, militando em abono o princípio da
publicidade constante do art. 37 da Constituição Federal e do art. 111 da
Constituição Estadual.
11. O Supremo Tribunal Federal já decidiu
que:
“Lei disciplinadora de atos de publicidade do Estado, que
independem de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, visto
que não versam sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da
Administração Pública. Não-incidência de vedação constitucional (CF, artigo 61,
§ 1º, II, e)” (STF, ADI-MC 2.472-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Correa,
12-03-2002, v.u., DJ 03-05-2002, p. 13).
12. E este egrégio Tribunal de Justiça
julgou que:
“Ação declaratória de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Iniciativa parlamentar.
1. Compete ao Executivo dispor a respeito dos serviços públicos criando-os, expandindo-os, reduzindo-os ou extinguindo-os consubstanciando, com exclusividade, a direção superior da administração (art. 47, II, CE).
2. A Lei de iniciativa parlamentar, que não cria serviço oneroso por já existir, mas só dispõe sobre inserção no site de dados objetivos da transparência da administração, quer em relação ao Executivo quer ao Legislativo, não viola os artigos 5º, 25 e 47, II, c.c. 144 da CE.
Ação julgada improcedente” (TJSP,
ADI 0196610-92-2010-8-260000, Órgão Especial, Rel. Des. Laerte Sampaio, v.u.,
09-02-2011).
12. Não bastasse,
o Supremo Tribunal Federal já enfrentou a alegação de violação da separação de
poderes em hipótese similar, denegando-lhe amparo:
“FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA - LEI ORGÂNICA MUNICIPAL - REGRAS LEGAIS QUE EXPLICITAM, EM FAVOR DA CÂMARA DE VEREADORES, O PODER DE REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES EXERCIDO EM FACE DO PODER EXECUTIVO LOCAL - PRERROGATIVA POLÍTICO-JURÍDICA QUE SE INCLUI, CONSTITUCIONALMENTE, NA ESFERA DE ATRIBUIÇÕES DO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL - INSTRUMENTOS CONSTITUCIONAIS, COMO A PRERROGATIVA DE REQUISITAR INFORMAÇÕES, QUE VIABILIZAM O EXERCÍCIO, PELA CÂMARA DE VEREADORES, DE SEU PODER DE CONTROLE SOBRE ATOS DO PODER EXECUTIVO, EXCLUÍDA, NO ENTANTO, A POSSIBILIDADE DE O LEGISLATIVO DETERMINAR O COMPARECIMENTO DO PREFEITO MUNICIPAL (ADI 687/PA, REL. MIN. CELSO DE MELLO, PLENO) - INEXISTÊNCIA, NAS REGRAS LEGAIS IMPUGNADAS, DESSA OBRIGAÇÃO DE COMPARECIMENTO - LEI ORGÂNICA QUE SE CONFORMA, NO PONTO, AO QUE PRESCREVE, EM TEMA DE CONTROLE PARLAMENTAR DO EXECUTIVO, A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO” (RT 920/693).
13. Reputar inconstitucional a lei
local impugnada implicaria cerceio indébito à definição infraconstitucional das
potências que a Constituição ofereceu ao Poder Legislativo na sua primordial
tarefa de fiscalização dos atos do Poder Executivo, o que, aliás, destoaria de
comandos positivos como os dos arts. 20, X, e 32, da Constituição Estadual, e do
art. 49, X, da Constituição Federal.
14. Opino pela improcedência da ação.
São Paulo, 22 de junho de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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