Parecer
Autos nº. 0131960-65.2012.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Mauá
Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.750, de 21 de março de 2012, do Município de Mauá
Ementa:
Constitucional. Administrativo. Separação de Poderes. Reserva de Iniciativa. Processual civil. Ação direta de inconstitucionalidade. Falta de capacidade postulatória isolada do Procurador. Mandato sem poderes específicos. Irregularidade sanável. Diligência alvitrada.
1. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal n. 4.750, de 21 de março de 2012, do Município de Mauá, que “declara de utilidade pública municipal o Instituto Herbert Souza”.
2. Alegação de vício de iniciativa e de violação ao princípio da separação de poderes.
3. Preliminarmente. Necessidade de regularizar a representação. Na ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, legitimado ativo é o Prefeito do Município (art. 90, II, CE/89), e considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, poderes específicos e subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo procurador
4. Mérito. Improcedência da ação.
5. Iniciativa legislativa parlamentar que está de acordo com a Constituição do Estado, atendendo, por simetria, ao que dispõe o artigo 24, § 1º, inciso IV.
6. Questões de fato. Eventual desvio na aplicação da norma. Impossibilidade de controle concentrado de constitucionalidade.
7. Limites à cognição judicial no processo objetivo de controle de constitucionalidade das leis. Precedentes do E. STF.
8. Parecer no sentido da improcedência da ação direta.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Mauá em face da Lei Municipal n. 4.750, de 21 de março de 2012, que “declara de utilidade pública municipal o Instituto Herbert Souza”.
Alegação
de inconstitucionalidade fundada em possível vício de iniciativa e afronta ao
princípio da separação de poderes.
Foi
indeferido o pedido de liminar (fls. 22/24).
Foram
juntadas informações da Câmara Municipal (fls. 90/102).
Citado,
o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa em relação ao
ato normativo impugnado (fls. 32/33).
É uma breve síntese.
A petição inicial é subscrita apenas por douto Procurador Municipal.
A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:
“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de
inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas
da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as
operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52,
incisos V e VII, da Constituição Federal.
2. Entende possuir
legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.
3. É a síntese do
necessário.
4. Decido.
5. Verifico que a ação, embora aparentemente
proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo
Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial
atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo
12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.
6. A medida
constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se
pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou
estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato
impugnado em face da Constituição.
7. Com efeito,
cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada
pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis,
assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza
subjetiva.
8. O Governador de
Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição
prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim,
destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não
ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode
intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC,
Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício
Corrêa, j. de 23.8.01).
9. Por essa razão,
inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua
formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos
advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se
verdadeira hipótese excepcional de jus
postulandi.
10. No caso
concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da
ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada.
Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa
de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.
11. Ante essas
circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos
artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF,
ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).
Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).
Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo advogado.
Ademais, há decisão registrando que:
“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a
apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado
subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada”
(STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000,
m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).
Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.
Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para subscrição da petição inicial e regularização da representação processual (mandato com poderes específicos), no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.
No mérito, a presente ação deve ser julgada improcedente.
Ocorre que, compulsando-se os autos, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade em tese, do tipo que possa ser reconhecida no bojo de ação direta.
A lei impugnada contém declaração de utilidade pública.
É de iniciativa do Poder Legislativo.
Nesse aspecto, a meu ver, está de acordo com a Constituição do Estado, atendendo, por simetria, ao que dispõe o artigo 24, § 1º, inciso IV:
“Artigo 24 - A iniciativa das
leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia
Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao
Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos
nesta Constituição.
§ 1º - Compete, exclusivamente, à Assembleia Legislativa a
iniciativa das leis que disponham sobre:
1 - criação, incorporação,
fusão e desmembramento de Municípios;
2 - regras de criação,
organização e supressão de distritos nos Municípios.
3 – subsídios do Governador,
do Vice-Governador e dos Secretários de Estado, observado o que dispõem os
artigos 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I, da Constituição
Federal.
4 - declaração de utilidade pública de entidades de direito
privado."
Se há eventual desvio na aplicação da norma, tal questão não pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade.
Afinal, na ação direta de inconstitucionalidade não há espaço para discutir questões fáticas. O que se pode fazer nessa instância é o contraste do diploma legal impugnado com a norma-parâmetro da Constituição do Estado.
A abertura do processo de controle concentrado não tem por escopo, é importante frisar, a elucidação de questões de fato (rectius = pontos de fato que se tornaram controversos). Isso, na medida em que, nestas ações, não se realiza o exame de determinada “lide”, invocada, nesse passo, na concepção carnelutiana, ou seja, como conflito de interesses qualificado pela existência de uma pretensão resistida.
No processo objetivo, a questão sobre a qual o Tribunal se debruça é essencialmente jurídica (dúvida ou controvérsia sobre a legitimidade do direito positivo infraconstitucional, em sua perspectiva de eventual confronto com determinado parâmetro constitucional). Em relação a ela, a aferição de fatos pode figurar, apenas, como um dado adstrito ao problema de prognose da aplicação da norma no plano concreto. Não se passa, entretanto, do exame da norma para o exame do fato.
Este é o adequado sentido para a compreensão do que foi afirmado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, juntamente com Ives Gandra da Silva Martins, em sede doutrinária, no sentido da admissão, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, da “verificação de fatos e prognoses legislativos” (Controle concentrado de constitucionalidade, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 281).
Em outras palavras, não se pode confundir exame de fatos do processo legislativo, ou a análise de prognose sobre fatos relativos à aplicação futura da norma com o exame de quaestionis facti (fatos controversos).
Caso contrário, inviabilizado restaria o próprio processo objetivo, degradado de sua condição natural de sistema de controle abstrato da atividade legislativa (em que o Tribunal constitucional funciona como legislador negativo), à posição de simples desdobramento do exercício da função jurisdicional do Estado (consistente em examinar e solucionar litígios concretos).
A cognição a realizar para a resposta a tais indagações extravasaria do simples confronto entre a lei e a Constituição.
É sabido, ademais, que não se permite a verificação de circunstância fática ou a análise conjugada de espécies normativas infraconstitucionais. No restrito âmbito do controle abstrato de normas que se desenvolve perante o Tribunal com fundamento no art. 125, § 2º, da Constituição Federal, não existe espaço para o que a jurisprudência denomina de inconstitucionalidade reflexa ou indireta.
A propósito dela, “o Supremo Tribunal Federal tem orientação assentada no sentido da impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais ou de matéria de fato” (RTJ 164/897).
Isso não significa que nosso entendimento, nessa circunstância, seja taxativamente voltado à afirmação da constitucionalidade da referida legislação. Significa, sim, que conclusão em sentido contrário dependeria da análise de informações da situação de fato e da interpolação entre textos legislativos.
Inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo decorrentes de questões de fato (v.g. conveniência ou não da solução adotada pelo legislador, partindo de premissas situadas no contexto fático) não podem ser aferidas. O único exame que se faz, no processo objetivo, decorre do confronto direto entre o ato normativo impugnado e o parâmetro constitucional (na hipótese, apenas estadual) adotado para fins de controle (STF, ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04; ADI-MC 1347 /DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241, g.n.; ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546).
A esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita
pelo i. Min. Celso de Mello, do E. STF: “A
ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento
básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida
e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in
abstracto’ do ato estatal impugnado seja
realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade
deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação
desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle
normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas
infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento
exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade
constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-
Nesses casos, resta apenas a possibilidade do controle difuso de constitucionalidade das normas, mesmo porque não está sendo afirmada a constitucionalidade da norma.
Posto isso, aguarda-se a improcedência da presente ação direta.
São Paulo, 15 de outubro de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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