Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0129693-23.2012.8.26.0000

Requerente: Câmara Municipal de Rosana

Objeto: incisos I e VI, do art. 2º, da Lei Municipal n. 723, de 03 de abril de 2002, do Município de Rosana

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos I e VI, do art. 2º, da Lei Municipal n. 723, de 03 de abril de 2002, do Município de Rosana. Alegação de enquadramento em cargos efetivos que configura transposição, de maneira a investir servidores em cargo diverso, sem submissão a prévio concurso público. Ausência de constatação de inconstitucionalidade. Parecer pela extinção do processo sem julgamento do mérito (ilegitimidade ativa de parte), ou no mérito, pela improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial:

 

          Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Câmara Municipal de Rosana impugnando os incisos I e VI, do art. 2º, da Lei Municipal n. 723, de 03 de abril de 2002, do Município de Rosana, que “dispõe sobre a Reestruturação do Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal de Rosana e dá outras providências”.

 

         Alega a autora que referidos dispositivos permitem a transposição de servidores públicos admitidos para determinado cargo ou emprego público para outro de natureza, sem existir equivalência funcional, dando nova denominação a cargos de natureza distinta.

         Aponta como violados os art. 115, II, da Constituição Estadual e o art. 37, II, da Constituição Federal.

         O douto Procurador-Geral do Estado declinou de sua intervenção na lide (fls. 47/48).

         A Prefeita do Município de Rosana prestou informações, arguindo em preliminar ilegitimidade ativa de parte. No mérito, defendeu a constitucionalidade dos atos normativos impugnados (fls. 50/53).

         É o relatório.

         A preliminar arguida pela Prefeita do Município de Rosana merece ser acolhida.

         Nos termos do art. 90, II da Constituição Estadual, tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade a Mesa Diretora da Câmara Municipal.

         Portanto, realmente, a Câmara Municipal de Rosana é parte ilegítima para propor a presente ação, razão pela qual a extinção do processo sem julgamento do mérito é de rigor.

        Caso não seja esse o entendimento de V. Exas., o que se admite apenas a título de argumentação, no mérito a ação é improcedente.

         Dispensa maiores digressões a afirmação de que a realização de concurso público, para acesso aos cargos, empregos e funções públicas, é a regra. Ela só admite exceções nas estritas hipóteses previstas nas Constituições Federal e Estadual, quais sejam: (a) a nomeação para cargos de provimento em comissão previstos em lei específica de cada ente federativo (nos casos de cargos ou funções de direção, chefia ou assessoramento superior da administração, em que deva prevalecer o vínculo de especial confiança entre o servidor e o agente superior ao qual se vincule), e (b) a contratação temporária, nas hipóteses previstas em lei de cada ente federativo, para atendimento a necessidade temporária de excepcional interesse público (cf. art. 115, incs. II, V e X, da Constituição Paulista; art. 37, incs. I, II e IX, da CR/88).

         Por outro lado, José Carlos Barbosa Moreira, que já ressaltava a necessidade de vinculação do concurso público, independentemente da situação anterior do candidato ao provimento: “O requisito do concurso abrange qualquer nomeação efetiva para cargo de carreira ou isolado, quer recaia em pessoa estranha aos quadros funcionais, quer em quem já seja funcionário. Pouco importa a situação anterior do candidato ao provimento: se pretende ingressar em carreira diversa daquela a que pertence, ou se ocupa cargo isolado e quer passar a cargo de carreira, ou se tem cargo de carreira e deseja investir se em cargo isolado, precisa, em qualquer dessas hipóteses, submeter se a concurso. Não se descobre no texto a mais leve atenuação, ainda a título excepcional, da rigidez do principio. Impossível, à vista dele, cogitar se de qualquer exceção. Não há base alguma para insinuar que a exigência ficaria afastada no caso de passar o funcionário de uma carreira para carreira afim” (“O Concurso na Constituição Estadual”, em Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado da Guanabara, vol. 17, 1967, p. 81).

          Como adverte Liliam da Silva Ramos, em qualquer forma de provimento de cargo ou função pública é imprescindível o respeito às limitações constitucionais: “qualquer forma de provimento que sirva de expediente para não cumprimento dos vetores constitucionais e princípios da garantia de acessibilidade aos cargos e empregos públicos (isonomia, impessoalidade, moralidade, publicidade) é desrespeito à regra do concurso público” (“Regime Jurídico único e Planos de Carreira”, em RDP 93/252).

         Diante disto, é possível afirmar que é inconstitucional qualquer forma de provimento (originário ou derivado) que signifique ou consubstancie um artifício para burlar o princípio do concurso público, particularmente nos casos que visem o favorecimento de certa categoria de pessoas sem a necessária disputa em igualdade de condições com as demais pessoas que queiram ser investidas, em cargos ou empregos públicos.

         A propósito, sobre a transposição ensina Celso Antônio Bandeira de Mello que “a existência de formas de provimento derivadas de modo algum significa abertura para costear se o sentido próprio do concurso público. Como este é sempre específico para dado cargo, encartado em carreira certa, quem nele se investiu não pode depois, sem novo concurso público, ser trasladado para cargo de natureza diversa ou de outra carreira melhor retribuída ou de encargos mais nobres e elevados. O nefando expediente a que se alude foi algumas vezes adotado, no passado, sob a escusa de corrigir desvio de funções ou com arrimo na nomenclatura esdrúxula de ‘transposição de cargos’. Corresponde a uma burla manifesta do concurso público. É que permite a candidatos que ultrapassaram apenas concursos singelos, destinados a cargos de modesta expressão – e que se qualificaram tão somente para eles– venham a aceder, depois de aí investidos, a cargos outros, para cujo ingresso se demandaria sucesso em concursos de dificuldades muito maiores, disputados por concorrentes de qualificação bem mais elevada” (Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta, São Paulo, RT, 1995, p. 55).

         A situação dos incisos I e VI do art. 2º, da Lei n. 723/2002, do Município de Rosana é outra. Trata-se, aqui, de transformação de empregos públicos em cargos públicos, mantidas praticamente as mesmas denominações e referências anteriores.

         Note-se que o Auxiliar de Serviços I, Auxiliar de Serviços II e Auxiliar de Serviços III, passaram a ser denominados Ajudantes de Serviços Gerais (inciso I do art. 2º ), ao passo que o Motorista, Motorista de Caminhão e Motorista de Ônibus, passaram a se nominados Motorista.

         Entretanto, verifica-se que os requisitos para a investidura dos cargos de Auxiliar de Serviços I, Auxiliar de Serviços II e Auxiliar de Serviços III eram os mesmos.

         O mesmo ocorreu em relação aos cargos de Motorista, Motorista de Caminhão e Ônibus.

        Observe-se, ainda, que  nem o edital do concurso público n. 02/98, nem a legislação municipal são claros quanto às atribuições especificas dos referidos cargos, as quais também não foram expostas na inicial.           

        Ora, como se sabe, a transformação de cargos é sempre possível, desde que se opere por lei de iniciativa do Executivo. Hely Lopes Meirelles explica que “pela transformação extinguem-se os cargos anteriores e se criam os novos, que serão providos por concurso ou por simples enquadramento dos servidores já integrantes da Administração, mediante apostila de seus títulos de nomeação. (...) Também podem ser transformadas funções em cargos, observados o procedimento legal e a investidura originária ou derivada, na forma da lei” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 17ª ed., p. 363).

         Em outras palavras, a Administração Pública, observados os limites constitucionais, atua de modo discricionário ao instituir o regime jurídico de seus agentes e ao elaborar novos planos de carreira. Assim, por exemplo, decidiu o Supremo Tribunal Federal no RE 255328/CE, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 11/09/2001.

        Assim sendo, os dispositivos questionados atenderam ao requisito da iniciativa transformaram empregos públicos providos por concurso público em iguais cargos públicos, também providos por concurso, com a mesma denominação, as mesmas atribuições e praticamente com a mesma remuneração dos empregos públicos para os quais foram concursados, sem prejuízo de seus direitos e vantagens.

         Como se nota, a questão é de enquadramento, e não de inconstitucionalidade. Caso ocorra, um ou outro equívoco no particular desse enquadramento, as questões de tal natureza dependerão do exame de matéria de fato, e não do simples confronto entre a lei impugnada e a Constituição Estadual.

Em harmonia ao exposto, opino pela extinção do processo sem julgamento do mérito (ilegitimidade ativa de parte) ou, no mérito, pela improcedência da ação.

                                  São Paulo, 4 de setembro de 2012.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

   - Jurídico-

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