Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0118418-77.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Itapecerica da Serra

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Leis n. 1.522, de 21 de junho de 2004, e n. 2.254, de 04 de maio de 2012, do Município de Itapecerica da Serra. Falta de capacidade postulatória isolada dos Procuradores municipais. Irregularidade sanável. Diligência alvitrada. Inépcia parcial da petição inicial. Falta de juntada de cópia da Lei n. 1.522/04. Obrigatoriedade da realização de concursos públicos aos domingos. Violação do princípio da separação de poderes. Invasão da reserva da Administração. Ofensa aos princípios de eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, igualdade e impessoalidade. Procedência da ação. 1. Na ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, legitimado ativo é o Prefeito do Município (art. 90, II, CE/89) e considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo procurador municipal. 2. É inepta petição inicial de ação direta de inconstitucionalidade que não se faz acompanhar de cópia da lei impugnada (art. 3º, parágrafo único, Lei n. 9.868/99). 3. Inépcia em relação à Lei n. 1.522/04. 4. Viola a separação de poderes lei, de iniciativa parlamentar, que obriga à realização de concurso público aos domingos, por invasão à reserva da Administração outorgada para o Chefe do Poder Executivo, sem intromissão do Poder Legislativo, dispor sobre a organização e o funcionamento das entidades e dos órgãos da Administração Pública (arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, CE/89). 5. É do domínio exclusivo do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe a direção e a gestão da Administração Pública e de seus atos ordinários, a escolha segundo critérios de conveniência e de oportunidade do interesse público afinados às normas constitucionais centrais ou radiais das datas propícias para exames, provas e fases de concurso público destinados ao recrutamento de servidores públicos. 6. A reserva de data específica dentre os dias da semana para a realização de concurso público – no caso, o domingo - se é medida que facilita o acesso de integrantes de religiões sabáticas em contrapartida cria obstáculos a outros de diferentes credos de guarda dominical, podendo até resvalar para comportamentos antirrepublicanos vedados pelo art. 19, I, CF/88 e, mormente, contrastar valores caros ao Estado Democrático de Direito como a laicidade estatal e a diversidade religiosa (art. 5º, VI a VIII, CF/88), aplicáveis na órbita dos Municípios por força da remissão aos preceitos da CF/88 no art. 144 da CE/89. 7. Violação da eficiência, igualdade, razoabilidade, proporcionalidade e impessoalidade. 8. Procedência da ação.

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando as Leis n. 1.522, de 21 de junho de 2004, e n. 2.254, de 04 de maio de 2012, do Município de Itapecerica da Serra, sob alegação de incompatibilidade com os arts. 5º, 47, V, XI e XIV, 111, da Constituição Estadual (fls. 02/16) e a Lei Orgânica do Município.

2.                A liminar foi indeferida (fl. 30), o douto Procurador-Geral do Estado se absteve da defesa da norma impugnada (fls. 38/39) e as informações foram prestadas (fls. 42/44).

3.                É o relatório.

4.                A petição inicial é subscrita apenas por doutos Procuradores Municipais (fl. 16).

5.                A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

2.      Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3.      É a síntese do necessário.

4.      Decido.

5.        Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6.      A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7.      Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8.      O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9.     Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

10.     No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

11.     Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

6.                Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

7.                Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo advogado público.

8.                Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

9.                Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

10.              Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para regularização da representação processual e subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito, acompanhando os termos de respeitável decisão monocrática da lavra do eminente Desembargador Artur Marques (ADI 990-10-477.578-7).

11.              A petição inicial veio acompanhada de cópia da Lei n. 2.254/12 e de seu processo legislativo (fls. 20/29), estando carente de cópia da Lei n. 1.522/04 que também é objeto do pedido de declaração de inconstitucionalidade, como se percebe da vestibular (fls. 02, 06, 16). A falha não foi sanada com a prestação das informações.

12.              É inepta petição inicial de ação direta de inconstitucionalidade que não se faz acompanhar de cópia da lei impugnada, ex vi do art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 9.868/99.

13.              Portanto, deve ser decretada a inépcia parcial da ação em relação à Lei n. 1.522/04.

14.              Sob o pálio do art. 125, § 2º, da Constituição Federal, o controle abstrato, concentrado, direto e objetivo de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual cujo art. 144, aliás, determina sua aplicação no âmbito dos Municípios.

15.              Destarte, não pode ser conhecida a ação no tocante à violação à Lei Orgânica do Município.

16.              As leis municipais impugnadas obrigam à Administração Pública à realização de concursos públicos aos domingos, tendo a segunda delas, pelo que se infere do processo legislativo (fl. 48), explicitado que essa opção normativa tem o propósito de garantir a participação a maior quantidade de concorrentes e de pessoas que guardam o sábado por convicção religiosa (adventistas).

17.               Viola o princípio da separação de poderes constante do art. 5º da Constituição do Estado – que reproduz o art. 2º da Constituição da República – a disciplina, por lei de iniciativa parlamentar, de matéria atinente à organização e ao funcionamento das entidades e dos órgãos da Administração Pública e que é da reserva da Administração, círculo de atribuições consistente na emissão de atos normativos pelo Chefe do Poder Executivo em assuntos de sua competência sem intromissão do Poder Legislativo, e que encontra suporte no art. 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual, que reproduz o disposto no art. 84, II e VI, a, da Constituição Federal, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.

18.              Com efeito, é do domínio exclusivo do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe a direção e a gestão da Administração Pública e de seus atos ordinários, a escolha segundo critérios de conveniência e de oportunidade do interesse público afinados às normas constitucionais centrais ou radiais das datas propícias para exames, provas e fases de concurso público destinados ao recrutamento de servidores públicos.

19.              Acrescento que a norma ainda vulnera o princípio da eficiência, contido no art. 111 da Constituição do Estado que reproduz o art. 37 da Constituição da República, por restringir a Administração Pública na realização de atividade que deve balizar-se pela otimização de meios e resultados, bem como por introduzir preferências subjetivas pessoais que não são sedimentadas em critérios razoáveis ou proporcionais, como já exposto.

20.              Por isso, compromete a impessoalidade, a razoabilidade, a proporcionalidade e a igualdade também referidas nesses parâmetros.

21.              A reserva de data específica dentre os dias da semana para a realização de concurso público – no caso, o domingo - se é medida que facilita o acesso de integrantes de religiões sabáticas (adventistas, judeus), em contrapartida cria obstáculos a outros, de diferentes credos de guarda dominical, podendo até resvalar para comportamentos antirrepublicanos vedados pelo art. 19, I, da Constituição Federal e, mormente, para contraste aos valores caros ao Estado Democrático de Direito como a laicidade estatal e a diversidade religiosa (art. 5º, VI a VIII, Constituição Federal), aplicáveis na órbita dos Municípios por força da remissão aos preceitos da Constituição Federal no art. 144 da Constituição Estadual.

22.               Neste sentido, há precedente no Supremo Tribunal Federal:

“Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. 2. Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em data alternativa ao Shabat 3. Alegação de inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação. 4. Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídico-administrativa. 5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o principio da isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso 6. Decisão da Presidência, proferida em sede de contracautela, sob a ótica dos riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem pública 7. Pendência de julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714, nas quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade. 8. Agravo Regimental conhecido e não provido” (RTJ 215/165).

23.              Tendo em vista que a Lei n. 2.254/12 é mera explicitação dos fins da Lei n. 1.522/04, como se captou, a solução que se ajusta é a decretação da inconstitucionalidade por arrastamento do segundo diploma legal a evitar sua repristinação nociva que manteria a situação de inconstitucionalidade.

24.              Opino, preliminarmente, pela intimação do autor para regularização do mandato e subscrição da petição inicial, sob pena de indeferimento, e pela inépcia da petição inicial em relação à Lei n. 1.522/04, e, no mérito, pela procedência da ação por incompatibilidade da Lei n. 2.254/12 e, por arrastamento, da Lei n. 1.522/04, do Município de Itapecerica da Serra, com os arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a, e 111, da Constituição Estadual.  

                   São Paulo, 2 de outubro de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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