Parecer
Processo n. 0102579-12.2012-8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Taboão da
Serra
Requerida: Presidente da Câmara Municipal de Taboão
da Serra
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 2.110/12 do Município de Taboão da Serra. Iniciativa parlamentar. Criação do projeto de moradias sociais de aproveitamento de sobras de materiais de construção e demolição. Legitimidade passiva. Política pública. Iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Reserva da Administração. Inexistência de recursos próprios. Ação procedente. 1. A legitimidade passiva do Presidente da Câmara Municipal observa o art. 6º da Lei n. 9.868/99. 2. Pertence exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa sobre política pública, projeto ou programa governamental, que atribui funções ao Poder Executivo, matéria também inserida na denominada reserva da Administração. 3. Violação dos arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, e 47, II, XIX e XIX, a, da Constituição Estadual. 4. Ação procedente.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade contestando
a Lei n. 2110, de 03 de abril de 2012, de iniciativa parlamentar, que cria o
projeto moradias sociais de aproveitamento de sobras de materiais de construção
e de demolição, sob alegação de violação aos
arts. 5º, 25, 47, II, e 144, da Constituição do Estado (fls. 02/13).
2. Aditada a petição inicial (fl. 24), foi concedida
liminar (fl. 25) e foram prestadas informações com preliminar de ilegitimidade
passiva (fls. 31/35).
3. É o
relatório.
4. A preliminar de ilegitimidade passiva não procede
porque observado o art. 6º da Lei n. 9.868/99.
5. Pertence
exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa sobre
política pública, projeto ou programa governamental, que atribui funções ao
Poder Executivo, matéria também inserida na denominada reserva da Administração,
nos termos dos arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, e 47, II, XIX e XIX, a, da Constituição Estadual.
6. É ponto pacífico que “as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem
respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos
Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
7. Como desdobramento particularizado do
princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a
Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2,
iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na
órbita municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das
Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto
no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos
órgãos da Administração Pública direta.
8. Também prevê no art. 47
(aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa
do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do
Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração
e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam
matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
9. A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a
prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da
administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou
extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez,
os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o
exercício da direção superior da administração e a prática dos demais atos de
administração, nos limites da competência do Poder Executivo.
10. A inconstitucionalidade transparece
exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos
da Constituição Estadual.
11. Pois, ao instituir programa, de um
lado, ela viola o art. 47, II, XIV e XIX, a,
no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização
e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva
da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2,
na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja iniciativa
legislativa lhe é reservada.
12. Neste sentido, a jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE
ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE.
COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.
I. - É de iniciativa do Chefe do Poder
Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição
de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.
II. - As regras do processo legislativo
federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas
de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes do STF.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos
Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (TJSP, ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009).
13. E
invade a denominada reserva de Administração, consoante já decidido:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
14. Por derradeiro, há ofensa à regra
que condiciona o estabelecimento de nova despesa pública à cobertura
financeiro-orçamentária (art. 25 da Constituição Estadual), pois, a lei não
indica a fonte orçamentária específica para o programa instituído, não servindo
a tanto cláusula genérica de que as despesas dele decorrentes serão suportadas
por verbas orçamentárias próprias ou consignadas no orçamento vigente.
10. Opino pela
procedência da ação por violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, e 47, II, XIV e
XIX, a, da Constituição Estadual.
São
Paulo, 10 de agosto de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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