Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Autos nº 0101654-16.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Guarulhos
Objeto: Lei Municipal n. 7.030, de 17 de abril de 2012,
de Guarulhos
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal n. 7.030, de 17 de abril de
2012, de Guarulhos, de iniciativa parlamentar, que altera a Lei n. 3.573,
de 03 de janeiro de 1990, que trata do Código de Posturas Municipais do
Município, especificamente a fim de proibir a qualquer cidadão jogar lixo nos logradouros
públicos nos limites do Município de Guarulhos, sob pena de aplicação de multa
(art. 164-A e §§).
2) Não ocorrência de violação da separação de poderes
(art. 2º da CR). A fiscalização quanto ao cumprimento das leis é inerente ao
Poder de Polícia exercido pela Administração Pública. Entendimento diverso,
levado às últimas consequências, esvaziaria por completo a iniciativa do Poder
Legislativo para o processo de formação das leis, contrariando o art. 61da CR.
3) Pedido de declaração de inconstitucionalidade com
fundamento no art. 25 da Constituição do Estado. Hipótese em que o alegado
aumento de despesa, caso ocorra, não decorrerá diretamente da lei. Questão de
fato. Inviabilidade de exame em sede de ação direta, sob pena de contrariedade
aos limites impostos ao processo objetivo no plano estadual, por força do art.
125, § 2º, da CR.
4) Parecer pela improcedência
da ação direta.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta
pelo Senhor Prefeito Municipal de Atibaia, tendo como alvo a Lei
Municipal n. 7.030, de 17 de abril de 2012, de Guarulhos, de iniciativa parlamentar, que altera a Lei n.
3.573, de 03 de janeiro de 1990, que trata do Código de Posturas Municipais do
Município, especificamente a fim de proibir a qualquer cidadão jogar lixo nos
logradouros públicos nos limites do Município de Guarulhos, sob pena de
aplicação de multa (art. 164-A).
Alega o autor a inconstitucionalidade formal
por vício de iniciativa, uma vez que o legislador imiscuiu-se na prática de
atos de administração, em afronta à prerrogativa de auto-organização do Poder
Executivo Municipal. Sustenta, também, inconstitucionalidade material, por
violação ao princípio da separação dos poderes.
Foi
determinada, liminarmente, a suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 41/42).
A Procuradoria-Geral de Justiça declinou da intervenção no feito (fls. 52/53). A
Câmara Municipal prestou informações (fls. 55/62). É o relato do essencial.
A ação
deverá ser julgada improcedente.
Em outras palavras, a lei impugnada apenas aperfeiçoou
aspectos relacionados ao exercício do Poder de Polícia, especificamente quanto
à proibição a qualquer cidadão jogar lixo nos
logradouros públicos nos limites do Município de Guarulhos, sob pena de
aplicação de multa (art. 164-A).
Mas não é
só.
Resta
analisar se existe a inconstitucionalidade apontada na inicial, consubstanciada
na alegada ofensa à iniciativa privativa do Chefe do Executivo, na falta de
indicação de receitas, e no desrespeito ao princípio da legalidade, assinalados
nos artigos 5º, 25, 111 e 144 da Constituição Paulista.
Em que pese
nosso respeito pelo entendimento adotado pelo autor, a norma impugnada não é inconstitucional, e caso seja julgada procedente a ação direta, isso significará contrariedade aos art. 2º, 61,
37, e 125, § 2º, da Constituição da República, pelos motivos expostos a
seguir.
Para a
construção de toda a argumentação contida na inicial o autor parte da premissa,
mais ou menos explícita, de que na fiscalização e na aplicação da lei o
Município deverá aparelhar melhor seus órgãos de fiscalização.
Em outras
palavras, deixa entrever que na aplicação
da lei, indiretamente, poderá ocorrer o aumento de despesas
para as quais a lei não indica receitas, pois deverá ser criado órgão de fiscalização, ou haverá alteração na estrutura ou rotina de trabalho dos órgãos de
municipais de controle já existentes.
Com a devida
vênia, se esse raciocínio estiver correto, doravante restará completamente
eliminada a iniciativa legislativa parlamentar.
Isso, na
medida em que, como toda lei editada
pelo Poder Legislativo exige fiscalização (inerente ao Poder de Polícia da Administração Pública), chegar-se-á
à conclusão de que sempre,
inexoravelmente, a iniciativa do processo de formação das leis deve partir do
Poder Executivo.
Esse
raciocínio, ao esvaziar a iniciativa parlamentar para o processo de formação
das leis, contraria o art. 61 da Constituição da República (que
é reproduzido pelo art. 24 da Constituição Paulista), bem como contraria o art. 2º da Constituição da
República (que é reproduzido pelo art. 5º da Constituição Estadual).
O equívoco
dessa construção, com absoluto respeito, fala por si mesmo.
O
entendimento pacificado há muito no âmbito do Col. STF, intérprete último da
Constituição, é de que reserva de iniciativa é matéria de direito estrito e não
pode ser interpretada extensiva ou analogicamente.
E a situação
tratada nestes autos não se encaixa em nenhuma das hipóteses taxativamente
tipificadas, de reserva de iniciativa do Poder Executivo, previstas no art. 61,
§ 1º, da CR (reproduzidas no art. 24, § 2º, da Constituição Paulista),
aplicáveis, por força do princípio da simetria, ao processo legislativo
estadual ou municipal.
Confira-se o
precedente a seguir transcrito, aplicável ao caso em exame mutatis mutandis:
“(...)
iniciativa reservada, por constituir
matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação
ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do
processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional
explícita e inequívoca. O
ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios
jurídicos de ordem fiscal, não se equipara,
especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo,
ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado. (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de
Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-
(...)”
Assim, se
não há regra expressa prevendo reserva de iniciativa do Chefe do Executivo,
afirmar que ela existe significa contrariar
o art. 61, da CR, que estabelece a iniciativa de parlamentares para o
processo de formação das leis e os casos limitados de reserva de iniciativa do
Chefe do Executivo, bem como contrariar
o art. 2º da CR, dando ao princípio da separação de poderes alcance que ele
não tem.
Mas não é
só.
Observe-se
que a lei não cria diretamente órgão
administrativo para fins de fiscalização, nem estabelece rotina para o
controle, por parte do Poder Público local, quanto ao seu cumprimento.
Dessa forma,
saber se haverá ou não aumento de
despesa sem previsão de receita, para fins de aplicação do art. 25 da
Constituição do Estado de São Paulo, é uma questão
de fato.
Mais ainda é
possível afirmar.
Saber se
haverá ou não aumento de despesa sem previsão de receita, é, em verdade, uma conjectura relativamente aos fatos. Mas
o exame de questões de fato (ou de
conjecturas relativamente aos fatos) é vedado
em sede de ação direta de inconstitucionalidade.
Isso, porque
o art. 125, § 2º, da CR apenas
autoriza o constituinte estadual a instituir “representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em
face da Constituição Estadual”. Em outras palavras, por força do art. 125, § 2º, da CR, é legitimada a
previsão na Constituição do Estado da ação direta de inconstitucionalidade
estadual, por força da qual o Tribunal de Justiça pode examinar a
compatibilidade entre leis locais e a Carta Estadual.
A Constituição da República não autorizou,
entretanto, que para examinar a
inconstitucionalidade de leis locais no processo objetivo, o Tribunal de Justiça examine questões de
fato. Aliás, nem ao Col. STF foi
concedida tal autorização, pois o que a Constituição permite à Suprema Corte,
no art. 102, I, a, é que seja examinada, apenas, a
“inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação
declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.
A
Constituição da República, por meio de tais dispositivos, criou mecanismos de
controle abstrato, e não concreto, sobre a constitucionalidade das leis. Daí o entendimento
absolutamente pacífico no sentido de que, no processo objetivo, a cognição
da Corte está limitada ao confronto
direto entre a lei e a norma constitucional indicada como parâmetro de controle, sendo inviável estender esse exame à análise de inconstitucionalidades
reflexas ou às questões de fato.
Confira-se,
no Col. STF:
“(...)
A Constituição da República, em tema de ação
direta, qualifica-se como o único instrumento normativo revestido de
parametricidade, para efeito de fiscalização abstrata de constitucionalidade
perante o STF. (...). O controle normativo abstrato, para efeito de sua valida
instauração, supõe a ocorrência de situação de litigiosidade constitucional que reclama a existência de uma necessária
relação de confronto imediato entre o ato estatal de menor positividade
jurídica e o texto da CF. Revelar-se-á processualmente
inviável a utilização da ação direta, quando a situação de
inconstitucionalidade – que sempre deve transparecer imediatamente do conteúdo
material do ato normativo impugnado – depender, para efeito de seu
reconhecimento, do prévio exame comparativo entre a regra estatal questionada e
qualquer outra espécie jurídica de natureza infraconstitucional (...) (ADI
1.347-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 5-10-1995, Plenário, DJ de
1º-12-1995). No mesmo sentido: ADPF 93-AgR, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, julgamento em 20-5-2009, Plenário, DJE de 7-8-2009; ADI
3.376, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-6-2005, Plenário, DJ de 23-6-2006.
(g.n.)
(...)”
Em síntese,
a lei não contraria dispositivos da Constituição do Estado e não é correta, em
nosso sentir, a afirmação de que há inconstitucionalidade em seu texto. Assim,
considerando que nada há no ato normativo indicando, diretamente, a criação de
órgãos ou cargos públicos, ou mesmo a modificação de rotinas de fiscalização,
caso seja declarada a inconstitucionalidade da lei com base em mera
possibilidade de projeção concreta quanto aos fatos (suposição de aumento de
despesas), isso significará contrariedade
ao art. 125, § 2º, da CR.
Diante do exposto, nosso parecer é pela rejeição da ação
direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal n. 7.030, de 17 de abril de 2012, de Guarulhos, de
iniciativa parlamentar, que altera a
Lei n. 3.573, de 03 de janeiro de 1990, que trata do Código de Posturas
Municipais do Município, especificamente a fim de proibir a qualquer cidadão
jogar lixo nos logradouros públicos nos limites do Município de Guarulhos, sob
pena de aplicação de multa (art. 164-A e §§).
São Paulo, 26 de julho de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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