Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0194139-35.2012.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal da Estância Balneária de Ubatuba

Objeto: Lei nº 3.564, de 04 de julho de 2012, do Município de Ubatuba

 

 

Ementa:

1)       Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 3.564, de 04 de julho de 2012, do Município de Ubatuba, que “Dispõe sobre incentivos fiscais para bares, restaurantes, casas noturnas e similares que incentivam música ao vivo no âmbito do Município de Ubatuba e dá outras providências”.

2)       Lei tributária benéfica, de iniciativa de Vereador. Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente. Parecer pela improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal da Estância Balneária de Ubatuba , tendo por objeto a Lei nº 3.564, de 04 de julho de 2012, do Município de Ubatuba, que Dispõe sobre incentivos fiscais para bares, restaurantes, casas noturnas e similares que incentivam música ao vivo no âmbito do Município de Ubatuba e dá outras providências.

Sustenta o autor que a lei, de iniciativa parlamentar, vulnera o art. 5º da Constituição Estadual, pois é pacífico o entendimento da exclusividade do Chefe do Poder Executivo para o início do processo legislativo em se tratando de leis benéficas de natureza tributária.

  A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 20).

Notificado (fls. 28), o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações defendendo o ato normativo impugnado (fls. 34/38).

Citada regularmente (fls. 27) a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 30/32).

É a síntese do ocorrido nos autos.

A lei impugnada assim se encontra redigida:

"Art. 1º. Fica autorizada a instituição de incentivo fiscal a ser concedido a bares, restaurantes, casas noturnas e similares, e aos condôminos de shoppings, no Município de Ubatuba que incentivem a realização de eventos culturais com música ao vivo durante suas atividades e funcionamento.

Parágrafo único.   O incentivo fiscal a que se refere o caput deste artigo é o ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza)

Art. 2º.  O incentivo fiscal a que se refere o artigo anterior será oferecido em quaisquer eventos musicais, realizados por artistas residentes ou naturais do município, independentemente do tipo de música, estilo, número de artistas e instrumentos.

§ 1º.  A escolha e contratação dos artistas ficarão sob a responsabilidade do estabelecimento comercial, devendo, na medida do possível respeitar a diversidade cultural artística.

§ 2º. Não será exigido dos artistas contratados nenhum vínculo obrigatório com nenhuma entidade representativa de classe.

Art. 3º. O montante de isenção fiscal do imposto referido será de até 30% (trinta por cento) do valor mensal devido.

§ 1º. O gozo desse benefício será possível mediante pedido oficial, com comprovação de gastos em eventos de música ao vivo.

§ 2º. O benefício será concedido sempre no mês seguinte ao recolhimento do imposto devido.

Art. 4º. Dos valores auferidos no benefício, o estabelecimento poderá usar até 20% (vinte por cento) em despesas com infraestrutura e logística dos eventos musicais e todo o restante no pagamento dos artistas.

Art. 5º. A Fundação cultural de Ubatuba poderá estabelecer convênios com a Secretaria Municipal da Fazenda visando criar comissões de avaliação dos pedidos de isenção com vistas a agilizar a implementação desta Lei.

Art. 6º. O pagamento dos artistas não poderá ser inferior 80% (oitenta por cento) do valor da isenção.

Art. 7º. O estabelecimento comercial que não comprovar a correta aplicação dos recursos oriundos desta Lei, além das sanções penais cabíveis, será multado em até doze vezes o valor recebido como incentivo.

Parágrafo único. O acesso a toda documentação referente aos projetos culturais beneficiados por esta Lei será de livre acesso quando requisitado.

Art. 8º. As eventuais despesas decorrentes da aplicação desta Lei correrão a conta de dotações orçamentárias próprias, consignadas no orçamento vigente, e suplementadas se necessário.

Art. 9º. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da data de sua publicação.

Art. 10. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.  

O ato impugnado, como se vê, tem a natureza de norma tributária benéfica, porque concede isenção do ISSQN para bares, restaurantes e similares que possuem música ao vivo.

De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.

Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.

Colhe-se, em recente Acórdão, a comprovação dessa assertiva:

“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores de deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade” (ADIN nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann).

Essa orientação tem apoio em Carraza.

O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Roque Antonio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23ª ed., 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).

A orientação contrária, no entanto, apóia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).

Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nem violação ao princípio da tripartição dos poderes, na lei que institui benefício fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município.

E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em Acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:

“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008).

Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso (CF, art. 195, § 5º): precedentes” (ADI 3205/MS - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 19/10/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 17-11-2006 PP-00047)

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS EM SITUAÇÕES PRÉ-DEFINIDAS. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NÃO LEGISLOU SOBRE ORÇAMENTO, MAS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA CUJA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA ENCONTRA-SE SUPERADA. MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE” (ADI 2659/SC - Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 03/12/2003, Publicação DJ 06-02-2004 PP-00022).

É inequívoco que, ao permitir a concessão de isenção do ISSQN, a lei impugnada redimensionou para menos a receita.

Toda política pública, entretanto, tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.

As leis orçamentárias são flexíveis e podem se adaptar a nova realidade financeira decorrente do advento de algum benefício fiscal que traga reflexo nas receitas públicas.

Assim, o fato de ser a lei orçamentária de iniciativa privativa do Poder Executivo e a exigência de demonstração dos efeitos de benefícios tributários sobre as receitas e despesas (CF art.165, § 6º), não é motivo para fundamentar a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que os concedam.

Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade.

  São Paulo, 21 de novembro de 2012.

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

    - Jurídico -

 

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