Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0092811-62.2012.8.26.0000

Requerente: Associação Paulista de Supermercados (APAS)

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.591, de 28 de março de 2011, de Brotas

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 2.435, de 16 de fevereiro de 2011, de Brotas, que, nos termos da respectiva rubrica, “Dispõe sobre a substituição do uso de sacolas e sacos plásticos convencionais para o acondicionamento de produtos e mercadorias a serem utilizadas nos estabelecimentos comerciais e repartições públicas em todo o território municipal, por sacolas e sacos ecológicos biodegradáveis ou retornáveis”.

2)      Competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI da CR). Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, II, VI e VII). Incumbência do Poder Público, em todas as suas esferas, de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V da CR/88). Defesa do consumidor e do Meio Ambiente como princípios constitucionais da atividade econômica (art. 170, V e VI da CR). Legislação municipal editada para atender ao interesse local, suplementando a legislação da União e do Estado relativa à proteção do meio ambiente (art. 30, I e II da CR).

3)   Parecer no sentido da improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Paulista de Supermercados (APAS), tendo como alvo a Lei Municipal nº 2.435, de 16 de fevereiro de 2011, de Brotas, que, conforme respectiva rubrica, “Dispõe sobre a substituição do uso de sacolas e sacos plásticos convencionais para o acondicionamento de produtos e mercadorias a serem utilizadas nos estabelecimentos comerciais e repartições públicas em todo o território municipal, por sacolas e sacos ecológicos biodegradáveis ou retornáveis”.

Sustenta que foi usurpada a competência do legislador federal e do legislador estadual para a regulamentação de matéria relativa ao consumidor e à defesa do meio ambiente, advindo daí a inconstitucionalidade da lei impugnada. Argumenta, ademais, que o Estado de São Paulo, valendo-se de sua competência suplementar, já editou texto normativo inerente à regulamentação dos resíduos sólidos (Lei Estadual nº 12.300/06), estando vedada ao Município qualquer normatização sobre a matéria. Alude ainda a pacto existente entre o Governo do Estado e a APAS no sentido da eliminação das sacolas descartáveis. Aponta, assim, contrariedade aos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: arts. 5º, 47, II e XI, 152, 193, I, II, IV, XV, XX, XXI e 273.

A liminar foi deferida (fls. 128/129).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado se manifestou pela improcedência da ação direta, sustentando que não é possível observar qualquer afronta da matéria tratada pela lei em tela em face da legislação estadual (fls. 148/152).

A Câmara Municipal apresentou informações (fls. 155 e ss.).

É o relato do essencial.

Não procede o pedido de decretação da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.435, de 16 de fevereiro de 2011, de Brotas.

O argumento utilizado na inicial, em sua essência, é no sentido de que o Município não teria competência para legislar a respeito do tema, tendo usurpado a competência federal e estadual para legislar sobre normas relativas ao consumidor e à defesa do meio ambiente.

É por essa razão que a autora aponta ocorrência de contrariedade ao disposto no art. 152 e no art. 193, XX e XXI, da Constituição do Estado de São Paulo.

Entretanto, com a devida vênia, não há contrariedade com relação a tais dispositivos.

O art. 152, IV, da Constituição Paulista, apenas estabelece, genericamente, que a finalidade da organização regional do Estado é promover “a integração do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região”.

De outro lado, o art. 193 da Carta Paulista, ao tratar, de forma programática, sobre a possibilidade da edição de lei estadual para criação de um “sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle de desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais”, prevê nos incisos I, II, IV, XV, XX e XXI XX e XXI, respectivamente, a finalidade de propor uma política estadual de proteção ao meio ambiente; adotar medidas, nas diferentes áreas de ação pública e junto ao setor privado; realizar periodicamente auditorias nos sistemas de controle de poluição e de atividades potencialmente poluidoras; promover a educação ambiental e a conscientização pública para a preservação, conservação e recuperação do meio ambiente; controlar e fiscalizar obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos que possam causar degradação ambiental, bem ainda realizar o planejamento e o zoneamento ambientais.

Ou seja, trata-se de dispositivos constitucionais que, se por um lado, estimulam a atuação do Estado de São Paulo na proteção do meio ambiente, de outro, não vedam que o Município também o faça.

Não há dúvida em relação à competência administrativa e legislativa do Município para a promoção da defesa do meio ambiente, bem como zelar pela saúde dos munícipes.

Nesse sentido, o art. 23, II, VI, VII, da CR/88 atribui competência concorrente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para, respectivamente: (a) cuidar da saúde; (b) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; e (c) preservar as florestas, a fauna e a flora.

Do mesmo modo, a competência dos Municípios, em temas relacionados ao meio ambiente, pode ser extraída da previsão contida nos incisos I e II do artigo 30 da CR, por força dos quais o legislador municipal pode regular temas de interesse local, e ainda suplementar a legislação federal no que couber.

Nesse mesmo sentido, o art. 225, § 1º, da CR/88 impõe ao Poder Público de forma geral – ou seja, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios – inúmeras diretrizes, todas destinadas à preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre elas está, especialmente, nos termos do inciso V, a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

A importância da proteção ao meio ambiente, como é cediço, é tão intensa, que até mesmo no âmbito da atividade econômica a Constituição da República impõe, como princípios gerais a serem obsequiados, a “defesa do consumidor”, bem como a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, V e VI, da CR/88).

Essa ideia foi assentada pelo Col. STF, em decisão relatada pelo Min. Celso de Mello, quando do julgamento da ADI 3540 MC/DF (j. 01/09/2005, Tribunal Pleno, DJ 03-02-2006), de cuja ementa se extrai o seguinte excerto:

“(...)

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

(...)”

Acrescente-se que a competência do Município para legislar sobre o meio ambiente já foi reconhecida por esse Col. Órgão Especial, como se infere dos precedentes indicados a seguir:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 4.253, de 06.03.2008, do Município de Valinhos – ‘Instituição de compensação às emissões de Gases de Efeitos Estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas que vierem a se instalar no Município’ - Atendimento a peculiar interesse do Município no controle, preservação e recuperação do meio-ambiente - Permissibilidade do art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo - Descabimento de se cogitar infringência à norma da Constituição Federal ou Lei Orgânica do Município na esfera da presente ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (ADIN 164.487-0/9-00, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 04.02.2009).

(...)”

No mesmo sentido, a título de exemplificação, a decisão proferida na ADI 129.132.0/3, rel. des. Jacobina Rabello, j. 21.03.2007, entre outros julgados.

Não se pode, ainda, cogitar de qualquer violação à reserva de competência federal e estadual para legislar sobre matéria relativa ao consumidor, haja vista que a questão está diretamente relacionada à proteção do meio ambiente, cuja dimensão difusa sobrepõe-se a eventual direito do consumidor na obtenção de sacolas plásticas para o transporte de suas mercadorias.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 2.435, de 16 de fevereiro de 2011, de Brotas.

São Paulo, 19 de setembro de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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