Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 0121484-02.2011.8.26.0000/50000

Requerente: Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.513, de 30 de setembro de 2010, de Jacareí.

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal n. 5.513, de 2010, de Jacareí, que, nos termos da respectiva rubrica, institui o programa de substituição do uso de sacolas plásticas por sacolas de papel ou de material biodegradável, nos estabelecimentos comerciais da cidade.

2)      Competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI da CR). Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, II, VI e VII, CR). Incumbência do Poder Público, em todas as suas esferas, de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V, da CR/88). Defesa do consumidor e do Meio ambiente como princípios constitucionais da atividade econômica (art. 170, V e  VI da CR). Legislação municipal editada para atender ao interesse local, suplementando a legislação da União e do Estado relativa à proteção do meio ambiente (art. 30, I e II, da CR).

3)   Parecer no sentido da improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicado da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo, tendo como alvo a Lei Municipal n. 5.513, de 2010, de Jacareí, que, nos termos da respectiva rubrica, institui o programa de substituição do uso de sacolas plásticas por sacolas de papel ou de material biodegradável, nos estabelecimentos comerciais da cidade.

Sustenta que foi usurpada a competência do legislador federal e do legislador estadual para a regulamentação dessa matéria, advindo daí a inconstitucionalidade da lei impugnada. Argumenta, ademais, que a lei contraria posicionamento adotado, na esfera administrativa, pelo Governo do Estado de São Paulo. Aponta, assim, contrariedade aos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: art. 152, IV; art. 193, XX e XXI.

Foi deferida a liminar (fls. 194).

A Câmara Municipal apresentou informações (fls. 271/273.).

A Municipalidade prestou informações (fls. 316/323).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da intervenção (fls. 353/354).

É o relato do essencial.

No mérito, a ação deve ser julgada improcedente.

O argumento utilizado na inicial, em sua essência, é no sentido de que o Município não teria competência para legislar a respeito do tema.

É por essa razão que a autora aponta ocorrência de contrariedade ao disposto no art. 152, IV e no art. 193, XX e XXI, da Constituição do Estado de São Paulo.

Entretanto, com a devida vênia, não há contrariedade com relação a tais dispositivos.

O art. 152, IV, da Constituição Paulista apenas estabelece, genericamente, que a finalidade da organização regional do Estado é promover “a integração do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região”.

De outro lado, o art. 193 da Carta Paulista, ao tratar, de forma programática, sobre a possibilidade da edição de lei estadual para criação de um “sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle de desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais”, prevê, nos incisos XX e XXI, a finalidade de “controlar e fiscalizar obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos” que possam causar degradação ambiental, bem ainda “realizar o planejamento e o zoneamento ambientais”. Ou seja, trata-se de dispositivos constitucionais que, se por um lado, estimulam a atuação do Estado de São Paulo na proteção do meio ambiente, de outro não vedam que o Município também o faça.

Mas não é só. Não há qualquer espaço para dúvida quanto ao fato de que o Município também tem competência administrativa e legislativa para fins de promover a defesa do meio ambiente, bem como zelar pela saúde dos munícipes.

Nesse sentido o que dispõe o art. 23, II, VI, VII, da CR/88, que atribui competência concorrente à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios para, respectivamente: (a) cuidar da saúde; (b) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (c) preservar as florestas, a fauna e a flora. Do mesmo modo, a competência dos Municípios, em temas relacionados ao meio ambiente, pode ser extraída da previsão contida no art. 30, I e II, da CR, por força dos quais o legislador municipal pode regular temas de interesse local, e ainda suplementar a legislação federal no que couber.

Nesse mesmo sentido, o art. 225, § 1º, da CR/88 impõe ao Poder Público de forma geral – ou seja, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios – inúmeras diretrizes, todas destinadas à preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre elas está, especialmente, nos termos do inciso V, a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

A importância da proteção ao meio ambiente, como é cediço, é tão intensa, que até mesmo no âmbito da atividade econômica a Constituição da República impõe como princípios gerais a serem obsequiados, a “defesa do consumidor”, bem como a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, V e VI da CR/88). Essa ideia foi assentada pelo Col. STF, em decisão relatada pelo Min. Celso de Mello, quando do julgamento da ADI 3540 MC/DF (j. 01/09/2005, Tribunal Pleno, DJ 03-02-2006), de cuja ementa se extrai o seguinte excerto:

“(...)

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

(...)”

Acrescente-se que a competência do Município para legislar sobre o meio ambiente já foi reconhecida por esse Col. Órgão Especial, como se infere dos precedentes indicados a seguir:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 4.253, de 06.03.2008, do Município de Valinhos – ‘Instituição de compensação às emissões de Gases de Efeitos Estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas que vierem a se instalar no Município’ - Atendimento a peculiar interesse do Município no controle, preservação e recuperação do meio-ambiente - Permissibilidade do art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo - Descabimento de se cogitar infringência à norma da Constituição Federal ou Lei Orgânica do Município na esfera da presente ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (ADIN 164.487-0/9-00, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 04.02.2009).

(...)”

No mesmo sentido, a título de exemplificação, a decisão proferida na ADI 129.132.0/3, rel. des. Jacobina Rabello, j. 21.03.2007, entre outros julgados.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 5.513, de 2010, de Jacareí, que, nos termos da respectiva rubrica, institui o programa de substituição do uso de sacolas plásticas por sacolas de papel ou de material biodegradável, nos estabelecimentos comerciais da cidade.

 

São Paulo, 16 de maio de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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