Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0118575-50.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Bastos

Objeto: Lei nº 2.405, de 23 de maio de 2012, do Município de Bastos

 

 

 

 

 

Ementa:

1) Ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei nº 2.405, de 23 de maio de 2012, do Município de Bastos que Dispõe sobre a reserva de imóveis em programas de lotes urbanizados no Município de Bastos para as famílias que possuam pessoas portadoras de deficiências, com necessidades especiais, idosas, que ocupam áreas de risco e de servidor municipal, e dá outras providências.

2) Matéria tipicamente administrativa. Iniciativa parlamentar. Invasão da esfera da gestão administrativa, reservada ao Poder Executivo Municipal. Violação ao princípio da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição do Estado).

3) Procedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de ação proposta pela Prefeita do Município de Bastos, que visa à declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.405, de 23 de maio de 2012, que Dispõe sobre a reserva de imóveis em programas de lotes urbanizados no Município de Bastos para as famílias que possuam pessoas portadoras de deficiências, com necessidades especiais, idosas, que ocupam áreas de risco e de servidor municipal, e dá outras providências.

Sustenta a autora que a lei afronta os art. 5º, 24, § 2º, 1 e 2 e art. 144, da Constituição Estadual, por conter vício de iniciativa, uma vez que representa ato de gestão administrativa de atribuição exclusiva do Prefeito Municipal, afrontando o princípio da independência e harmonia entre os poderes.

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade dos atos normativos impugnados (fls. 160/164).

Citado para os fins do art. 90, § 2º, da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador-Geral do Estado manifestou não haver interesse na defesa do ato impugnado por tratar de matéria exclusivamente local (fls. 157/158).

É a síntese do que consta nos autos.

O pedido deve ser julgado procedente.

O ato normativo ora impugnado viola o princípio da separação de poderes, previsto no art. 5º, e art. 47, II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

Cabe exclusivamente ao Poder Executivo a criação ou instituição de programas, nas diversas áreas de gestão, envolvendo os órgãos da Administração Pública Municipal e a própria população.

Assim, quando o Poder Legislativo edita lei estabelecendo regras em programas habitacionais no Município, como ocorre, no caso em exame, em que se determina reserva de 10% de unidades habitacionais ou lotes urbanizados a determinadas classes de pessoas, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

Observa-se que o Poder Legislativo não se limitou a estabelecer uma reserva de lotes urbanizados, mas disciplinou de forma específica para cada classe priorizada os requisitos para ter direito à referida quota.

 Assim, quando o Poder Legislativo do Município edita lei estabelecendo regras em programas a serem implantados pelo Poder Executivo, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

A criação e implantação de programas habitacionais em benefício da população é atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e em geral prescinde de lei.

O déficit habitacional no Município e a intervenção para a sua solução requer estudo e planejamento para a adequada solução do problema, envolvendo identificação da população necessitada e estabelecimento de regras para o atendimento da demanda. Atividades relacionadas à gestão administrativa.

Por este motivo, cabe essencialmente ao Poder Executivo, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade de programas em benefício da população, bem como das regras para sua implantação. Trata-se de atuação administrativa que decorre de escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, pois envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo, no caso em análise representados pelo estabelecimento de regras e requisitos de programa habitacional. A atuação legislativa impugnada, equivale à prática de ato de administração, de sorte a violar a garantia constitucional da separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Diante do exposto, o pedido deve ser julgado procedente reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.405, de 23 de maio de 2012, do Município de Bastos.

 

São Paulo, 24 de setembro de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

aca