Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0186841-89.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Louveira

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.258 de 13 de agosto de 2012, de Louveira

 

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 2.258 de 13 de agosto de 2012, de Louveira, de iniciativa parlamentar, que “Prevê monitoramento de imagens nos eventos privados de presença de grande público”.

2)      Inexistência de violação de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, ou mesmo do princípio da separação de poderes. Interpretação estrita da regra de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo. Precedentes do STF. Norma que não estabelece diretamente nenhum encargo para a administração pública como criação de cargos, aumento de despesas, alteração de regime jurídico de servidores, ou mesmo, modificação de rotina de serviços.

3)      Parecer no sentido da improcedência da ação direta.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito do Município de Louveira, tendo como alvo a Lei Municipal nº 2.258 de 13 de agosto de 2012, de Louveira, de iniciativa parlamentar, que “Prevê monitoramento de imagens nos eventos privados de presença de grande público”.

Aponta contrariedade ao disposto nos arts. 5º e 47, XVIII, da Constituição Estadual, sustentando, em síntese, ofensa ao princípio da separação dos poderes pela violação da iniciativa reservada do Executivo para desencadear o processo legislativo correspondente.

Foi indeferida a liminar (fls. 21).

Notificado (fls. 94), o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações defendendo o ato normativo impugnado (fls. 102/106).

Citada regularmente (fls. 100), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 96/97).

É a síntese do ocorrido nos autos.

Não se verifica qualquer incompatibilidade vertical da lei impugnada com a Constituição do Estado de São Paulo.

A Lei Municipal nº 2.258/2012, de Louveira, resultou de Projeto de Lei nº 035/2012, de iniciativa parlamentar, que teve o veto do executivo rejeitado pela Câmara Municipal.

Deve-se ressaltar, inicialmente, que a lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao Chefe do Poder Executivo, e tampouco houve violação ao princípio da separação de poderes por invasão da esfera da gestão administrativa.

A matéria sujeita à iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente. Nesse sentido é o entendimento pacífico do Colendo STF, ao interpretar o art. 61, § 1º, da CR/88, como se infere dos precedentes a seguir:

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no art. 61 da Constituição do Brasil – matérias relativas ao funcionamento da administração pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. (ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 2-4-2007, Plenário, DJE de 15-8-2008.)

(...)

iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que, por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo, deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. (...) (ADI 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-5-1992, Plenário, DJ de 27-4-2001, g.n.)

(...)”

No mesmo sentido os seguintes julgados: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006.

As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente: (a) criação e extinção de cargos e funções na administração direta ou indireta autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; (b) criação de órgãos públicos; (c) organização da Procuradoria-Geral do Estado e da Defensoria Pública; (d) servidores públicos e seu regime jurídico; (e) regime jurídico dos servidores militares; (e) criação, alteração e supressão de cartórios.

Isso decorre do art. 24, § 2º, ns. 1, 2, 3, 4, 5, 6, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da própria Carta Estadual (configurando reprodução das diretrizes contidas no art. 61, § 1º, da CR/88).

A leitura da lei impugnada permite ver claramente que ela não trata de nenhum desses assuntos.

Não há, no caso, qualquer vestígio nem mesmo tênue de desrespeito ao princípio da separação de poderes, estabelecido no art. 5º da Constituição do Estado (que reproduz o art. 2º da CR/88).

Seria possível afirmar a ocorrência de quebra da separação de poderes, caso a lei interferisse diretamente na gestão administrativa.

Há interferência direta do legislador na atividade do administrador, como tem reiteradamente reconhecido esse Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em casos de leis de iniciativa parlamentar que, por exemplo: (a) criam programas de governo a serem seguidos pelo Poder Executivo; (b) impõem ou vedam a prática de atos administrativos (contratos, permissões, concessões, autorizações, etc.); (c) concedem nomes a prédios públicos, praças ou vias públicas; (d) impõem a inserção de informações em comunicados enviados aos munícipes relativos ao lançamento de impostos; (e) criam sistemas de controle orçamentário, com imposição de envio periódico de informações do Executivo ao Legislativo, sem que haja correspondência com o modelo previsto na Constituição da República e aplicável por força do princípio constitucional da simetria; entre outros.

Em síntese: só é possível identificar a ocorrência da quebra do princípio da separação de poderes quando da lei resulta interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

Não é isso o que se verifica no caso em exame.

A Lei Municipal nº 2.258/2012 de Louveira, prevê a possibilidade de ser exigido pela administração apresentação de projeto de monitoramento de imagens por câmara filmadoras em evento privado temporário de presença de público superior a 2.000 (duas mil) pessoas.

A obrigação pela realização do monitoramento das imagens, se exigido, é de responsabilidade do promotor do evento.

Não decorre da lei qualquer imposição de atuação administrativa que não seja aquela decorrente de seu ordinário poder de polícia.

A lei impugnada não coacta a atuação administrativa, ao contrário, disciplina aspecto da prestação de serviço por promotores de eventos de grande público em prol do interesse local, mais especificamente da prevenção e segurança dos munícipes.

A obrigação do monitoramento de imagens em eventos com público superior a 2.000 (duas mil) pessoas, que a lei possibilita seja exigida de seus promotores, atende ao interesse público, pois se trata de medida de prevenção e auxílio à repressão na área da segurança dos munícipes.

Trata-se de iniciativa exercida dentro do escopo de aprimorar as condições de prestação de serviços aos munícipes. Esse aprimoramento das condições de atendimento por parte de promotores de eventos de grande público revela interesse local. Pode, portanto, ser objeto de lei municipal cuja iniciativa não é exclusiva do Poder Executivo.

Não obstante esse E. Órgão Especial já ter reconhecido a inconstitucionalidade de lei municipal que impunha obrigação semelhante (ADIN 994.09.228594-1, Rel Des. Maurício Vidigal , j. 2789.04.2010), a questão não é diversa em relação às leis municipais que impõe às agências bancárias obrigações em dotar o estabelecimento ou caixas eletrônicos de mecanismos, dentre eles monitoramento por câmeras,  para melhor segurança e atendimento aos usuários.

A este respeito o tratamento foi diverso, inúmeros são os precedentes desse C. Órgão Especial acerca da constitucionalidade das referidas leis municipais. Basta conferir as seguintes ementas, dentre elas, uma de acórdão de relatoria de Vossa Excelência:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei 4.682, de 26 de agosto de 2011 do Município de Mogi Guaçu. Possibilidade do Município de legislar sobre instalações de painel opaco entre os caixas e os clientes e câmeras de vídeo no entorno dos estabelecimentos bancários do Município. Constitucionalidade reconhecida. Não ocorrência de vício de iniciativa do projeto de lei por Vereador. Norma editada que não estabelece medidas relacionadas à organização da administração pública, nem cria deveres diversos daqueles genéricos ou mesmo despesas extraordinárias. Imposição de sanções em caso de descumprimento pelos estabelecimentos bancários que decorrem de descumprimento de norma de conduta. Irrelevância. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. O Município pode legislar sobre instalações de painel opaco entre os caixas e os clientes e câmeras de segurança no entorno dos estabelecimentos bancários, em favor dos usuários dos serviços, para lhes proporcionar segurança, na esteira, aliás, de precedentes do próprio Supremo Tribunal Federai A iniciativa do projeto de lei por Vereador em matéria dessa natureza não interfere na organização da Administração, mostrando-se irrelevante que o Executivo, na hipótese, tenha dever de fiscalizar ou impor, em sendo o caso, as sanções correspondentes às infrações. Ao Legislativo cabe editar normas abstratas, gerais e obrigatórias, ainda que voltadas apenas aos bancos e ao Executivo cabe a responsabilidade de executá-las, inclusive com fiscalização e imposição de penas.” (ADIN 0276050-06.2011.8.26.0000, Rel. Des. Kioitsi Chicuta, julgamento em 13-06-2012)

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Municipal n° 4.384/2009. Ato normativo de iniciativa de vereador, que dispõe sobre a obrigatoriedade de atendimento reservado, bem com vídeo de monitoramento nas agências bancárias no âmbito do Município e outras providências - Ausência de vício de iniciativa - Legalidade por se tratar de matéria ligada à segurança pública - Matéria de iniciativa não reservada ao Chefe do Poder Executivo - Inexistência de ilegalidade do Município na exigência de funcionamento de estabelecimentos bancários condicionado à instalação de equipamentos de segurança - Competência legislativa concomitante do Município - Matéria de interesse loca) - Efetiva legitimidade do Município para legislar sobre o tema - Finalidade de proporcionar proteção ao consumidor - Ação julgada improcedente.” (ADIN 0318796-20.2010.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, julgamento em 29-02.2012)

A matéria é pacífica no âmbito do Colendo STF. Confira-se: RE 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99.

O simples fato da previsão de que o Executivo regulamentará a Lei não caracteriza invasão de área da esfera de competência ou interferência direta por parte do legislador na atividade do administrador.

A lei poderá ou não ser regulamentada pelo Executivo. Da mesma forma é facultativa a exigência do monitoramento por imagens.

Se eventualmente para cumpri-la, será ou não necessária criação de novos cargos de fiscalização, ou mesmo se será ou não necessária atividade suplementar de servidores, e se isso provocará ou não maiores gastos por parte do Poder Público, é algo que dependerá essencialmente da opção político-administrativa, calcada na esfera da conveniência e oportunidade, a cargo do Chefe do Poder Executivo Municipal. E essa avaliação e decisão ocorrerão no âmbito administrativo, não decorrendo diretamente da lei impugnada.

Em suma, a lei impugnada não cria diretamente cargos, órgãos, ou encargos para a administração pública, nem regula diretamente a prestação de serviços pelo Poder Público, e tampouco gera diretamente qualquer despesa para a administração pública.

Entendimento diverso implicaria contrariedade à correta compreensão a respeito do princípio da separação de poderes, previsto no art. 2º da CR/88, bem como às hipóteses de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo, previstas no art. 61, § 1º, da CR/88, sendo necessário que esse Colendo Tribunal se manifeste a respeito, inclusive para fins de prequestionamento.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 2.258, de 13 de agosto de 2012, de Louveira.

 

São Paulo, 21 de novembro de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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