Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0162410-88.2012.8.26.0000

Requerente: Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de São José dos Campos

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 467/2012, do Município de São José dos Campos, que acrescenta o artigo 52-B à Lei Complementar nº 56, de 24 de julho de 1992, que "Dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos do Município, de suas Fundações e Autarquias" e altera a Lei Complementar nº 452, de 08 de dezembro de 2011, que "Reestrutura a Secretaria de Administração e a Secretaria de Assuntos Jurídicos, e dá outras providências".

1.                 Parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF), razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste direto com normas da Constituição Federal ou de legislação infraconstitucional.

2.                 Modificação da gratificação a servidor público efetivo designado para cargo comissionado. Possibilidade de opção por critérios diversos de aferição da gratificação vinculados a situação pessoal e funcional do servidor. Embora com reflexo nos vencimentos, a nova disciplina dada à gratificação não

se confunde com revisão geral anual da remuneração (CF art. 37, X). Vantagem pecuniária concedida de maneira objetiva e abrange toda a categoria de servidores públicos que se achem naquela situação. Inexistência de violação ao princípio da isonomia de vencimentos (art. 124, § 1º da Constituição Estadual). 

4. Regime de subsídio não veda o acréscimo de vantagem pecuniária que por sua natureza, compatibilidade e razoabilidade atenda efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço. (Exegese dos arts. 39, § 3º da CF e art. 128 da CE).  Inexistência de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de São José dos Campos, tendo por objeto a Lei Complementar nº 467/2012, do Município de São José dos Campos, que acrescenta o artigo 52-B à Lei Complementar nº 56, de 24 de julho de 1992, que "Dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos do Município, de suas Fundações e Autarquias", e altera a Lei Complementar nº 452, de 08 de dezembro de 2011, que "Reestrutura a Secretaria de Administração e a Secretaria de Assuntos Jurídicos, e dá outras providências".

Sustenta o autor, em síntese, ofensa ao art. 39, § 4º, da Constituição Federal e ao art. 124, § 1º, da Constituição Estadual porque ao conceder benefício exclusivo aos cargos de provimento em comissão, violou o princípio da isonomia de vencimentos assegurada aos servidores públicos. Alude ainda à violação do art. 73 da Lei nº 9.504/97, que veda a revisão geral da remuneração dos servidores públicos em ano de eleição.

O pedido de liminar foi indeferido (fls. 118/119).

Notificado regularmente (fls. 493), o Prefeito Municipal de São José dos Campos apresentou informações a fls. 131/152, levantando preliminares de irregularidade na procuração por não consignar poderes específicos para impugnar a inconstitucionalidade; de ilegitimidade de parte, porque a pessoa que conferiu a procuração não tem poderes para representar o sindicato; e de carência de ação e de inépcia da inicial, porque não aponta qualquer parâmetro da Constituição Estadual para o controle da constitucionalidade do sindicato. No mérito, defendeu a constitucionalidade da Lei Complementar nº 467/2012.

Citada regularmente, a Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 495/496).

É a síntese do que consta dos autos.

DAS PRELIMINARES

Não há irregularidade na representação processual.

Nos termos do art. 32 do Estatuto do Sindicato requerente, compete à Coordenação Geral representar formalmente o Sindicato em juízo ou fora dele, podendo delegar poderes a um de seus membros (fls. 68).

Conforme a ata de reunião de diretoria colegiada do Sindicato requerente, a Coordenação Geral atribuiu poderes ao Coordenador da Secretaria de Assuntos Institucionais José Maria de Carvalho para representação judicial e extrajudicial da entidade (fls. 17/18).

Não se exige poderes especiais na procuração, quando a inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade é subscrita por advogado, nos termos do Parágrafo Único do art. 3º da Lei nº 9.868/99.

O precedente transcrito nas informações do Prefeito Municipal de São José dos Campos reporta-se à exigência de poderes especiais na representação processual de pessoas jurídicas de direito público.

Em relação às preliminares de carência de ação e inépcia da inicial, a ação deve ser conhecida tão somente em relação à alegação de violação ao art. 39, § 4º, da Constituição Federal e ao art. 124, § 1º, da Constituição Estadual.

Sabe-se que, no âmbito estadual, o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF), razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste direto com normas da legislação infraconstitucional.

Ofensa à legislação infraconstitucional, no caso a Lei nº 9.504/97 (Lei Eleitoral), não é suficiente para deflagrar o processo objetivo de controle de constitucionalidade. A crise de legalidade, ou seja, a ofensa reflexa ao texto constitucional, não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional.

A normatização federal infraconstitucional não é parâmetro para fins de controle concentrado de constitucionalidade da lei local.

A análise a ser feita, para fins de ajuizamento de ação direta, limita-se ao confronto entre a lei local e a Constituição do Estado. Em outras palavras, só as inconstitucionalidades diretas, não as reflexas ou indiretas, podem ser objeto de controle concentrado perante a Corte Constitucional.

NO MÉRITO

A Lei Complementar nº 467/2012, do Município de São José dos Campos, acrescentou o artigo 52-B à Lei Complementar nº 56, de 24 de julho de 1992, que “Dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos do Município, de suas Fundações e Autarquias", e altera a Lei Complementar nº 452, de 08 de dezembro de 2011, que "Reestrutura a Secretaria de Administração e a Secretaria de Assuntos Jurídicos, e dá outras providências".

As alterações operadas através da referida Lei Complementar dizem respeito à modificação da gratificação prevista para os servidores titulares de cargo efetivo ou função pública designados para o exercício de cargo de provimento em comissão.

De acordo com a reestruturação da gratificação, seu valor poderá ser determinado por três critérios:

a.     gratificação no valor da diferença entre o vencimento do seu cargo ou função e do cargo em comissão para o qual tenha sido designado;

b.      gratificação em percentual estabelecido sobre os vencimentos de seu cargo efetivo;

c.       gratificação em percentual estabelecido sobre os vencimentos do cargo em comissão;

Conferiu-se ao servidor a opção pela escolha do regime de gratificação que lhe for mais conveniente.

A vantagem pecuniária disciplinada pela Lei Complementar em análise tem como pressuposto o exercício de cargo de provimento em comissão por servidor efetivo. Por ser vantagem inerente a determinado cargo ou função que exige uma particular dedicação para o bom desempenho, seria classificada como adicional de função levando em consideração o magistério de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed. At., Malheiros, 2007, p. 492/496).

Independente da terminologia utilizada (gratificação ou adicional), não se verifica qualquer incompatibilidade vertical com a Constituição Estadual.

A gratificação pelo exercício de cargo em comissão por servidor efetivo visa a estimular e a valorizar servidores de carreira que venham a desempenhar atribuições em grau de responsabilidade e hierarquia superior, demandando maior dedicação e empenho.

Tal vantagem pecuniária atende ao interesse público haja vista que visa a assegurar maior eficácia ao aproveitar funcionários de carreira para cargos e funções de direção, chefia ou assessoramento, disseminando proveitosamente seus conhecimentos e experiências na administração em benefício do serviço público.

Não se pode cogitar de violação ao princípio da isonomia de vencimentos, que em sua verdadeira acepção, significa tratar igualmente situações iguais, e de forma diferenciada situações desiguais.

Daí ser possível aduzir que viola o princípio da igualdade tanto o tratamento desigual para situações idênticas, como o tratamento idêntico para situações que são diferenciadas (cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3. ed., 12. tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p. 35; José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 215).

A diferenciação feita pelo legislador é possível, quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diversidade de tratamento, pois a igualdade pressupõe um juízo de valor, e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que apenas ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da constituição, 3. ed., Coimbra, Livraria Almedina, 1998, p. 400/401).

Estabelece o § 1º do art. 124 da Constituição Estadual que a lei deve assegurar aos servidores da Administração direta isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.

A gratificação pelo desempenho de cargo de provimento em comissão por parte de servidores titulares de cargo efetivo ou de função pública na administração são vantagens pecuniárias concedidas de maneira objetiva e abrange toda a categoria de servidores públicos que se achem naquela situação.

Não há qualquer fundamento lógico e racional, ou orientado pelo bom senso, que indique a necessidade de destinar a gratificação aos servidores públicos em geral.

A modificação dos valores da gratificação por desempenho de cargo comissionado por servidor público, embora tenha reflexo nos vencimentos, não se confunde com revisão geral anual da remuneração (CF art. 37, X).

No que se refere à alegação de violação do art. 39, § 4º, da Constituição Federal, o pedido não procede.

A gratificação disciplinada pelo ato normativo impugnado, embora possa ser aplicada aos servidores nomeados para os cargos de Secretário Municipal, sujeitos ao regime remuneratório do subsídio, não viola a regra do art. 39, § 4º, da CF.

A vedação do acréscimo de qualquer gratificação a parcela única do subsídio, instituída pelo art. 39, § 4º, da CF, não é absoluta, haja vista previsão do § 3º do mesmo artigo que assegura a todos os servidores públicos outras vantagens pecuniárias.

Assim, não se pode afirmar peremptoriamente que o regime de subsídio veda o acréscimo de qualquer vantagem pecuniária. Deve-se, ao contrário, analisar a natureza, compatibilidade e razoabilidade da vantagem que será acrescida à parcela única do subsídio.

No caso em análise, não se trata de vantagem pecuniária especificamente criada para cargo submetido ao regime de subsídio, mas destinada a servidores titulares de cargos efetivos ou função pública que eventualmente sejam nomeados para outros cargos de provimento em comissão, dentre eles o de Secretário Municipal.

Nestes termos, a gratificação tem amparo no art. 128 da Constituição Estadual que não veda a instituição de vantagem de qualquer natureza quando atenda efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

Posto isso, o parecer é no sentido da improcedência da ação direta, declarando-se a constitucionalidade da Lei Complementar nº 467/2012, do Município de São José dos Campos, que acrescentou o artigo 52-B à Lei Complementar nº 56, de 24 de julho de 1992.

 

São Paulo, 10 de dezembro de 2012.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

 

 

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