PARECER EM AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
Processo nº 0195024-49.2012.8.26.0000
Autor: Prefeito Municipal de Macatuba
Objeto de impugnação: Lei Municipal nº 2.454, de 01 de agosto de 2012, de Macatuba.
Ementa:
1)
Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 2.454/2012, de Macatuba, de iniciativa
parlamentar, que “Define a prática de ‘assédio
moral’ nas dependências da administração pública municipal direta e indireta por
agentes públicos municipais e dá outras providências”.
2)
Matéria
pertinente ao funcionalismo público municipal. Iniciativa reservada ao
Executivo. Caracterizada a violação dos arts. 5.º e 24, § 2º, nº 4, da
Constituição do Estado de São Paulo. Precedentes do TJ/SP. Ação procedente.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Macatuba, tendo como alvo a Lei Municipal nº 2.454/2012, que “Define a prática de ‘assédio moral’ nas dependências da administração pública municipal direta e indireta por agentes públicos municipais e dá outras providências”.
Sustenta o autor, em síntese, que a lei impugnada violou os arts. 5º, caput e seus parágrafos, 24, § 2º, nº 4, 47, II e 144, da Constituição Estadual, art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal e art.42, inciso I, c, da Lei Orgânica Municipal, sob o fundamento de que se trata de matéria cuja iniciativa é exclusiva do Prefeito Municipal.
Foi deferida liminar para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 41/42).
Notificado, o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado (fls. 46/49).
Interpôs ainda o Presidente da Câmara Municipal embargos de declaração da decisão concessiva da liminar (fls. 54/56), que foram acolhidos para correção de erro material referente ao endereçamento da comunicação daquela decisão (fl.61).
Citado regularmente a fls. 68, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa para o ato normativo (fls. 70/71).
É a síntese do ocorrido nos autos.
O
pedido deve ser julgado procedente.
Nos temos dos arts. 18,
29, caput, e 30, incisos I a VII, da Constituição da República, e do
art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, os Municípios foram dotados de
autonomia administrativa e normativa, podendo legislar sobre os assuntos que
sejam de interesse local, inclusive sobre a organização do
funcionalismo, o seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e
aposentadoria, etc.
A autonomia
administrativa e normativa não pode ser confundida com soberania, porquanto a
própria Constituição – que é a fonte da qual promana todo o poder estatal -
impõe limites à atuação dos Municípios, ao exigir deles obediência aos
princípios estabelecidos nela própria e na Constituição do respectivo Estado,
conforme, aliás, reza o seu art. 29, ‘verbis’: “O Município
reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de
dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a
promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na
Constituição do respectivo Estado...”.
Dentre os princípios
constitucionais estaduais cuja observância é obrigatória pelos Municípios
destaca-se aquele previsto no art. 24, § 2.º, item 4, da Carta Paulista, por
força do qual somente o chefe do Poder Executivo detém a iniciativa das leis
que disponham sobre “servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de
cargos, estabilidade e aposentadoria.”
O dispositivo em comento
é simples reprodução de norma de observância obrigatória da Constituição da
República, mais precisamente o seu art. 61, § 1.º, incisos I e II, alíneas “a”
a “f”, que instituiu a reserva de iniciativa sobre
determinadas matérias em favor do Presidente da República, cumprindo rememorar
que, nos termos da jurisprudência assente no Supremo Tribunal Federal, “as
regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória
pelos Estados-membros (também extensíveis aos Municípios) em tudo aquilo que
diga respeito – como ocorre às que enumeram casos de iniciativa
legislativa reservada – ao princípio fundamental de independência e
harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da República.” (ADI
1.434-0/SP, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE, DJ, Seção I, 3
de fevereiro de 2000, pág. 3)
Na espécie, ao derrubar o
veto e publicar a Lei nº 2.454/2012, de origem iniciativa parlamentar,
fixando regras pertinentes ao funcionalismo público municipal, a Câmara de
Vereadores de Macatuba usurpou competência privativa do Prefeito, no
campo da iniciativa reservada das leis, restando configurada a violação do
princípio da independência e harmonia entre os poderes, que vem expressamente
consagrado no art. 5.º da Constituição do Estado de São Paulo.
Vale ressaltar que tal
entendimento tem prevalecido no âmbito desse egrégio Tribunal de Justiça,
conforme se verifica das ementas abaixo reproduzidas:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Ação
objetivando a desconstituição da Lei n. 2.117, de 25 de abril de 2005, do
Município de General Salgado, de iniciativa parlamentar, que, alterando o
regime jurídico do funcionalismo e tipificando o assédio moral, dispõe sobre a
sua caracterização, nas dependências da Administração Pública Municipal, e
aplicação de penalidades à sua prática, inclusive pelo Chefe do Poder Executivo
ou Legislativo, e dá outras providências, cujo veto, rejeitado pela Câmara –
Violação do princípio da independência e harmonia entre os poderes –
Interferindo em atividade tipicamente administrativa, e com evidente invasão de
atribuição reservada ao Poder Executivo, a hostilizada lei arrosta com o
princípio da independência e harmonia dos Poderes, instituído pelo artigo 5º da
Constituição do Estado – Normas legais que tratam da definição de infração,
inclusive, de natureza político-administrativa, bem como de seu processo e
julgamento, flagrantemente inconstitucionais, porque os municípios não dispõem
de competência para legislar sobre essa matéria – Matéria de iniciativa
reservada ao Chefe do Poder Executivo competente – Violação direta do princípio
constitucional da competência legislativa (Constituição Estadual, artigo 144,
c.c. os artigos 22, I, 24, XI, e 29, da CF) – Inconstitucionalidade da Lei n.
2.117, de 25 de abril de 2005, do Município de General Salgado, por afronta aos
artigos 5º e 144, da Constituição do Estado de São Paulo, combinados com os
artigos 22, I, 24, XI, e 29, da Constituição Federal – Ação procedente.” (ADI
n.º 123.183-0/1-00, Rel. Des. MOHAMED
AMARO, j. em 24.05.06, m.v.)
“Ação
Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal n° 10.195/2008, de São José do
Rio Preto, emanada de proposição do legislativo. Proibição da prática de
assédio moral por agentes públicos, nas dependências da Administração Pública
Local, com cominação de penalidades. Vício de iniciativa. Matéria relativa ao
regime jurídico dos servidores públicos e de iniciativa reservada ao chefe do
Poder Executivo. Violação dos arts. 5.o, caput, 24, §2.°, n° 4, e
144, da Constituição do Estado. Inconstitucionalidade declarada. Ação
procedente.” (ADI n.° 994.08.014483-2, Rel. Des. JOSÉ ROBERTO BEDRAN, j . em
11.2.2009)
“Ação
Direta de Inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de Presidente Prudente - Lei Municipal n° 6.123/03, que dispõe sobre
a aplicação de penalidades à prática de "assédio moral" nas dependências
da Administração Pública municipal direta e indireta por servidores públicos
municipais - Matéria cuja
iniciativa é reservada ao Chefe do Executivo – Vício de iniciativa configurado -
Violação nos artigos 5.o e 144, da Constituição do Estado
de São Paulo - Inconstitucionalidade
configurada - Ação procedente.” (ADI n.°
994.06.013802-0, Rel. Des. WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, j. em 19.9.2007)
“Ação
Direta de Inconstitucionalidade. Lei de iniciativa de vereador, que dispõe
sobre a aplicação de penalidade à prática de "assédio moral" nas
dependências da administração pública municipal por servidores públicos
municipais. Inadmissibilidade. Ato normativo que viola os princípios da
separação de poderes e o da iniciativa reservada de lei a Prefeito Municipal,
afrontando artigos da Constituição Estadual Paulista. Pedido procedente.” (ADI n°
994.06.011419-9, Rel. Des. CANELLAS DE GODOY, reg. 7.8.2007).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONAUDADE - Lei n° 3.600, de 18 de abril de 2008, do Município de
Guarujá – Lei de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre configuração do que
define "assedio moral" e prevê aplicação de penalidades à sua prática
por servidores públicos no âmbito do Poder Executivo e Legislativo do Município
- Vício de iniciativa caracterizado - Matéria que se insere no denominado
"regime jurídico do servidor", reservada ao Chefe do Poder Executivo
- Entendimento assentado em julgados do E. Supremo Tribunal Federal -
Inteligência do artigo 61, § 1o, inciso II, letra "c", da Constituição
Federal e artigo 24, §2°, n° 4 da Constituição do Estado de São Paulo,
dispositivos aplicáveis aos municípios por força do artigo 144 da Constituição
Paulista - Usurpação de competência privativa - Violação do princípio da
separação de poderes consagrado no artigo 5o da Constituição do Estado de São
Paulo - Precedentes deste C. Órgão Especial a respeito do tema - Ação
procedente - Inconstitucionalidade declarada.” (ADI n.º 0212042-54.2010.8.26.0000,
Rel. Des. JOSÉ REYNALDO, j. em 3/2/2011, v.u.)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. Lei
municipal, de autoria de membro do Poder Legislativo, que dispõe sobre a
prática de assédio moral no âmbito da administração pública direta e indireta.
Matéria relativa a exercício da administração direta municipal. Matéria de
iniciativa do chefe do Poder Executivo. Ofensa aos arts. 5o, "caput",
da CESP e art. 2 o da CF/88. Caracterização de vício de iniciativa.
Inconstitucionalidade formal subjetiva. Ação julgada procedente. (ADI nº 0327889-07.2010.8.26.0000,
Rel. Des. Roberto Mac Cracken, j. em 24/08/2011)
Diante do exposto, aguarda seja dada procedência ao pedido
para declarar a inconstitucionalidade
formal da Lei Municipal nº 2.454, de 01 de agosto de 2012, de Macatuba.
São Paulo, 14 de novembro de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca