Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0149467-39.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município de Ribeirão Preto  

Objeto: art. 14, § 2º, alínea f; art. 27, § 1º, incisos I e IV; art. 36, § 1º, alínea l e art. 85 da Lei Complementar nº 2.524, de 05 de abril de 2012, do Município de Ribeirão Preto.

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 14, § 2º, alínea f; art. 27, § 1º, incisos I e IV; art. 36, § 1º, alínea l e art. 85 da Lei Complementar nº 2.524, de 05 de abril de 2012, do Município de Ribeirão Preto.

2)      Irregularidade na representação processual. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa “ad causam” e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório.

3)      Abuso do poder de emenda. Desfiguração do projeto original por rompimento da estrutura hierárquica no âmbito das unidades escolares e dos critérios objetivos de diferenciação da remuneração. Alteração que gera despesa não prevista no projeto original. Procedência parcial. Violação dos arts. 5º; 25, 24, § 2º, nºs 1 e 4, § 5º, nº 1;  47, II,  e 115, II da Constituição Estadual.   

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal, tendo por objeto os arts. 14, § 2º, alínea f; 27, § 1º, incisos I e IV; 36, § 1º, alínea l e 85 da Lei Complementar nº 2.524, de 05 de abril de 2012, do Município de Ribeirão Preto.

Sustenta o autor que os atos normativos impugnados decorreram de emendas parlamentares, cujo veto foi rejeitado. A Lei Complementar mencionada disciplina o plano de cargos, carreira e remuneração e o Estatuto do Magistério Público Municipal de Ribeirão Preto. Afirma que a iniciativa legislativa para criação, fixação de vencimentos e alteração de cargos púbicos e regime jurídico dos servidores municipais é privativa do Chefe do Executivo. Alude ainda que houve criação de vantagens aos servidores públicos, gerando novas despesas sem indicação da fonte de recursos correspondente. Aponta, assim, contrariedade aos arts. 5º, 24, § 2º, nº 1 e 4, 25 e 144, da Constituição Estadual.     

O pedido de medida liminar foi deferido (fls. 71/73).

Notificado (fl. 78), o Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo, defendendo a validade dos atos normativos impugnados (fls. 86/92).

Citada regularmente (fl. 84), a Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 80/81).

É a síntese do que consta dos autos.

PRELIMINARMENTE

A petição inicial é subscrita apenas pelo procurador do município (fl. 12), com mandato outorgado pela Prefeitura Municipal (fl. 13/14).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie” (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de poderes especiais, ou, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial.

Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

Este Colendo Órgão Especial em decisão recente sufragou este entendimento, conforme se verifica pela seguinte ementa:

“Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente” (ADIN nº 0030396-43.2012.8.26.000, Rel. Des. Guerrieri Resende, j. 17 de outubro de 2012)

Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

No caso dos autos, não há procuração da Prefeita Municipal, mas tão só do ente que representa: o Município.

Assim sendo, requeiro seja o autor intimado para regularização de sua representação processual ou subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

NO MÉRITO

Dos atos normativos impugnados

Os atos normativos impugnados, decorrentes de emendas aditivas ou modificativas, têm a seguinte redação:

“Art. 14. A promoção por merecimento será feita mediante a apuração da assiduidade, na seguinte conformidade:

(...)

§ 2º. Não serão computadas, como ausência, para o cálculo da promoção por merecimento, os afastamentos do professor em virtude de:

(...)

f) licença para tratamento de saúde;

(...)

Art. 27. Os profissionais do magistério da Área de Gestão Educacional e da Área de Assessoria Educacional terão sua carga horária de trabalho definidas em 40 horas semanais.

§ 1º. Para efeito de cálculo de pagamento deve-se observar o seguinte:

I – Coordenador Pedagógico e Orientador Educacional   320 h/a

(...)

IV – Diretor de EMEF e EMEPB                                         360 h/a

(...)

Art. 36. Para fins de classificação para atribuição de classes/aulas e remoção serão computados os dias efetivamente trabalhados no magistério da Secretaria Municipal de Educação.

§ 1º. Serão computados como dias trabalhados conforme e “caput” deste artigo os dias em que o professor esteve afastado em virtude de:

l – licença para tratamento de saúde;

(...)

Art. 85. Ficam assegurados aos monitores da EMEF Egydio Pedreschi os direitos e vantagens previstos na presente lei.” (g.n.)

O veto aos atos normativos destacados em negrito foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

Os atos normativos em análise dizem respeito a plano de carreira, cargos e vencimentos dos servidores públicos municipais, cuja iniciativa cabe ao Prefeito, nos termos do art. 24, § 2º, nos. 1 e 2, da Constituição Estadual.

O problema, entretanto, reside na análise da validade das emendas aditivas e modificativas que resultaram nos atos normativos impugnados.

 

Dos limites ao poder de emendar

O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes.

 O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República, conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.

A iniciativa, o ato que deflagra o processo legislativo, pode ser geral ou reservada (ou privativa).

A matéria de que trata a lei em análise – plano de cargos, carreira e remuneração e o Estatuto do Magistério Público Municipal de Ribeirão Preto – é daquelas cuja iniciativa cabe ao Prefeito. Nesse aspecto, não há qualquer objeção, pois a da Lei Complementar nº 2.524, de 05 de abril de 2012, do Município de Ribeirão Preto, decorreu de projeto de iniciativa do Poder Executivo (fls. 63/201).

Sabe-se que apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação, abrindo-se caminho para a fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria. Nessa fase se sobressai o poder de emendar, prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar, que não é absoluta, pois encontra-se limitadas às restrições impostas, em “numerus clausus”, pela Constituição Federal (art. 63, I e 166, § 3º, I e II ).

A este propósito o Supremo Tribunal Federal consignou que:

“O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em "numerus clausus", pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34 –g.n.).

Mas o considera restrito, como se conclui do trecho acima destacado e do paradigmático julgado adiante transcrito:

“Incorre em vício de inconstitucionalidade formal (CF, artigos 61, § 1º, II, "a" e "c" e 63, I) a norma jurídica decorrente de emenda parlamentar em projeto de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, de que resulte aumento de despesa. Parâmetro de observância cogente pelos Estados da Federação, à luz do princípio da simetria. Precedentes. 2. Ausência de prévia dotação orçamentária para o pagamento do benefício instituído pela norma impugnada. Violação ao artigo 169 da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela Emenda Constitucional 19/98. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI 2079/SC, STF - Pleno, rel. Maurício Corrêa, DJ 18.06.2004, p. 44; Ement. Vol. 2156-01, p. 73)

Da interpretação das normas que regem o processo legislativo, pode-se afirmar que a limitação ao poder de emendar projetos de lei de iniciativa reservada do Poder Executivo existe no sentido de evitar: (a) aumento de despesa não prevista, inicialmente; ou então (b) a desfiguração da proposta inicial, seja pela inclusão de regra que com ela não guarde pertinência temática; seja ainda pela alteração extrema do texto originário, que rende ensejo a regulação praticamente e substancialmente distinta da proposta original.

Vistos esses aspectos, passamos a análise específica dos atos normativos impugnados.

Da alínea f do § 2º do art. 14 e da alínea l do § 1º do art. 36 da Lei Complementar nº 2.524/2012, do Município de Ribeirão Preto 

A redação dos referidos atos normativos decorreu de emendas supressivas que excluíram do projeto original a expressão “desde que em caso de internação hospitalar e/ou intervenção cirúrgica”.

Assim, para apuração da assiduidade para fins de promoção por merecimento (art. 14), bem como para classificação para atribuição de classes/aulas e remoção (art. 36), são computados os dias de afastamento ou ausências decorrentes de licença de saúde sem qualquer ressalva.

A alteração promovida pelas emendas encontra-se dentro dos limites da prerrogativa inerente à função legislativa do parlamentar, pois não importa em aumento de despesa, nem mesmo desfigura a proposta inicial.

Ademais, pode-se dizer que as emendas corrigiram fator de discriminação não razoável e ofensivo ao princípio da igualdade (art. 5º da CF) contido no projeto original.

Como anota Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ª ed., 12ª tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 35).

A diferenciação feita pelo legislador é possível quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diferenciação de tratamento contida na lei, pois a igualdade pressupõe um juízo de valor e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 3ª ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 400/401).

Além disso, no constitucionalismo moderno “a função de impulso e a natureza dirigente do princípio da igualdade aponta para as leis como um meio de aperfeiçoamento da igualdade através da eliminação das desigualdades fácticas” (J.J. Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador. Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, 2ª ed., Coimbra editora, 2001, p. 383).

O que o princípio em verdade veda é que a lei vincule uma “consequência a um fato que não justifica tal ligação”, pois o vício de inconstitucionalidade por violação da isonomia deve incidir quando a norma promove diferenciações sem que haja “tratamento razoável, equitativo, aos sujeitos envolvidos” (Celso Ribeiro Bastos, Curso de direito constitucional, 18ª ed. São Paulo, Saraiva, 1997, p. 181/182).

A valoração daquilo que constitui o conteúdo jurídico do princípio constitucional da igualdade, ou seja, a vedação de uma “regulação desigual de fatos iguais”, deve ser realizada caso a caso, com base na razoabilidade e proporcionalidade na análise dos valores envolvidos, pois “não há uma resposta de uma vez para sempre estabelecida” (cf. Konrad Hesse, Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, tradução da 20ª ed. alemã, por Luís Afonso Heck, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris editor, 1998, p. 330/331).

Em outras palavras, além do aspecto negativo do princípio, como vedação de tratamento desigual a situações e pessoas em condição similar, traz conotação positiva, para conceder ao legislador a missão de, pela elaboração normativa, com parâmetro nos obstáculos e nas desigualdades reais, equiparar ou equilibrar situações, materializando efetivamente o conteúdo concreto da isonomia. Pela elaboração normativa, o legislador poderá afastar óbices de qualquer ordem que limitem a aproximação efetiva daqueles que se encontram sob a égide do ordenamento jurídico (cf. Paolo Biscaretti Di Ruffia, Diritto constituzionale, XV edizione, Napoli, Jovene, 1989, p. 832).

Diante destas ponderações doutrinárias, verifica-se que o fator de discriminação originariamente concebido no projeto original, relativo à licença de saúde, decorrente de internação ou procedimento cirúrgico, não se mostra razoável para justificar o tratamento diferenciado.

Não havia fundamento razoável para diferenciação jurídica imposta no projeto original ao considerar no computo de dias trabalhados para os fins mencionados, aqueles decorrentes dos afastamentos por licença de saúde em virtude exclusivamente de internação ou procedimento cirúrgico.

No universo das patologias, existem situações muito mais graves e merecedoras de consideração do que aquelas que resultem exclusivamente de internação ou procedimento cirúrgico.

Por este motivo, não se evidencia qualquer inconstitucionalidade formal ou material da emenda supressiva que resultou na redação da alínea f, do § 2º, do art. 14 e da alínea l, do § 1º, do art. 36, da Lei Complementar nº 2.524/2012, do Município de Ribeirão Preto.

 

Dos incisos I e IV, do § 1º, do art. 27 e do art. 85 da Lei Complementar nº 2.524/2012, de Ribeirão Preto 

A modificação operada pela emenda parlamentar no projeto original em relação ao cálculo do pagamento dos coordenadores pedagógicos e orientadores educacionais e Diretores de EMEF e EMEPB (art.27, § 1º, inciso I e IV), além de importar em despesa não prevista no projeto original, desfigura o projeto original.

A redação dada ao inciso I do § 1º do art. 27 da Lei Complementar nº 2.524/2012, de Ribeirão Preto, rompe a estrutura hierárquica no âmbito das unidades ao estabelecer remuneração para Coordenador Pedagógico e Orientador Educacional superior à do Vice-Diretor de Escola.

A modificação da remuneração do Diretor de EMEF e EMEPB (art.27, § 1º, inciso IV) também afronta a concepção do projeto original ao remunerar de forma diferenciada os diretores em função da complexidade e do número de alunos da unidade escolar, conforme fundamentação do veto (fl. 67).

O art. 85 da Lei Complementar nº 2.524/2012, de Ribeirão Preto, decorrente de emenda aditiva, estende aos monitores da EMEF Egydio Pedreschi os direitos e vantagens aplicáveis aos servidores estáveis e concursados.

É flagrante a inconstitucionalidade, uma vez que acaba por equiparar servidores de categorias distintas, violando a regra do concurso público (art. 115, II da Constituição Estadual), pois monitores passam a ter tratamento conferido a servidores titulares de cargo efetivo.

De outro lado, a Constituição do Estado, em simetria com o modelo Federal, não concede ao parlamentar a iniciativa de leis que disponham sobre o serviço público e seu regime jurídico (art. 24, §2º, nºs 1 e 4), e nem mesmo autoriza emenda que importe em aumento de despesa aos projetos de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo (art. 24, § 5º, nº 1).

Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado, tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:

“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).

Em realidade, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, denomina-se “Governo”, e que tem na lei seu mais relevante instrumento, participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais e diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Percebe-se que os dispositivos legais em análise fixam remuneração de determinados servidores públicos e estendem vantagens e direitos a servidores não concursados, traduzindo em despesas para a Administração não previstas no projeto original. Assim, além de tratarem de matéria da alçada do Poder Executivo, interferem na administração do orçamento, pois acarretam despesa sem a indicação da fonte de custeio.

As alterações produzidas pela Câmara Municipal representam inequívoco abuso do poder de emendar, com a consequente violação do princípio da separação dos poderes de que trata o art. 5º da Constituição do Estado.

Por isso, em que pesem os elevados propósitos que inspiraram os parlamentares, autores da emenda ao projeto, os dispositivos impugnados são verticalmente incompatíveis com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus arts. 5º; 25, 24, §2º, nºs 1 e 4, § 5º, nº 1;  47, II,  e 115, II,  aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

Diante do exposto, caso regularizada a representação processual, o pedido deve ser julgado parcialmente procedente reconhecendo-se tão somente a inconstitucionalidade dos incisos I e IV, do § 1º, do art. 27 e do art. 85 da Lei Complementar nº 2.524/2012 do Município de Ribeirão Preto.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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