Parecer
Processo n. 0088956-75.2012.8.26.0000
Requerente: Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo - FUPESP
Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara Municipal de Coroados
Ementa: Constitucional. Administrativo. Servidor público municipal. Licença para desempenho de mandato classista. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Improcedência. Inexistência do dever de legislar porque a norma parâmetro (art. 125, § 1º, CE) é aplicável tão somente aos servidores públicos estaduais.
Colendo Órgão Especial
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade por omissão promovida pela Federação dos Funcionários Públicos Municipais do Estado de São Paulo – FUPESP que sustenta a omissão inconstitucional do legislador do Município de Coroados, por haver deixado de prever a licença remunerada do servidor público eleito para mandato classista, violando o artigo 125, § 1º, da Constituição Estadual, que assegura aos servidores públicos estaduais o direito de se afastar de suas funções durante o tempo de mandato (fls. 02/12).
Tanto o senhor Prefeito Municipal, quanto o Presidente da
Câmara de Vereadores, prestaram informações (fls. 97/110 e 159/160).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 93/95).
É
o relatório.
A
ação é improcedente.
A
preliminar arguida de ilegitimidade ativa pelo Prefeito Municipal não merece
ser acolhida.
Alega
o Prefeito do Município de Coroados que a autora da ação não possui
legitimidade ativa para propor a presente ação, por não se enquadrar no
conceito de entidade de classe de âmbito nacional, nos termos do art. 103, IX,
da Constituição Federal, em virtude de se tratar de entidade que representa
Sindicatos de Servidores Municipais composta por filiados que contribuem
anualmente em setores diversos.
Entretanto, a leitura do estatuto
social da requerente demonstra que ela é federação representativa
de servidores públicos municipais no Estado de São Paulo (fl. 18), tendo
abrangência estadual de atuação (fl. 52).
O Supremo Tribunal Federal já assentou
que:
“Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação ativa: ‘entidade de classe de âmbito nacional’: compreensão da ‘associação de associações’ de classe: revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal. 1. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. 2. É entidade de classe de âmbito nacional - como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art. 103, IX) - aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. 3. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das ‘associações de associações de classe’, de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade” (RTJ 194/859).
Guardadas as devidas proporções, esse
entendimento pode ser aplicado para os fins do art. 90, V, da Constituição
Estadual.
Por
essas razões, não prospera a preliminar.
No mérito, só cabe falar em omissão
capaz de ensejar a propositura de ação direta de inconstitucionalidade se
houver claro e inequívoco dever de
legislar. Não cabe provimento mandamental em controle omissivo em situações em
que não é evidente, claro ou preciso o dever de legislar.
A
omissão legislativa somente pode significar que o legislador não faz algo que positivamente lhe era imposto pela
Constituição. Não se trata, apenas, de um não fazer, mas de não fazer aquilo a que, de forma concreta e
explícita, estava ele constitucionalmente obrigado (José
Joaquim Gomes Canotilho, Constituição
dirigente, p. 331).
A
omissão tem conexão com uma exigência de
ação advinda da Constituição; caso contrário, não haverá omissão. Em outras
palavras, há o dever de legislar
violado quando: a) do legislador não emana o ato legislativo ao qual era obrigado;
b) a lei editada favorece um grupo, olvidando-se de outros. É dizer: quando não
concretiza ou não o faz completamente uma imposição constitucional.
A
propósito, já proclamou o Supremo Tribunal Federal:
“É de registrar, neste ponto, que, em tema de inconstitucionalidade por omissão parcial da lei, emerge a grave questão da exclusão de benefício, com ofensa ao princípio da isonomia. A reflexão doutrinária em torno dessa questão tem ensejado diversas abordagens teóricas do tema, com o objetivo de propiciar, a partir do desprezo estatal dispensado pelo Poder Legislativo ao postulado da isonomia, a formulação de soluções que dispensem à matéria um adequado tratamento jurídico (J.J. Gomes Canotilho, "Direito Constitucional", págs. 736/737 c 831, 4a ed., 1987, Almedina, Coimbra; Jorge Miranda, "Manual de Direito Constitucional", tomo II/407, 2a ed., 198R, Coimbra Editora, Limitada; Gilmar Ferreira Mendes, "Controle de Constitucionalidade - Aspectos jurídicos e políticos", págs. 69/70, 1990, Saraiva). A discussão das possíveis soluções jurídicas estimuladas pela questão da exclusão de benefício, em ofensa ao princípio da isonomia, permite vislumbrar três mecanismos destinados a viabilizá-las:
(a) extensão dos benefícios ou vantagens às categorias ou grupos inconstitucionalmente deles excluídos;
(b) supressão dos benefícios ou vantagens que foram indevidamente concedidos a terceiros; e
(c) reconhecimento da existência de uma
situação ainda constitucional (situação constitucional imperfeita),
ensejando-se ao Poder Público, em tempo razoável, a edição de lei
restabelecedora do dever de integral obediência ao princípio da igualdade, sob
pena de progressiva inconstitucionalização do ato estatal que, embora
existente, revela-se insuficiente e incompleto." (RMS 21.662-3-DF,
Rel. Ministro Celso de Mello) (
O Pretório Excelso também já se consolidou quanto à possibilidade de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, como se vê da decisão a seguir:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO.
INATIVIDADE DO LEGISLADOR QUANTO AO DEVER DE ELABORAR A LEI COMPLEMENTAR A QUE
SE REFERE O § 4O DO ART. 18 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA REDAÇÃO DADA PELA
EMENDA CONSTITUCIONAL NO 15/1996. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
No mesmo sentido, esse Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei 994.08.0074829:
“ILEGITIMIDADE AD CAUSAM - Ação direta de inconstitucionalidade por omissão - Assembleia Legislativa - Ajuizamento que visa a sanar a ausência de norma específica para a reserva de vagas para deficientes físicos no âmbito do Tribunal de Contas do Estado - Iniciativa de projeto de lei que é privativamente atribuída à Corte de Contas - Legiferação é ato complexo, a responsabilizar, também, o órgão legislativo Legitimidade reconhecida - Preliminar afastada. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - Ação direta de inconstitucionalidade por omissão - E desnecessária a previsão de prazo para o reconhecimento da mora legislativa, bastando que se tenha constatado o decurso de tempo razoável - Preliminar afastada. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - Inexistência de lei que disciplina a reserva de vagas para portadores de deficiência física no âmbito do Tribunal de Contas do Estado - Art. 37, inc. VIII, da CF e art. 115, inc. IX, da CE - Mandamento constitucional cujo atendimento não se submete à discricionariedade da Administração - Regra que há de ser sopesada com os princípios da isonomia, da necessidade de concurso público e da proporcionalidade - Necessidade de regramento específico, em razão da autonomia administrativa e financeira de que goza a Corte de Contas - Fixação de prazo de 12 (doze) meses e estabelecimento da aplicabilidade da LCE n. 683/92, enquanto perdurar a mora legislativa - Omissão reconhecida - Ação procedente”.
Todavia, no caso em tela, não restou configurada a quebra do dever de legislar. A Constituição Federal, no art. 8º, inc. VIII, assegura a associação profissional ou sindical e veda a dispensa do empregado sindicalizado, mas não estabelece direito ao afastamento remunerado:
“É vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei”.
No art.
A regra, todavia, não é extensiva aos servidores municipais, como explica Wellington Pacheco Barros:
“O afastamento do empregado público para desempenho de mandato classista tem previsão expressa na CLT. Como para o servidor público esta licença não se inclui no rol dos direitos constitucionais, deve ter previsão expressa no estatuto do servidor público municipal. Como a administração se rege pelo princípio da legalidade, não havendo lei regulamentando sua concessão, não pode a administração pública concedê-la, sob pena de responsabilização do Prefeito Municipal ou do Presidente da Câmara, dependendo a que poder municipal o servidor esteja vinculado, por improbidade administrativa, crime de responsabilidade ou por infração político-administrativa” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 137).
Opino, assim, pela improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
São Paulo, 24 de julho de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb