Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0079351-08.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Américo Brasiliense

Objeto: Art. 1º da Lei nº 1.802, de 12 de março de 2012, do Município de Américo Brasiliense

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, em face do art. 1º da Lei nº 1.802, de 12 de março de 2012, do Município de Américo Brasiliense, que dispõe sobre a utilização de símbolos de identificação de máquinas e veículos do Município. Projeto de vereador. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição Estadual. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito, tendo por objeto o art. 1º da Lei nº 1.802, de 12 de março de 2012, do Município de Américo Brasiliense, que dispõe sobre a utilização de símbolos de identificação de máquinas e veículos do Município.

O autor esclarece que a lei decorre de projeto subscrito por parlamentar, apontando o vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação de poderes.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 11), sendo que a decisão proferida pelo Eminente Desembargador Relator, Dr. KIOITSI CHICUTA, foi mantida por esse Colendo Órgão Especial (fls. 81/84).

O Presidente da Câmara Municipal não se manifestou (fls. 36/48).

A Procuradoria-Geral do Estado manifestou-se a fls. 75/77.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O dispositivo legal dispõe sobre a utilização de símbolos de identificação de máquinas e veículos do Município. Determina, no seu art. 1º, que “as máquinas e veículos de propriedade do Município de Américo Brasiliense, bem como, todo e qualquer material distribuído à população, tais como: cestas básicas, uniformes, camisetas e materiais escolares, somente poderão conter como símbolo de identificação, o Nome e o Brasão do Município, e o nome do Departamento, Autarquia, e ou da Escola respectiva, sendo vedado a utilização de qualquer outra marca, símbolo, logotipo ou frase que lembre alguma administração”.

De fato, essa iniciativa configura a quebra do postulado da separação dos poderes.

Há quebra do princípio da separação de poderes nos casos, por exemplo, em que o Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art. 5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art. 2º da Constituição Federal. Há também não observância do disposto no art. 47 II e XIV da Constituição Paulista.

Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo, o que abrange, à evidência, a definição dos símbolos que devem ser utilizados no âmbito municipal. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Não é necessário que a lei diga o que o Poder Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 1.802, de 12 de março de 2012, do Município de Américo Brasiliense.

São Paulo, 9 de outubro de 2012.

                                    

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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