Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 0155927-42.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Amparo

Objeto: Lei nº 3.683, de 22 de maio de 2012, do Município de Amparo.

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Amparo, em face da Lei nº 3.683, de 22 de maio de 2012, daquele Município, que “Dispõe sobre a divulgação de gastos de patrocínio e divulgação de eventos municipais, efetuados pela municipalidade”. Projeto nascido no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação do princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Criação de despesa, que decorre da necessidade de publicação de atos na imprensa ou em site, imposta pela lei à Administração (art. 25, CE). Parecer pela declaração da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Amparo, tendo por objeto a Lei nº Lei nº 3.683, de 22 de maio de 2012, daquele Município, que “dispõe sobre a divulgação de gastos de patrocínio e divulgação de eventos municipais, efetuados pela municipalidade”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

Aponta como violados os arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, 47, II, XIV, 144 e 150, todos da Constituição Estadual. 

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 27).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 37/38).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 40, atendo-se à tramitação do projeto de lei originário.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O pedido deve ser examinado pelo cotejo da lei em análise com os arts. 5º, 25, 37, 47, XI e 144 da Constituição Estadual.

A Lei nº 3.683, de 22 de maio de 2012, do Município de Amparo, que “dispõe sobre a divulgação de gastos de patrocínio e divulgação de eventos municipais, efetuados pela municipalidade”, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - A Prefeitura Municipal deverá fazer a divulgação dos gastos patrocínio e divulgação de eventos municipais com apoio ou patrocinados por ela.

Art. 2º - Inclui-se nesta lei, todos os panfletos de campanhas municipal ou do jornal, bem como, outros meios similares que possa servir de divulgativos.

Art. 3º - A publicidade deverá ser divulgada no site da Municipalidade ou no Jornal Oficial.

Art. 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.

Ao instituir obrigatoriedade da divulgação do valor total dos gastos de patrocínio e divulgação de eventos municipais, através do site da Municipalidade ou de jornal oficial, referida legislação, cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal.   

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe (fls. 25), é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., PP. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u. 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

De outro giro, cumpre observar que a imposição à Administração Municipal de fazer publicidade do valor total do custo anteriormente mencionado no site da Municipalidade ou em Jornal Oficial, traz ônus ao Erário, em decorrência da necessidade de retribuição pecuniária para o cumprimento da obrigação legal.

Em casos similares, esse egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Diante do exposto, o parecer é pela procedência da ação, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.683, de 22 de maio de 2012, do Município de Amparo, que “dispõe sobre a divulgação de gastos de patrocínio e divulgação de eventos municipais, efetuados pela municipalidade”.

São Paulo, 30 de outubro de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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