Parecer
Processo n. 0101651-61.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Guarulhos
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade.
Lei n. 7.033/12 do Município de Guarulhos. Preliminar de falta de capacidade
postulatória. Posturas municipais.
Higiene. Lavagem prévia de laranjas para produção de sucos por extrusão em
máquinas automáticas. Polícia administrativa.
Iniciativa parlamentar. Inexistência de violação aos princípios da
separação de poderes, da razoabilidade e da proporcionalidade, ou de ofensa às
regras financeiro-orçamentárias. Improcedência da ação. 1. Na ação
direta de inconstitucionalidade, legitimado ativo é o Prefeito do Município
(art. 90, II, CE) e considerando a envergadura política dessa legitimidade
ativa ad causam, englobante da capacidade
postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por
causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo,
subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma
isolada, tão somente pelo procurador. 2.
A disciplina de matéria atinente à polícia administrativa, com sanções
administrativas, como é o comércio, não constitui assunto da reserva de
iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, pois, não há regra
explícita a respeito, e nem está arrolada na reserva da Administração. 3. Reserva de iniciativa legislativa
do Chefe do Poder Executivo que não se presume por ser direito estrito,
exigindo explícita previsão normativa sobre o assunto. 4. Inexistência de violação aos arts. 25, 174 e
176 da Constituição Estadual, porque não foi imposta obrigação ao poder
público, senão ao particular, além de haver na lei fonte de recursos próprios. 5. Ato normativo impugnado que não demonstra
irracionalidade, excesso ou tratamento desigualitário, com sanções descritas de
maneira adequada, não servindo argumentar que o assunto foi melhor
tratado em outra lei municipal, sob pena de instaurar-se contraste de lei
municipal em face de lei municipal, insuscetível à luz do art. 125, § 2º, CF. 6. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
contestando a Lei n. 7.033, de 17 de abril de 2012, do Município de Guarulhos,
de iniciativa parlamentar, que condiciona o comércio de sucos por extrusão, em
máquinas automáticas, à prévia lavagem das laranjas sob alegação de violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 1
e 2, 25, 47, II e XIV, 111, 144, 174, XVII, e 176, I, da Constituição Estadual (fls. 02/23).
2. A liminar não foi concedida (fl. 68), a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo objurgado
(fls. 77/79) e as informações foram prestadas (fls. 81/88).
3. É o
relatório.
4. Preliminarmente,
a petição inicial é
subscrita apenas por douto Procurador do Município (fl. 23).
5. A legitimidade ativa
pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem
como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:
“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.
2. Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.
3. É a síntese do necessário.
4. Decido.
5. Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.
6. A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.
7. Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.
8. O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).
9. Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.
10. No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.
11. Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).
6. Consoante
explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a
VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar
no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva
Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle
concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva,
2007, 2ª ed., p. 246).
7. Logo,
considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade
postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por
causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo,
subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma
isolada, tão somente pelo procurador.
8. Ademais,
há decisão registrando que:
“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).
9. Esse
entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.
10.
Assim sendo, opino,
preliminarmente, pela intimação do autor para regularização e subscrição da
petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já,
nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito, acompanhando
os termos de respeitável decisão monocrática da lavra do eminente Desembargador
Artur Marques (ADI 990-10-477.578-7).
11. A matéria objeto da lei impugnada é
típico assunto da polícia administrativa e constitui tema da iniciativa
legislativa comum ou concorrente.
12. Em se tratando de processo
legislativo é princípio que as normas do modelo
federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas
federativas. Neste sentido:
“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
13. Regra é a iniciativa legislativa
pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a
atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que,
por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às
hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição
salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
14.
Fixadas estas premissas, as
reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos
públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente
na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam
reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema
Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As hipóteses de limitação da
iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus
clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao
funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a
servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
“A disciplina jurídica do
processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois
residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o
procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao
exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo
legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que
esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente
constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da
própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em
conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito
positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao
Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa”
(STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u.,
DJ 07-12-2006, p. 36).
15. Como desdobramento
particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição
Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º,
iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na
órbita municipal por obra de seu art. 144). Não se verifica nesse preceito
reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira expressa ao objeto da
lei impugnada.
16. Tampouco o assunto se insere no
art. 47 que institui a competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O
dispositivo, que consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo -
traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a
denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada
exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo – não absorve matéria de
polícia administrativa.
17. Aliás, colhe-se da jurisprudência
da Suprema Corte que a matéria respeitante à polícia administrativa em geral é
da iniciativa legislativa concorrente:
“Recurso
extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal,
dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da
Constituição Federal, da competência dos Municípios. 2.
Inexiste norma que confira a Chefe do Poder Executivo municipal a exclusividade
de iniciativa relativamente à matéria objeto do diploma legal impugnado.
Matéria de competência concorrente. Inexistência de invasão da esfera de
atribuições do Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido”
(STF, RE 218.110-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 02-04-2002, v.u., DJ
17-05-2002, p. 73).
18. Não há como merecer amparo a
arguição de ofensa aos art. 25, 174 e 176 da Constituição Estadual.
19. A lei prescreve obrigação, sob pena
de sanções administrativas, ao particular, não se podendo cogitar que do
exercício de sua execução e fiscalização derivem despesas novas sem cobertura
financeiro-orçamentária, pois, o comércio urbano já é absorvido pela polícia
administrativa preexistente. Ademais, a discussão desse tópico introduz na lide
o debate sobre matéria dependente de fato e de prova, insuscetível na via
estreita do controle concentrado de constitucionalidade e, para além, o art. 4º
da lei local impugnada prevê recursos específicos para sua execução.
20. É verdadeiro sofisma a alegação de
que toda e qualquer lei que gere despesa só possa advir de projeto de autoria
do Executivo. O Supremo Tribunal Federal tem estimado que:
“não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
21. É que diferentemente do
ordenamento constitucional anterior, “não havendo mais a expressa disposição no
texto constitucional de que é iniciativa privativa do Presidente da República
as leis que disponham sobre matéria financeira, tal reserva não mais subsiste,
não sendo cabível interpretação ampliativa na hipótese, conforme entende
inclusive nossa Suprema Corte”, como assinala José Maurício Conti ao comentar a
inexistência de reserva de iniciativa para leis que criam ou aumentam despesa
pública (Iniciativa legislativa em matéria financeira, in Orçamentos Públicos e Direito Financeiro,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, pp. 283-307, coordenação José Maurício
Conti e Fernando Facury Scaff).
22. Neste sentido há decisão deste
egrégio Órgão Especial (ADI 0188.878-26-2011-8-26.0000, Rel. Des. Guilherme G.
Strenger, 01-02-2012, v.u.).
23. Não se vislumbra, por derradeiro,
ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
24. O ato normativo impugnado não
demonstra irracionalidade, excesso ou tratamento desigualitário.
25. As sanções são descritas de maneira
adequada e não serve a esse pretexto argumentar-se que o assunto foi melhor tratado em outra lei municipal, sob pena de
instaurar-se contraste de lei municipal em face de lei municipal, insuscetível
à luz do art. 125, § 2º, da Constituição Federal.
26. Opino pela intimação do autor para regularização e subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, e, no mérito, pela improcedência da ação.
São Paulo, 08 de agosto de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj