Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 007766-90.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Amparo

Objeto: inconstitucionalidade da Lei nº 3.632, de 04 de outubro de 2011, do Município de Amparo.

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.632/11 do Município de Amparo, de iniciativa parlamentar. Utilização de caixa de sugestões em Velório Municipal. Violação da separação de poderes. Procedência da ação.  1. A disciplina do funcionamento dos órgãos do Poder Executivo é matéria da reserva da Administração e da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo, sendo inconstitucional a lei de iniciativa parlamentar. 2. Procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

                  Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Amparo impugnando a Lei nº 3.632 de 04 de outubro de 2011, que dispõe sobre a utilização de uma caixa de sugestões para ser colocada nas salas dos velórios em dia de utilização e durante a semana, sob alegação de violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, 47, II, 144 e 176 da Constituição Estadual, bem como do art. 39, II da Lei Orgânica do Município (fls. 02/09).

                   Indeferida liminar (fl. 36), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado (fls. 45/46), decorrendo in albis o prazo para as informações da Câmara Municipal (fl. 47).

                   É o relatório.

                   A ação só merece conhecimento no tocante ao confronto com as normas da Constituição do Estado, e não com a da Lei Orgânica do Município, uma vez que o controle abstrato, concentrado, direto e objetivo de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, por via de ação direta, tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual, nos termos do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.

                   A ação é procedente, como será demonstrado.

De fato, do teor da Lei impugnada se extrai que o Poder Legislativo impõe conduta a ser seguida pelo Poder Executivo, violando os princípios da independência e harmonia dos poderes.

                   É ponto pacífico que “as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

                   O art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) prevê competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.

                   A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez, os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo.

                   A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.

                   Pois, ao disciplinar o funcionamento de órgão público (utilização de caixa de sugestões nos velórios municipais), ela viola o art. 47, II, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração.

Ainda que a Câmara Municipal integre o governo local, a mesma tem atribuições e exerce funções inconfundíveis com as do Prefeito. Este, como chefe da Administração local, exerce funções de governo relacionadas com

“(...) o planejamento, organização e direção de serviços e obras da Municipalidade. Para tanto dispõe de poderes correspondentes de comando, de coordenação e de controle de todos os empreendimentos da Prefeitura ... A execução das obras e serviços públicos municipais está sujeita, portanto, em toda a sua plenitude, à direção do Prefeito, sem interferência da Câmara, tanto no que se refere às atividades internas das repartições da Prefeitura (serviços burocráticos ou técnicos), quanto às atividades externas (obras e serviços públicos) que o Município realiza e põe à disposição da coletividade” (Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 9ª ed., 1997, pp. 541 e 543, grifei).

 

O diploma ora combatido, dispondo sobre a utilização de uma caixa de sugestões para ser colocada nas salas dos velórios da Administração Direta, impõe ao Prefeito a obrigação de adotar medidas específicas relativas à execução de tal atividade. Trata-se, portanto, de indevida ingerência na atuação administrativa do prefeito, comprometendo suas funções de organizar, superintender e dirigir a Administração Municipal.

A Câmara não administra, mas apenas estabelece normas de administração, reguladoras da atuação administrativa do Prefeito. Como adverte Hely Lopes Meirelles, “de um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao prefeito adjuvandi causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que não pode é prover situações concretas por seus próprios atos ou impor ao Executivo a tomada de medidas específicas de sua exclusiva competência e atribuição” (Direito Municipal cit., p. 430).

 

 

 

 

Neste sentido, a jurisprudência:

 

“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

 

 

 

 

                   Opino pela procedência da ação por violação aos arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a, e 144, todos da Constituição do Estado.

 

                   São Paulo, 03 de maio de 2012.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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