Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0169783-73.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Suzano

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Suzano

 

Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 4.278/09 do Município de Suzano.  Publicidade dos valores e dados sobre obras públicas nas placas respectivas. Iniciativa parlamentar. Violação ao princípio da separação de poderes inexistente. Inadmissibilidade da alegação de falta de recursos financeiros. Improcedência da ação. 1. Não há lugar para arguição de violação do princípio da separação de poderes em norma local que aumenta o grau de transparência administrativa determinando a indicação dos valores e dados de obras públicas nas respectivas placas face à inexistência de reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo ou de reserva da Administração. 2. Além de demandar prova de matéria de fato inadmissível no contencioso de constitucionalidade, a ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão somente a sua aplicação naquele exercício financeiro.

 

Colendo Órgão Especial:

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade contestando a Lei n. 4.278, de 10 de fevereiro de 2009, do Município de Suzano, de iniciativa parlamentar, que obriga à publicidade de valores e dados sobre obras públicas nas placas respectivas, sob alegação de violação aos arts. 5º, 25, 111, 144, da Constituição Estadual (fls. 02/13).

2.                Concedida liminar (fl. 27), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo objurgado (fls. 69/71) e as informações foram prestadas (fls. 36/37).

3.                É o relatório.

4.                Em se tratando de processo legislativo é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido:

“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

5.                Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

6.                Fixadas estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

 

As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

 

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36). 

7.                Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144). Não se verifica nesse preceito reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira expressa ao objeto da lei impugnada.

8.                Tampouco o assunto se insere no art. 47 que institui a competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo que consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração - que veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.

9.               A questão é de incremento dos níveis de transparência administrativa, permitindo à população o conhecimento e a vigilância sobre as ações estatais e correlatos dispêndios.

10.              Ela se insere no âmbito do princípio da publicidade administrativa, previsto no art. 111 da Constituição Estadual.

11.              O Supremo Tribunal Federal já decidiu que:

“Lei disciplinadora de atos de publicidade do Estado, que independem de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, visto que não versam sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da Administração Pública. Não-incidência de vedação constitucional (CF, artigo 61, § 1º, II, e)” (STF, ADI-MC 2.472-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Correa, 12-03-2002, v.u., DJ 03-05-2002, p. 13).

12.              E este egrégio Tribunal de Justiça julgou que:

“Ação declaratória de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Iniciativa parlamentar.

1. Compete ao Executivo dispor a respeito dos serviços públicos criando-os, expandindo-os, reduzindo-os ou extinguindo-os consubstanciando, com exclusividade, a direção superior da administração (art. 47, II, CE).

2. A Lei de iniciativa parlamentar, que não cria serviço oneroso por já existir, mas só dispõe sobre inserção no site de dados objetivos da transparência da administração, quer em relação ao Executivo quer ao Legislativo, não viola os artigos 5º, 25 e 47, II, c.c. 144 da CE.

Ação julgada improcedente” (TJSP, ADI 0196610-92-2010-8-260000, Órgão Especial, Rel. Des. Laerte Sampaio, v.u., 09-02-2011).

13.              Tampouco prospera a discussão sob o color do art. 25 da Constituição Estadual ou de violação à competência normativa da União para edição de normas gerais de licitações e contratos administrativos.

14.               Quanto a esta última tese, a matéria objeto da lei impugnada não tem como objeto aquilo que foi reservado à competência normativa federal, estando situado no âmbito do interesse local (art. 30, I, Constituição Federal).

15.              E era desnecessária qualquer indicação de recursos financeiro-orçamentários para atendimento dos encargos decorrentes da lei seja porque ela já está em vigor há mais de 02 (dois) anos seja porque se trata de matéria de fato a demandar dilação probatória, o que é inadmissível nesta estreita via processual.

16.              Neste sentido:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Leis federais 11.169/2005 e 11.170/2005, que alteram a remuneração dos servidores públicos integrantes dos Quadros de Pessoal da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Alegações de vício de iniciativa legislativa (arts. 2º, 37, X, e 61, § 1º, II, a, da CF); desrespeito ao princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Carta Magna); e inobservância da exigência de prévia dotação orçamentária (art. 169, § 1º, da CF). (...) A ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão somente a sua aplicação naquele exercício financeiro. Ação direta não conhecida pelo argumento da violação do art. 169, § 1º, da Carta Magna. Precedentes: ADI 1.585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ de 3-4-1998; ADI 2.339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ de 1-6-2001; ADI 2.343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ de 13-6-2003. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, na parte conhecida, julgada improcedente” (STF, ADI 3.599-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 21-05-2007, v.u., DJe 14-09-2007, RTJ 202/569).

17.              Opino pela improcedência da ação.

                   São Paulo, 12 de novembro de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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