Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0109344-96.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Andradina

Objeto: Lei nº 2.726, de 19 de abril de 2011, do Município de Andradina

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, em face da Lei nº 2.726, de 19 de abril de 2011, do Município de Andradina, que “dispõe sobre a instalação de equipamento eliminador de ar na tubulação do sistema de abastecimento de água e dá outras providências”. Projeto de Vereador. Vício de iniciativa, que macula o processo legislativo, vez que cabe exclusivamente ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que regulam o serviço público. Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Andradina, tendo por objeto a Lei nº 2.726, de 19 de abril de 2011, do Município de Andradina, que “dispõe sobre a instalação de equipamento eliminador de ar na tubulação do sistema de abastecimento de água e dá outras providências”.

A lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 99).

O Presidente da Câmara Municipal de Andradina prestou informações (fls. 106/110).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 138/140).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A ação é procedente.

A Lei Municipal n. 2.276, de 19 de abril de 2011, cujo projeto foi de iniciativa parlamentar, “dispõe sobre a instalação de equipamento eliminador de ar na tubulação do sistema de abastecimento de água e dá outras providências”.

Estabelece que “a empresa concessionária que explorará o serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário no município de Andradina instalará, por solicitação de qualquer consumidor, equipamento eliminador de ar na tubulação que antecede o hidrômetro de seu imóvel”. Também prevê a sanção para o descumprimento da citada obrigação.

Cuida-se, como se vê, de norma que impõe à autarquia municipal concessionária do serviço de água e esgoto obrigação relativa à forma de prestar o serviço público, ao exigir que, às suas expensas, instale dispositivo para retirar o ar da tubulação acoplada aos hidrômetros das unidades consumidoras.

A inicial esposa a tese de que a lei deveria decorrer de projeto do chefe do Poder Executivo.

E, de fato, esse argumento procede.

Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas aquelas não reservadas pela Constituição Federal (arts. 61, § 1º, e 165) à iniciativa do prefeito.

São de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo, portanto, “os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 620).

Na dicção desse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN nº 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

O desrespeito às normas do processo legislativo, incluindo a infração ao ato que o deflagra (a iniciativa), conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo difuso ou concentrado por parte do Poder Judiciário.

A lei impugnada originou-se, como deflui dos autos, de projeto de autoria do vereador, o que se constitui em evidente ofensa ao princípio constitucional da separação dos Poderes, vez que cabe exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo projetar a normatização destinada a organizar, superintender e dirigir os serviços públicos.

Desta feita, em que pesem os elevados propósitos[1] que inspiraram o Parlamentar, “não é dado aos vereadores resolver todos os assuntos por meio de lei. A Câmara Municipal somente pode estabelecer programas gerais, com base na Constituição se não criar atribuições para órgãos públicos ou determinar seu modo de execução, incumbências do Prefeito Municipal” (ADIN nº 104.747-0/7, rel. Des. Denser de Sá, DJ de 10.03.04).

Invadiu-se, portanto, a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando-se a prerrogativa deste em analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

No panorama dos autos, divisa-se, como solução, a declaração de inconstitucionalidade, pois,

“Se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito municipal brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade 2.726, de 19 de abril de 2011, do Município de Andradina.

São Paulo, 30 de julho de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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[1] Existe uma crença de que os equipamentos eliminadores de ar nas canalizações impedem que os hidrômetros registrem a passagem de ar como consumo de água.  Ensaios técnicos, entretanto, sugerem que a instalação dos referidos dispositivos não traz benefícios sensíveis aos consumidores e podem, em algumas hipóteses, contribuir para a contaminação da água. (Conf. Nota Técnica “Avaliação da eficácia e da possibilidade da contaminação da água em eliminadores de ar fabricados em polipropileno, quando instalados em cavaletes de ligações de água potável – estudo de caso: Juiz de Fora/MG”, disponível em <http://www.scielo.br/pdf/esa/v9n3/v9n3a03.pdf>. Acesso em 26 set. 2011).