Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

 

Processo nº 0152976-75.2012.8.26.0000

Autor: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto: Lei Municipal nº 11.182, de 03 de julho de 2012, de São José do Rio Preto

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Criação de programa de coleta, tratamento e reciclagem de óleo e gordura vegetal ou animal. 2) Irregularidade na representação processual. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa “ad causam” e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. 3) Lei de iniciativa parlamentar. Violação de reserva de iniciativa do Executivo. Quebra da separação de poderes (criação de programa governamental). 4) Criação de novas despesas sem a indicação da respectiva fonte de receita. 5) Incompatibilidade vertical com dispositivos da Constituição Paulista (art. 5º; art. 24 §2º n.2; art. 25; art. 47 II, XIV e XIX, “a”; art.144). 6) Inconstitucionalidade reconhecida.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto os artigos 4º e 5º da Lei Municipal nº 11.182, de 03 de julho de 2012, daquele Município, que "Institui a Política Municipal da Coleta, Tratamento e Reciclagem de Óleo e Gordura de Origem Vegetal ou Animal".

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foram vetados os artigos 4º e 5º pelo Poder Executivo. Os vetos foram derrubados e, afinal, estes dispositivos foram promulgados pelo Presidente da Câmara Municipal.

A apreciação do pedido liminar foi postergada para após a colheita das informações (fls. 23 vº).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 35/37).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 32/33).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A petição inicial é subscrita apenas pelo douto Procurador Municipal (fl. 8).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie” (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de poderes especiais, ou, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial.

Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

Este Colendo Órgão Especial em decisão recente sufragou este entendimento, conforme se verifica pela seguinte ementa:

“Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente” (ADIN nº 0030396-43.2012.8.26.000, Rel. Des. Guerrieri Resende, j. 17 de outubro de 2012)

Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

No caso dos autos, não há procuração da Prefeita Municipal, mas tão só do ente que representa: o Município.

Assim sendo, requeiro seja o autor intimado para regularização de sua representação processual ou subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

Em que pesem os elevados propósitos que a inspiraram e também o fato de que a ação volta-se tão somente contra os artigos 4º e 5º, a Lei Municipal nº 11.182, de 03 de julho de 2012, de São José do Rio Preto é integralmente incompatível com os artigos 5º e 47, II, XIV e XIX, "a", da Constituição do Estado, abaixo reproduzidos:

"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

 (...)

II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual

(...)

XIV - praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;"

A Lei Municipal nº 11.182, de 03 de julho de 2012, de São José do Rio Preto, fruto de iniciativa parlamentar, que "Institui a Política Municipal da Coleta, Tratamento e Reciclagem de Óleo e Gordura de Origem Vegetal ou Animal", tem a seguinte redação:

         "Art. 1º - Fica instituída a Política Municipal de Coleta, Tratamento e Reciclagem de Óleo e Gordura de Origem Vegetal ou Animal.

 

Art. 2º - A Política Municipal de Coleta, Tratamento e Reciclagem de Óleo e Gordura de Origem Vegetal ou Animal tem os seguintes objetivos:

I - incentivar a adoção de medidas que evitem o lançamento de resíduo de óleo e gordura de origem vegetal ou animal em rede de coleta de esgoto e de drenagem pluvial;

II - reduzir a poluição ambiental - dos solos e das águas - provocada pelo lançamento de óleo e gordura em rede de coleta de esgoto e de drenagem pluvial;

III - reduzir o gasto de recurso público aplicado em manutenção de rede de coleta de esgoto e de drenagem pluvial;

IV - evitar o entupimento de rede de coleta de esgoto e de drenagem pluvial.

Parágrafo único - Para os fins desta Lei, considera-se resíduo de óleo e gordura de origem vegetal ou animal a sobra descartada após a utilização de óleo e gordura em atividade culinária.

Art. 3º - A Política Municipal de Coleta, Tratamento e Reciclagem de Óleo e Gordura de Origem Vegetal ou Animal observará as seguintes diretrizes:

I - conscientização da população quanto ao dano proveniente do descarte residual de óleo e gordura de origem vegetal ou animal no meio ambiente e quanto às vantagens da sua reutilização ou reciclagem;

II - estímulo a iniciativas não governamentais voltadas para a reciclagem, bem como a ações ligadas às diretrizes da Política de que trata esta Lei, especialmente as que impliquem geração de trabalho e renda;

III - busca do cumprimento de metas de proteção ao meio ambiente;

IV - promoção de estudo e desenvolvimento de projeto e programa que atenda às finalidades desta Lei;

V - incentivo à cooperação entre a União, o Estado, os municípios e as Organizações Não Governamentais - ONGs -;

VI - incremento na fiscalização de indústria de alimentos e de serviço de alojamento e alimentação, conforme classificação do Anexo X da Lei n° 7.166, de 27 de agosto de 1996;

VII - monitoramento do descarte de material originário de limpeza de caixa de gordura realizada por empresa prestadora de serviço dessa natureza.

Art. 4º - Para a execução dos objetivos propostos no artigo 2° desta Lei, o Executivo poderá promover:

I - a realização de estudo sobre as formas adequadas de descarte de óleo e gordura de origem animal e vegetal;

II - a realização de estudo sobre a viabilidade de coleta especial e reaproveitamento do resíduo de óleo e gordura de origem vegetal ou animal, especialmente, para a produção de biodiesel;

III - o desenvolvimento de campanha de conscientização ambiental da população;

IV - o estabelecimento de convênio com empresas e entidades envolvidas com reciclagem.

Art. 5º - Para cumprimento do disposto nesta Lei, o Executivo poderá estabelecer convênio, contrato e parceria com órgão ou entidade pública ou privada.

Parágrafo Único - A entidade privada a que se refere o caput deste artigo deverá cadastrar-se, previamente, no órgão competente do Município.

Art. 6º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação."

Como visto, a impugnada norma, além de criar um programa de governo, ainda determina que sejam realizados estudos sobre as formas adequadas de descarte de óleo e gordura de origem animal e vegetal e cria outras obrigações à Administração, no art. 4º.  Dita também à Administração, no art. 5º, o estabelecimento de convênio, contrato e parceria com órgão ou entidade pública ou privada. E, por fim, gera, ainda, maiores despesas com a implementação de tal programa, o que importa em invasão da seara administrativa.

Em realidade, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de “Governo”, e que tem na lei seu mais relevante instrumento[1], participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2]. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que:

"A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos ou autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (...). A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º.). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita - que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie', a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental (...) Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § I, c/c 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental."[3]

Reitere-se que a norma em análise se refere à instituição de política municipal de coleta, tratamento e reciclagem de óleo e gordura de origem vegetal e animal, cujas matérias são da alçada do Poder Executivo, por importar em atos de gestão ordinária da Administração Pública, tratando-se, pois, de matéria que a Constituição reservou à iniciativa do Executivo, não podendo o Legislativo tomar a iniciativa a respeito.

A Constituição Estadual, em dispositivo que repete o artigo 61, § 1º, II, “b”, da Constituição Federal, conferiu ao Governador do Estado a iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da administração pública e, conseqüentemente, sobre o seu orçamento. Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado, tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:

“O modelo estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros. Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar, relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).

Se a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para os Municípios.

As normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.

A par da matéria ora em análise, veja-se o que se extrai de recentíssimo Acórdão proferido pelo Órgão Especial desta E. Corte:

"Há, porém, ingerência na administração do Município, quando determinado, no artigo 4º da Lei vicentina nº 2.369-A/2010, que o seu cumprimento seja fiscalizado pela Secretaria de Comércio, Indústria e Negócios Portuários.  Ao Executivo é que cabe a definição, mediante decreto ou outro ato, do órgão incumbido da fiscalização, que poderá até ser feita por voluntários (inciso II do caput do art. 47, em combinação com o artigo 144, ambos da Constituição Paulista)." (ADIN nº 0421229-05.2010.8.26.0000, Rel. Des. Barreto Fonseca, j. 23 de fevereiro de 2011, fls. 312).

Nem se alegue que os arts. 4º e 5º têm característica de normas autorizativas, na medida em que se utilizam da expressão “o Executivo poderá”, e que o vício estaria superado. Deve-se atentar para o fato de que o Executivo não necessita de autorização para administrar e, no caso em análise, não a solicitou.

Sérgio Resende de Barros, analisando a natureza das intrigantes leis autorizativas, especialmente quando votadas contra a vontade de quem poderia solicitar a autorização, ensina:

"...insistente na pratica legislativa brasileira, a ‘lei’ autorizativa constitui  um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de ‘leis’, passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu ‘lei’ autorizativa,  praticada cada vez mais exageradamente autorizativa  é a ‘lei’ que - por não poder determinar - limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos  que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da ‘lei’ começa por uma expressão que se tornou padrão: ‘Fica o Poder Executivo autorizado a...’ O objeto da autorização -  por já ser de competência constitucional do Executivo - não poderia ser ‘determinado’, mas é apenas ‘autorizado’ pelo Legislativo, tais ‘leis’, óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente" (Leis Autorizativas. Revista da Instituição Toledo de Ensino, agosto a novembro de 2000, Bauru, p. 262).

Bem por isso, não passou despercebido ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que "a lei que autoriza o Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo portanto inconstitucional" (ADIN n°593099377 – rel. Des. Mana Berenice Dias – j. 7/8/00).

Esse E. Sodalício também vem afirmando a inconstitucionalidade das leis autorizativas, forte no entendimento de que as tais “autorizações” são eufemismo de “determinações”, e, por isso, usurpam a competência material do Poder Executivo:

“LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.

VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIN 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

Nota-se, por fim, que a lei gera aumento de despesa sem indicação da fonte, destarte, colide com o disposto no artigo 25, da Constituição Bandeirante.

Esse Sodalício, aliás, tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais que infringem esses comandos:

“LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (ADIn 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

Por isso, a solução deste processo é a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 11.182, de 03 de julho de 2012, do Município de São José do Rio Preto, integralmente, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça”[4].

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 11.182, de 03 de julho de 2012, do Município de São José do Rio Preto, integralmente.

São Paulo, 21 de novembro de 2012.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

       Subprocurador-Geral de Justiça

        - Jurídico -

fjyd



[1] Christian Starck. 'El Concepto de ley en la constitucion alemana', p. 73, CEC, Madrid, 1979.

[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um 'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar solenemente o 'indirizzo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo' do Poder governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios (investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.

[3] Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 12ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 576.

[4] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748.