Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0101650-76.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal Guarulhos

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 7.031, de 17 de abril de 2012, de Guarulhos

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal Lei Municipal nº 7.031, de 17 de abril de 2012, de Guarulhos, fruto de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre “a instalação do ‘telhado verde’ nos locais que especifica, e dá outras providências”.

2)      Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Lei que cria verdadeiro programa de governo, estabelecendo diretriz que implica significativa alteração na dinâmica da gestão da cidade, conferindo ao Poder Executivo o seu fomento e realização.

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo como alvo a Lei Municipal Lei Municipal nº 7.031, de 17 de abril de 2012, de Guarulhos, fruto de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre “a instalação do ‘telhado verde’ nos locais que especifica, e dá outras providências”.

Sustenta o autor que a iniciativa, nessa matéria, é reservada ao Chefe do Executivo, bem como que houve desrespeito ao princípio da separação de poderes, provocando aumento de despesa sem indicação de receita, bem como que foi violado o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade.

Foi concedida liminar, determinando a suspensão do ato normativo (fls. 41).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa do ato normativo (fls. 49, 51/52).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 54/62).

É o relato do essencial.

A Lei Municipal Lei Municipal nº 7.031, de 17 de abril de 2012, de Guarulhos, fruto de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre “a instalação do ‘telhado verde’ nos locais que especifica, e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Os projetos de construção edificados, residenciais ou não, com mais de 03 (três) unidades agrupadas verticalmente, protocolizados na Prefeitura para aprovação a partir da data de promulgação da presente lei, deverão prever a construção do ‘telhado verde’.

§ 2º. Para fins desta lei, ‘telhado verde’ é uma cobertura de vegetação arquitetada sobre laje de concreto ou cobertura, de modo a melhorar o aspecto paisagístico, diminuir a ilha de calor, absorver o escoamento superficial, reduzir a demanda de ar condicionado e melhorar o microclima com a transformação do dióxido de carbono (CO2) em Oxigênio (O2) pela fotossíntese.

§ 3º. O ‘telhado verde’ poderá ter vegetação extensiva ou intensiva, de preferência nativa, e deve resistir ao clima tropical e as (sic) variações de temperatura, além de usar pouca água, de modo a não servir de habitat de mosquitos como o Aedes aegypti.

Art. 2º. A composição do ‘telhado verde’ será discriminada pelo Executivo através de Decreto Municipal.

Art. 3º. A área destinada pelas construções edificadas ao ‘telhado verde’ será similar às características de área permeável, visto que as mesma condições são inviáveis, já que área permeável é aquela em que a água penetra e contribui para a recarga do aquífero.

Art. 4º. Para a consecução do ‘telhado verde’, o Poder Executivo promoverá cursos e palestras para a divulgação das técnicas imprescindíveis à realização do projeto, como estrutural, tipos de vegetação, e substrato, de acordo com as condições orçamentárias existentes.

Art. 5º. Ulterior disposição regulamentar desta lei definirá o detalhamento de sua execução.

Art. 6º. As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias.

Art. 7º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

 (...)”

Em que pese a boa intenção que certamente animou a iniciativa parlamentar, o ato normativo impugnado revela-se invasivo da esfera da gestão administrativa, inerente à atividade típica do Poder Executivo.

A lei em exame criou verdadeiro programa de governo, ou seja, diretriz a partir da qual, na cidade de Guarulhos, passa a ser impositiva a adoção dos chamados “telhados verdes”, a ser fomentada pela Administração Municipal, impondo considerável modificação na dinâmica do modo de gestão da cidade no que toca ao referido tema.

Desse modo, a lei de iniciativa parlamentar configura verdadeiro ato administrativo, sendo apenas “formalmente” ato legislativo. Não é necessário que a lei autorize ou determine ao Poder Executivo fazer aquilo que, naturalmente, encontra-se dentro de sua esfera de decisão e ação. Também não é admissível que assuma o legislador o papel do Chefe do Executivo, escolhendo e determinando a implantação de programas de governo.

Em outras palavras se a lei, fora das hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da Administração Pública, isso significa invasão da esfera de competências do Poder Executivo por ato do Legislativo, configurando-se claramente a violação do princípio da separação de poderes.

Criar determinado programa governamental, ou determinar providências singelas inseridas no âmbito da atividade administrativa – precisamente o que se verifica na hipótese em exame - é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.

E mais: ainda que fosse o ato normativo oriundo de iniciativa do Chefe do Executivo, seria inconstitucional.

A razão é simples: o Chefe do Executivo não necessita de autorização legislativa para fazer aquilo que está na esfera de sua competência constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura hipótese de delegação inversa de poderes, vedada pelo art. 5º, § 1º da Constituição Paulista.

         Em síntese, cabe nitidamente ao administrador público, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o célebre ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração – e é isso o que ocorre quando a lei cria programa de governo - viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.

Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade e aos limites da adoção da regra da separação.

Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente, não admitindo interpretações que signifiquem, na prática, interferência de um poder na esfera de atuação ontologicamente relacionada ao outro.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 7.031, de 17 de abril de 2012, de Guarulhos.

São Paulo, 8 de agosto de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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