Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0205868-92.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Monteiro Lobato

Objeto: Inconstitucionalidade do art. 59, § 5º da Lei Orgânica Municipal de Monteiro Lobato

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 59, § 5º da Lei Orgânica Municipal de Monteiro Lobato. Instituição de pensão vitalícia para cônjuge de Prefeito falecido durante o exercício do mandato eletivo.

2)      Procedência da ação. Criação de benefício sem a correspondente fonte de custeio total (art. 218 da Constituição Paulista). Ausência de interesse público para a concessão do benefício (art. 128 da Constituição Paulista).

3)      Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Monteiro Lobato, tendo como alvo o art. 59, § 5º da Lei Orgânica Municipal de Pontal.

Alega que o dispositivo contraria o artigo 218 da Constituição Paulista.

Foi indeferido o pedido de liminar (fls. 23), decisão esta mantida quando do julgamento de agravo regimental (fls. 179/184).

Foram prestadas informações pela Presidência da Câmara Municipal (fls. 141/148).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo impugnado (fls. 137/139).

É o relato do essencial

O dispositivo impugnado tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 59.

(...)

§ 5º. O cônjuge do Prefeito falecido no exercício do mandato, perceberá uma pensão vitalícia correspondente a ½ (meio) salário da remuneração do Prefeito, atualizada, quando comprovada sua insuficiência de recursos, para subsistência da família.

(...)”

Ocorre que tal dispositivo efetivamente revela-se inconstitucional.

A solução contida no ato normativo impugnado violou preceito constitucional expresso, segundo o qual “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total” (art. 195 § 5º da Constituição Federal, aplicável por força dos art. 218 e 144 da Constituição Estadual).

Pacífico é o entendimento a respeito da matéria, no Col. STF, conforme inúmeros precedentes, aqui indicados a título de exemplificação: RE 485.940, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-2-07, DJ de 20-4-07; RE 419.954 e RE 414.741, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-2-07, DJ de 23-3-07; RE 492.338, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 9-2-07, DJ de 30-3-07; ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-06, DJ de 17-11-06; entre outros.

A proibição de criação, majoração, ou extensão de benefício previdenciário sem a correspondente fonte de custeio total também tem sido afirmada por esse Col. Tribunal de Justiça de São Paulo, como se infere dos seguintes julgados:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 1703, de 10 de dezembro de 1990, que ‘Dispõe sobre a complementação de aposentadoria e pensão de servidores aposentados por tempo de serviço ou idade, das pensionistas e viúvas de ex-servidores aposentados ou falecidos enquanto na ativa e dá outras providências’. Criação de previdência complementar sem a definição de sua fonte de custeio integral. Vulneração dos artigos 144 e 218 da Constituição Estadual, pela ausência de estrita observância ao disposto no art. 195, § 5º, da Constituição Federal. Pedido julgado procedente’ (TJSP, ADI 153.965-0/5, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 26.03.08, v.u.).

(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2969/93 do Município de Birigui, que dispõe sobre a denúncia de convênio firmado entre a Câmara Municipal de Birigui e o Instituto de Previdência do Estado de São Paulo e dá providências correlatas. Ofensa aos art. 111, 144 e 218 da Carta Paulista. Necessidade de prévia e correspondente fonte de custeio para a criação, majoração ou extensão de benefício previdenciário. Inobservância do princípio da impessoalidade, diante da obtenção de vantagens de um grupo minoritário. Ação julgada procedente. (TJSP, ADI 151.936-0/9-00, rel. des. Penteado Navarro, j. 20.02.08, v.u.).

(...)”

Nesse mesmo sentido, ainda: ADI nº 154.602-0/7, j. 10.09.2008, rel. des. Sousa Lima; ADI nº 158.764-0/4, rel. des. A. C. Mathias Coltro, j. 16.07.2008; entre outros.

E nem seria possível considerar como fonte de custeio suficiente, pura e simplesmente, a previsão legal de que o pagamento do benefício será feito com recursos constantes de dotação orçamentária própria. Isso significaria, na prática, carrear todo o ônus financeiro ao erário municipal. Este acabaria sendo o único a financiar o pagamento dos benefícios.

Deve-se levar em conta que a Constituição Federal estabelece, a propósito, a necessidade de respeito à diversidade da base de financiamento (art. 194 VI da CF), bem como a participação, concomitante, de empregador e trabalhador no custeio da previdência (art. 195, I e II da CF). Ademais, é impossível desconsiderar, finalmente, o caráter contributivo do sistema previdenciário (art. 201, caput da CF).

A exigência de fonte de custeio total deve ser entendida como fonte de custeio que satisfaça os pressupostos do sistema estabelecido na Constituição Federal: (a) diversidade de base de financiamento; (b) caráter contributivo; e (c) participação de empregador e trabalhadores.

Assim, criar benefício por meio de lei, sem observar os parâmetros acima, que se resumem na necessidade de previsão de fonte de custeio total, significa violar frontalmente dispositivos constitucionais aplicáveis ao tema, em especial o art. 195, § 5º, da CR/88, aplicável à hipótese por força dos arts. 144 e 218 da Constituição Paulista.

Ademais, ao conceder o benefício ora examinado sem a previsão da correspondente fonte de custeio total, o legislador feriu diretamente o art. 128 da Constituição do Estado, pelo qual “as vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço”.

O único aspecto que o legislador municipal levou em consideração, na hipótese em exame, foi a situação financeira do eventual beneficiário da pensão vitalícia, em virtude do falecimento do Prefeito durante o mandato.

Não há, sequer superficialmente, nenhum dado no ato normativo em exame que indique a possibilidade de existência de qualquer interesse público, ou exigência decorrente do serviço, que tenha sido atendida em função da instituição do benefício.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 59, § 5º da Lei Orgânica do Município de Monteiro Lobato.

São Paulo, 12 de julho de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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