Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0185973-14.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Ribeirão Preto

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Ribeirão Preto

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 2.457, de 29 de junho de 2011, do Município de Ribeirão Preto. Falta de capacidade postulatória isolada do Procurador. Irregularidade sanável. Diligência alvitrada. Preliminar de falta de interesse de agir. Obras e Uso e ocupação do solo urbano. Polícia administrativa. Distância mínima de postos de serviços de abastecimento de veículos. Iniciativa parlamentar. Inexistência de ofensa ao princípio da separação de poderes. Inobservância de participação comunitária no processo legislativo. Procedência da ação. 1. Na ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal, legitimado ativo é o Prefeito do Município (art. 90, II, CE/89) e considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo procurador, sendo necessária a regularização. 2. A inconstitucionalidade é vício que não se convalida com o tempo, sendo insuscetível arguição de prescrição ou decadência. 3. A legitimatio ad causam não é limitada ao agente político no exercício de mandato contemporâneo à lei impugnada. 4. O controle de constitucionalidade de lei municipal por via de ação direta tem como exclusivo parâmetro a CE/89, não servindo ao contraste disposições da CF/88 que não são de observância obrigatória, ou que não foram reproduzidas ou imitadas na CE/89, nem preceitos da legislação infraconstitucional ou da Lei Orgânica do Município. 5. LC 2.457/11 que alterou o art. 5º da LC 1.508/03 que disciplina a construção e o funcionamento de postos de serviços de abastecimento de veículos, aumentando a distância mínima em relação a hospitais, delegacias, quartéis, creches, escolas, é matéria da polícia administrativa municipal, regulando obras e uso e ocupação do solo urbano.  6. Alegação de revogação precedente da LC 1.508/03 pela LC 2.158/07 e pela LC 2.157/07 que, além de pertencer à crise de legalidade, não foi comprovada. 7. Matéria objeto da lei impugnada que não se insere na reserva da Administração, mas, na reserva de lei em sentido formal, por instituir limitação administrativa ao particular, que também não é da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. 8. Lei impugnada que não é de efeito concreto por ter grau suficiente de abstração, indeterminação e generalidade, requisitado aos atos normativos. 9. Considerando o conceito de causa de pedir aberta inerente à sindicância objetiva de constitucionalidade de lei ou ato normativo, é possível o contraste da norma impugnada com preceito da CE/89 que exige, em matéria de ordenamento urbano, a observância da participação comunitária no respectivo processo legislativo (art. 180, II, CE/89). 10. Procedência da ação.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei Complementar n. 2.457, de 29 de junho de 2011, do Município de Ribeirão Preto, sob alegação de incompatibilidade com os art. 5ºda Constituição Estadual (fls. 02/11).

2.               Concedida a liminar (fl. 39), o douto Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo contestado (fls. 49/50) e as informações suscitam preliminar de ilegitimidade ativa e, no mérito, defendem a constitucionalidade da lei contestada por não haver violação dos arts. 5º, 37 e 47, II, III e XIV, da Constituição do Estado (fls. 52/56).

3.                É o relatório.

4.                A petição inicial é subscrita apenas por douto advogado público (fl. 11) constituído pelo Prefeito sem mandato específico (fls. 12/13).

5.                A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador do Estado de Pernambuco ajuíza ação direta de inconstitucionalidade, na qual alega que a decisão 123/98 do Tribunal de Contas da União, ao exigir autorização prévia e individual do Senado Federal para as operações de crédito entre os Estados e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, teria afrontado as disposições dos artigos 1º e 52, incisos V e VII, da Constituição Federal.

2.      Entende possuir legitimidade para a ação, em face dos reflexos do ato impugnado sobre o Estado.

3.      É a síntese do necessário.

4.      Decido.

5.        Verifico que a ação, embora aparentemente proposta pelo Chefe do Poder Executivo estadual, está apenas assinada pelo Procurador-Geral do Estado. De plano, resulta claro que o signatário da inicial atuou na estrita condição de representante legal do ente federado (CPC, artigo 12, I), e não do Governador, pessoas que não se confundem.

6.      A medida constitucional utilizada revela instituto de natureza excepcional, em que se pede ao Supremo Tribunal Federal que examine a lei ou ato normativo federal ou estadual, em tese, para que se proceda ao controle normativo abstrato do ato impugnado em face da Constituição.

7.      Com efeito, cuida ela de processo objetivo sujeito à disciplina processual própria, traçada pela Carta Federal e pela legislação específica - Lei 9.896/99. Inaplicáveis, assim, as regras instrumentais destinadas aos procedimentos de natureza subjetiva.

8.      O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01).

9.     Por essa razão, inclusive, reconhece-se à referida autoridade, independentemente de sua formação, aptidão processual plena ordinariamente destinada apenas aos advogados (ADIMC 127-AL, Celso de Mello, DJ 04.12.92), constituindo-se verdadeira hipótese excepcional de jus postulandi.

10.     No caso concreto, em que pese a invocação do nome do Governador como sendo autor da ação (fl.2), a alegada representação pelo signatário não restou demonstrada. Indiscutível, é que a medida foi efetivamente ajuizada pelo Estado, na pessoa de seu Procurador-Geral, que nesta condição assinou a peça inicial.

11.     Ante essas circunstâncias, com fundamento no artigo 21, § 1º do RISTF, bem como nos artigos 3º, parágrafo único e 4º da Lei 9.868/99, não conheço da ação” (STF, ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001, p. 40).

6.                Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

7.                Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial e consequente inadmissibilidade da forma isolada pelo advogado.

8.                Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

9.                Esse entendimento foi direcionado também para os integrantes da advocacia pública.

10.              Assim sendo, opino, preliminarmente, pela intimação do autor para subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

11.              A preliminar suscitada nas informações não merece amparo.

12.              Articula-se falta de interesse de agir da atual Chefe do Poder Executivo porque “na época da publicação da LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL N. 1508/2003, ora objeto da declaração de inconstitucionalidade” outrem se encontrava no exercício desse mandato, acrescentando a ocorrência de “prescrição ou decadência” nos termos da Lei n. 9.784/99, “convalidando-se assim, e legitimando a alteração ora proposta, pela LEI COMPLEMENTAR N. 2.547, de 29/06/2011” (fls. 52/53).

14.              Não bastasse a inexistência de prescrição ou decadência no controle concentrado de constitucionalidade, a legitimidade ativa pertence ao Chefe do Poder Executivo pouco importando se contemporâneo o ato normativo impugnado ao temporário titular do mandato.

15.              A inconstitucionalidade é vício que não se convalida com o tempo e o acolhimento da preliminar destoaria do princípio da impessoalidade porque, embora, a legitimatio ad causam pertença ao Chefe do Poder Executivo não é limitada ao agente político no exercício de mandato contemporâneo à lei impugnada.

16.              O controle de constitucionalidade de lei municipal por via de ação direta tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, Constituição Federal), não servindo ao contraste disposições da Constituição Federal que não são de observância obrigatória, ou que não foram reproduzidas ou imitadas na Constituição Estadual, nem preceitos da legislação infraconstitucional ou da Lei Orgânica do Município.

17.              A Lei Complementar n. 2.457, de 29 de junho de 2011, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal após a rejeição do veto aposto pelo Chefe do Poder Executivo, assim prevê:

“Artigo 1º - Dá nova redação ao ‘caput’ do artigo 5º da Lei Complementar nº 1508/2003, que passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 5º - Os postos de serviços de abastecimento de veículos deverão manter distância mínima de 300 (trezentos) metros de hospitais, estabelecimentos de segurança pública, tais como delegacias e quartéis, escolas, creches e instituições de ensino.

§ 1º - As instituições citadas no ‘caput’ deste artigo também deverão respeitar a mesma distância dos postos de serviços de abastecimento de veículos, ressalvando-se as instituições já instaladas de fato de forma comprovada até a publicação da presente lei.

§ 2º - Os pedidos de alvarás de construções de postos de serviços de abastecimento de veículos protocolizados até a publicação desta Lei Complementar, ficarão isentos das exigências contidas no artigo 5º e seu § 1º.’

Artigo 2º - Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário” (fls. 32/33).

18.              A primeira questão a enfrentar é acerca da vigência ou não da Lei Complementar n. 1.508/03 em razão da alegação contida na petição inicial de que a matéria é regulada pelas Leis Complementares n. 2.158/07 e n. 2.157/07 que a revogaram (fl. 03).

19.              Sua análise é empolgante porque, sendo procedente, não haveria espaço ao conflito de constitucionalidade, mas, isto sim, oportunidade à crise de legalidade que não é suscetível de solução nesta via.

20.              A requerente não promoveu a juntada de exemplares autênticos das Leis Complementares n. 2.158/07 e n. 2.157/07 que, segundo expôs, revogaram a Lei Complementar n. 1.508/03, impossibilitando o exame da matéria, não servindo a tanto mera alegação de que ela está tratada no âmbito do plano diretor ou legislação de obras ou de uso e ocupação do solo urbano.

21.              As informações prestadas evidenciam que a Lei Complementar n. 1.508/03 alterada pela Lei Complementar n. 2.457/11 era o diploma legal que estabelecia o regramento local para construção e funcionamento de postos de serviços de abastecimento de veículos, tendo seu art. 5º a seguinte redação primitiva:

“Artigo 5º - Os postos de serviços de abastecimento de veículos deverão manter distância mínima de 100 (cem) metros de hospitais, estabelecimentos de segurança pública, tais como delegacias e quartéis.

§ 1º - A distância exigida no ‘caput’ será considerada tomando por base a menor distância entre os limites dos imóveis envolvidos.

§ 2º - Os pedidos de instalação de postos de serviços e abastecimentos de veículos localizados próximos à entradas de túneis, trevos, viadutos, dispositivos de retorno, rotatórias, canteiros centrais de avenidas e quaisquer dispositivos que compõem o sistema viário, dependerão de apresentação do projeto prévio.

§ 3º - Nos pedidos de instalação de postos de serviços e abastecimentos de veículos que envolvam implantação de vias de trânsito local, com previsão de entrada e saída de veículos, será ouvido o órgão ou empresa com competência para decidir sobre matéria voltada ao trânsito de veículos” (fls. 61/67).

22.              O cotejo entre as duas redações revela maior rigor do legislador e a adoção de solução de compromisso de regularização para situações anteriores.

23.              A matéria objeto da lei impugnada é tipicamente da polícia administrativa referente a obras (construções e edificações) e ao uso e ocupação do solo urbano, longe de caracterizar lei de efeito concreto por ter grau suficiente de abstração, indeterminação e generalidade, requisitado aos atos normativos.

24.              Não é possível imputar inconstitucionalidade por violação ao princípio da separação de poderes radicado na reserva da Administração (arts. 5º, 37 e 47, II, III e XIV, Constituição Estadual), espaço consentido à emissão de regras pela Administração Pública, não sujeitas à lei em sentido formal, sem a intervenção do Poder Legislativo.

25.              Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144).

26.              Não se verifica nesse preceito reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira expressa.

27.              Tampouco o art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) que outorga competência privativa do Chefe do Poder Executivo e que consagra sua atribuição de governo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração.

28.              Na espécie, a norma local impõe limitações da polícia administrativa, dirigidas a particulares – o que demanda lei em sentido estrito ou formal -, sujeitas à fiscalização do Poder Executivo, sem, no entanto, conferir-lhe nova obrigação, senão requisitos para licenciamento de instalação e funcionamento de atividades comerciais, o que desautoriza arguição de ofensa aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, 37 e 47, da Constituição Estadual.

29.              A Constituição Estadual reproduz o princípio da separação dos poderes (divisão funcional do poder) constante do art. 2º da Constituição Federal em seu art. 5º, assim como os preceitos de reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo dispostos no art. 61, § 1º, II, da Constituição Federal, no art. 24, § 2º.

30.              A disciplina do processo legislativo na Constituição Federal, inclusive das hipóteses de reserva de iniciativa legislativa, é de observância obrigatória nos Estados pelo princípio da simetria, o que se esparge aos Municípios, não bastasse o art. 144 da Constituição Estadual sujeitá-los aos preceitos da Constituição Federal e da Constituição Estadual.

31.              Em geral, a polícia de construções e edificações e de uso e ocupação do solo urbano no âmbito do Município não é matéria sujeita à iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (nem na reserva da Administração), situando-se na iniciativa comum ou concorrente.

32.              Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

33.              Fixadas estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36). 

34.                  Colhe-se da jurisprudência da Suprema Corte que a matéria respeitante à polícia administrativa em geral é da iniciativa legislativa concorrente:

“Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal, dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da Constituição Federal, da competência dos Municípios. 2. Inexiste norma que confira a Chefe do Poder Executivo municipal a exclusividade de iniciativa relativamente à matéria objeto do diploma legal impugnado. Matéria de competência concorrente. Inexistência de invasão da esfera de atribuições do Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido” (STF, RE 218.110-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, 02-04-2002, v.u., DJ 17-05-2002, p. 73).

35.              Portanto, não há lugar para a alegação de violação ao princípio de separação de poderes.

36.              Entretanto, e considerando o conceito de causa de pedir aberta inerente à sindicância objetiva de constitucionalidade de lei ou ato normativo (RTJ 200/91), é possível o contraste da norma impugnada com outros preceitos da Constituição Estadual.

37.              Em tema de desenvolvimento urbano, a Constituição Estadual exige a observância da participação comunitária (art. 180, II).

38.              A análise do projeto de lei, juntado com as informações, não revela a observância da necessária participação comunitária no processo legislativo.

39.              A ausência dessa formalidade essencial credencia a inconstitucionalidade da norma impugnada nesta via.

40.              O caput do art. 180 da Constituição Estadual determina que “no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão”, entre outros, “a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes”, disposta em seu inciso II.

41.              A norma constitucional radial foi violada, como se capta da jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas” (TJSP, ADI 163.559-0/0-00).

“ação direta de inconstitucionalidade – lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.

‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010).

42.              Opino pela preliminarmente, pela intimação do autor para subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito, pela rejeição da preliminar de falta de interesse de agir e procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 2.457/11 por sua incompatibilidade com o art. 180, II, da Constituição Estadual.

                   São Paulo, 14 de novembro de 2012.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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