Parecer
Autos nº. 0160938-52.2012.8.26.00000
Requerente: Prefeito do Município de Teodoro Sampaio
Objeto: Emenda n. 01/2012 à Lei Orgânica do Município de Teodoro Sampaio
Ementa:
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda n. 01/2012, que acresceu as alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “e”, “f” e “g” ao inciso II do art. 82 da Lei Orgânica Municipal de Teodoro Sampaio, e veda a admissão e nomeação, para cargo, função ou emprego público de servidores do Poder Executivo, da Administração Direta e Indireta, bem como do Poder Legislativo; o exercício da função de representante ou conselheiro dos Conselhos Municipais ou Conselho Tutelar; e, ainda, de dirigentes das entidades sem fins lucrativos que mantiverem contratos ou receberem verbas públicas; “que incidam nas hipóteses de inelegibilidade, previstas na legislação federal, em especial a Lei Complementar n. 135, de 04 de junho de 2010”. Emenda de autoria parlamentar.
1. Parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF), razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste com normas da Lei Orgânica ou da Constituição Federal.
2. Ausência de constatação de invasão da competência normativa federal (art. 22, I, CF), porque não tratou das matérias ali enumeradas, e não cuidou de eleições, mandatos ou responsabilidade criminal, situando-se no espaço da autonomia municipal (arts. 29 e 30 da CF).
3. O Chefe do Poder Executivo tem iniciativa legislativa reservada para o provimento de cargos públicos (art. 24, § 2º, 1 e 4, CE; art. 61, § 1º, II, a e c, CF), mas, a exigência de honorabilidade para o provimento de cargos públicos, tal e qual a restrição ao nepotismo, se situa no raio de incidência do princípio da moralidade administrativa (art. 37, CF; art. 111, CE), não impondo a observância dessa reserva.
4. Ademais, a reserva de iniciativa legislativa é referente aos requisitos para o provimento de cargos públicos, e não para as condições para provimento de cargos públicos, matéria que está no domínio da iniciativa legislativa comum ou concorrente, porque não se refere ao acesso ao cargo público, mas, à aptidão para o seu exercício.
5. Mesmo raciocínio deve ser utilizado no tocante às demais vedações.
6. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Teodoro Sampaio, tendo por objeto a Emenda n. 01/2012, que acresceu as alíneas “a”, “b”, “c’, “d”, “e”, “f” e “g” ao inciso II do art. 82 da Lei Orgânica Municipal de Teodoro Sampaio.
Sustenta o autor, em síntese, que a Emenda impugnada, de autoria parlamentar, é inconstitucional por contrariar o princípio da separação dos poderes.
Aponta como violados o art. 47, II, da Lei Orgânica do Município de Teodoro Sampaio e os arts. 5º, 111 e 144, todos da Constituição Estadual.
A Emenda n. 01/2012 à Lei Orgânica do Município de Teodoro Sampaio teve a vigência e eficácia suspensas, atendendo-se ao pedido liminar (fl. 82).
A Câmara Municipal de Teodoro Sampaio prestou informações, defendendo a constitucionalidade da Emenda questionada (fls. 91/97).
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 109/111).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A Emenda à Lei Orgânica que acresceu as alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “e”, “f” e “g” ao inciso II do art. 82 da Lei Orgânica Municipal de Teodoro Sampaio, apresenta a seguinte redação:
“Art.1º - Ficam acrescidas as alíneas
‘a’, ‘b’, ‘c’, ‘d’, ‘e’, ‘f’ e ‘g’, ao inciso II, do art. 82, da Lei Orgânica,
que terão a seguinte redação:
Art. - 82 ...
...
II- ...
a) Para fins de preservação da probidade pública e
moralidade administrativa, é vedada a admissão e nomeação, para cargo, função
ou emprego público de pessoas que incidam nas hipóteses de inelegibilidade,
previstas na legislação federal, em especial a Lei Complementar n. 135, de 04
de junho de 2010.
b) No caso de servidores efetivos e dos empregados públicos,
a comprovação das condições de exercício do cargo e função pública, a que se
refere a alínea “a” deste inciso será feita no momento da posse ou admissão.
c) Os Diretores Municipais e demais cargos de chefia de
provimento comissionado deverá comprovar que estão em condições do exercício do
cargo, até o dia 31de janeiro.
d) é vedado o exercício da função de representante ou
conselheiro dos Conselhos Municipais ou Conselho Tutelar por pessoas que
incidam nos casos de inelegibilidade, previstas na legislação federal, em
especial a Lei complementar n. 135, de 04 de junho de 2010.
e) as entidades sem fins lucrativos que mantiverem contratos
ou recebam verbas públicas deverão comprovar que seus dirigentes não incidem
nas hipóteses de inelegibilidade, previstas na legislação federal sob pena de
não o fazendo terem rescindidos os contratos ou suspensos os recebimentos de
verbas.
f) Aplicam-se as disposições das alíneas ‘a’, ‘b’, ‘c’ aos
órgãos da administração direta e indireta, inclusive à Câmara Municipal de
Teodoro Sampaio.
g) As disposições das alíneas ‘a’, ‘b’, ‘c’, ‘d’, ‘e’ e ‘f’
deverão ser cumpridas imediatamente após a vigência das mesmas, devendo os
Diretores Municipais e servidores ocupantes de cargos em comissão em exercício,
comprovar que não incidem nos casos de inelegibilidade previstos na Lei
Complementar n. 135/2010 e demais da legislação federal, no prazo máximo de 60
(sessenta) dias contados da publicação das referidas alíneas.
Art. 2º - Esta Emenda entrará em vigor na data de sua
publicação, revogadas as disposições em contrário.”
Como se pode observar, referidos dispositivos vedam a admissão e nomeação, para cargo, função ou emprego público tanto de servidores do Poder Executivo, da Administração Direta ou Indireta, como do Poder Legislativo, ou o exercício da função de representante ou Conselheiro dos Conselhos Municipais ou Conselho Tutelar e, ainda, de dirigentes das entidades sem fins lucrativos que mantiverem contratos ou receberem verbas públicas, que incidam nas hipóteses de inelegibilidade, previstas na Lei Federal n. 135, de 04 de junho de 2010. Emenda de autoria parlamentar.
O parâmetro exclusivo do controle de
constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato
normativo municipal é a Constituição Estadual, consoante dispõe o art. 125, §
2º, da Constituição Federal, razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste
com normas da Lei Orgânica ou da Constituição Federal.
Não há qualquer invasão da competência normativa da
União.
A Emenda não impôs proibições de ordem civil, penal
ou eleitoral, e, por essa razão, não é possível concluir que tratou de matérias
que são reservadas à competência normativa federal disposta no art. 22, I, da
Constituição Federal, eis que não dispôs sobre eleições, mandatos ou
responsabilidade criminal.
Portanto, laborou na esfera de competência própria
do Município, atuando no círculo de atribuições decorrente de sua autonomia
emergente dos arts. 29 e 30 da Constituição Federal, ao vedar a admissão e
nomeação, para cargo, função ou emprego público tanto de servidores do Poder
Executivo, da Administração Direta ou Indireta, como do Legislativo, ou o
exercício da função de representante ou Conselheiro dos Conselhos Municipais ou
Conselho Tutelar e, ainda, de dirigentes das entidades sem fins lucrativos que
mantiverem contratos ou receberem verbas públicas, que incidam nas hipóteses de
inelegibilidade, previstas na Lei Federal n. 135, de 04 de junho de 2010.
Também não há violação ao princípio da separação de
poderes. Convém obtemperar que não se situa no domínio da reserva da
Administração ou da discricionariedade administrativa o estabelecimento de
condições para o provimento de cargos públicos. É tradicional, no Direito
brasileiro, cláusula da reserva legal a respeito do assunto, e que se encontra
hospedada no art. 37, I, da Constituição Federal, reproduzida no art. 115, I,
da Constituição do Estado.
Oportuno lembrar, ainda, salutar admoestação do
Marquês de São Vicente, mui
apropriada ao caso:
“A arte e o tino do governo está em assinar aos homens que reúnem o talento à probidade o lugar que lhes compete, não só para que o auxiliem, como para que não lhe criem embaraços e não procurem abrir carreira, forçando as traves que lhe são opostas” (José Antonio Pimenta Bueno. Direito Público Brasileiro e análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958, pp. 379-433, RT 731/678).
O
ponto central de discussão reside, sob o color do princípio da separação de
poderes, em decifrar se a iniciativa legislativa para o provimento de cargos no
que tange à Administração Direta e Indireta é reservada ou não ao Chefe do
Poder Executivo.
A
primeira impressão, extraída do art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição Estadual,
que reproduz o art. 61, § 1º, II, a e
c, da Constituição Federal, tende a
uma resposta positiva.
Porém,
essa questão recebeu diferente tratamento em situação absolutamente similar,
consistente na edição de regras de combate ao nepotismo. Afinal, a exigência de honorabilidade para o
provimento de cargos públicos é algo que se situa no raio de incidência do
princípio da moralidade administrativa (art. 37, Constituição Federal; art.
111, Constituição Estadual), base que une a legislação reacionária ao nepotismo
e de adoção da “ficha limpa” no provimento de cargos públicos comissionados.
Se,
como naquela hipótese semelhante, concluiu-se que o princípio da moralidade
administrativa era bastante para orientar a criação e a interpretação de norma
restritiva, a solução deste caso deve adotar idênticas premissas, lembrando-se
que, com razão, Diógenes Gasparini não visualizou a proibição do nepotismo nas
matérias da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (“Nepotismo
político”, in Corrupção, Ética e
Moralidade Administrativa, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008, pp. 73-98).
E
no julgamento da questão o Supremo Tribunal Federal decidiu que:
“A norma insculpida no § 1º do artigo 61 da Carta Federal, mais precisamente na alínea ‘a’ do inciso II, há que ter alcance perquirido sem apego exacerbado à literalidade. É certo que são da iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, ou aumento de sua remuneração (...) Evidentemente, está-se diante de preceitos jungidos à atividade normativa ordinária, não alcançando o campo constitucional, porquanto envolvidos aqui interesses do Estado de envergadura maior e, acima de tudo, da necessidade de se ter, no tocante a certas matérias, trato abrangente a alcançar, indistintamente, os três Poderes da República. Assim o é quanto ao tema em discussão. Com a Emenda Constitucional nº 12 à Carta do Rio Grande do Sul, rendeu-se homenagem aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da isonomia e do concurso público obrigatório, em sua acepção maior. Enfim, atuou-se na preservação da própria res pública. A vedação de contratação de parentes para cargos comissionados - por sinal a abranger, na espécie, apenas os cônjuges, companheiros e parentes consanguíneos, afins ou por adoção até o segundo grau (pais, filhos e irmãos) - a fim de prestarem serviços justamente onde o integrante familiar despontou e assumiu cargo de grande prestígio, mostra-se como procedimento inibidor da prática de atos da maior repercussão. Cuida-se, portanto, de matéria que se revela merecedora de tratamento jurídico único - artigo 39 da Carta de 1988, a abranger os três Poderes, o Executivo, o Judiciário e o Legislativo, deixando-se de ter a admissão de servidores públicos conforme a maior ou menor fidelidade do Poder aos princípios básicos decorrentes da Constituição Federal” (STF, ADI 1.521-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 12-03-1997, m.v., DJ 17-03-2000, p. 02, RTJ 173/424).
Esse
posicionamento é perfilhado no Supremo Tribunal Federal (STF, RE 183.952-RS, 2ª
Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 19-03-2002, v.u., DJ 24-05-2002, p. 69; STF,
RE 372.911-SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 03-04-2007, DJ 08-06-2007, p. 94) e
neste egrégio Tribunal de Justiça (TJSP, ADI 71.670-0/1-00, Órgão Especial,
Rel. Des. Fortes Barbosa, 17-10-2001; TJSP, ADI 148.788-0/5-00, Órgão Especial,
Rel. Des. Ivan Sartori, v.u., 19-09-2007).
Há
que se ponderar, nesta quadra, a diferença entre requisitos para o provimento
de cargos públicos - matéria situada na iniciativa legislativa reservada ao
Chefe do Poder Executivo (STF, ADI 2.873-PI, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen
Gracie, 20-09-2007, m.v., DJe 09-11-2007, RTJ 203/89) - e condições para o
provimento de cargos públicos - que não se inserem na aludida reserva, e estão
no domínio da iniciativa legislativa comum ou concorrente entre Poder
Legislativo e Poder Executivo – porque não se referem ao acesso a cargo
público, mas, à aptidão para o seu exercício.
Registre-se
que no julgamento da ação direta nº 0301346-30.2011.8.26.000, esse Colendo
órgão Especial rechaçou, em situação análoga, a alegação de
inconstitucionalidade:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal
n° 3.441, de 30 de setembro de 2011, de Mirassol - Projeto de iniciativa de
Vereador – Diploma legislativo que dispõe sobre a nomeação para cargos em
comissão no âmbito dos órgãos do Poder Executivo, Poder Legislativo Municipal e
Autarquias de Mirassol e dá outras providências – Estabelecimento de restrições
à nomeação de pessoa para o exercício de função pública inerente ao cargo em
comissão - Restrições semelhantes à estabelecida pela "Lei da Ficha
Limpa" (LC n° 135/2010) - Moralidade administrativa que se revela como
princípio constitucional da mais alta envergadura - Exigência de honorabilidade
para o exercício da função pública que não se insere nas matérias de reserva de
iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo - Ausente o vício de
iniciativa - Exonerações de servidores contratados em descompasso com esta lei
que não consubstancia aplicação retroativa do diploma legal - Precedentes deste
Órgão Especial que cuidaram de situações análogas neste mesmo sentido Lei
Municipal reputada constitucional - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada improcedente, revogada a liminar”.
O mesmo raciocínio anteriormente feito deve ser utilizado para justificar a não admissão do exercício da função de representante ou de Conselheiro dos Conselhos Municipais ou do Conselho Tutelar e, ainda, de dirigentes das entidades sem fins lucrativos que mantiverem contratos ou receberem verbas públicas, por “pessoas que incidam nas hipóteses de inelegibilidade, previstas na legislação federal, em especial a Lei Complementar n. 135, de 04 de junho de 2010”, observando-se que tais casos, igualmente, não tratam de matéria de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo.
Posto isso, o parecer é no sentido da improcedência da ação direta, declarando-se a constitucionalidade da Emenda n. 01/2012, que acresceu as alíneas “a”, “b”, “c”, “d”, “e”, “f” e “g” ao inciso II do art. 82 da Lei Orgânica Municipal de Teodoro Sampaio.
São Paulo, 03 de outubro de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb