Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Autos nº 0272022-92.2011.8.26.0000/50000
Requerente: Partido dos Trabalhadores – Diretório Regional de São Paulo
Objeto: Lei nº 5.230, de 12 de agosto de 2011, do
Município de Americana
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.230, de 12 de agosto de 2011, do Município de Americana que “Dispõe sobre os depósitos judiciais”. Alegação de afronta ao art. 22, inc. I, da Constituição Federal e 144, da Constituição do Estado. Ofensa ao princípio federativo (art. 1º e 18 da CR/88, e art. 1º da Constituição Paulista). Manifestação através da repartição constitucional de competências. Princípio estabelecido de observância obrigatória pelos Municípios (art. 29, caput da CR/88, e art. 144 da Constituição Paulista).
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido dos Trabalhadores – Diretório Regional de São Paulo, tendo como alvo a Lei nº 5.230, de 12 de agosto de 2011, do Município de Americana, que “Dispõe sobre os depósitos judiciais”, alegando que houve contrariedade ao disposto no art. 22, I da Constituição Federal e 144 da Constituição Estadual.
Foi indeferido o pedido de liminar (fls. 51).
O senhor Prefeito Municipal prestou informações às fls. 75/97. Em preliminar argui a impossibilidade do controle concentrado em face da Constituição Federal, o que acarreta a inépcia da inicial. No mérito, sustenta a constitucionalidade da norma.
Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado deixou de realizar a defesa do ato normativo no prazo legal (fls. 129).
É o relato do essencial.
A preliminar confunde-se com o mérito e com ele haverá de ser analisada.
A Lei impugnada pela presente ação direta é, realmente, inconstitucional, pois trata, minuciosamente, de depósitos judiciais, matéria processual civil, de competência legislativa privativa da União, nos termos do art. 22, inc. I, da Constituição Federal.
Por
isso, a norma impugnada viola o disposto no art. 144 da Constituição Paulista,
que tem a seguinte redação:
“(...)
Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)”
Um dos princípios constitucionais estabelecidos é o denominado princípio federativo, que está assentado nos art. 1º e 18 da Constituição da República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.
Como
é cediço, a Constituição da República estabelece a repartição constitucional de
competências entre as diversas esferas da federação brasileira. E a repartição
de competências entre os entes federados é o corolário mais evidente do
princípio federativo.
Referindo-se
aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas
essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser
inseridos, entre outros, “os princípios
relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de
Direito (art. 1º)” (Curso de direito
constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 96, g.n.).
Um
dos aspectos de maior relevo, e que representa a dimensão e alcance do
princípio do pacto federativo, adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente
o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a
repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da
autonomia e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal, e
Municípios, em relação à União.
Anota
a propósito Fernanda Dias Menezes de Almeida que “avulta, portanto, sob esse ângulo, a importância da repartição de
competências, já que a decisão tomada a respeito é que condiciona a feição do
Estado Federal, determinando maior ou menor grau de descentralização.” Daí
a afirmação de doutrinadores no sentido de que a repartição de competências é “a chave da estrutura do poder federal’, ‘o
elemento essencial da construção federal’, ‘a grande questão do federalismo’,
‘o problema típico do Estado Federal’” (Competências
na Constituição Federal de 1988, 4. ed., São Paulo, Atlas, 2007, p. 19/20).
Não
pairaria qualquer dúvida a respeito da inconstitucionalidade de proposta de
emenda constitucional ou de lei que sugerisse, por exemplo, a extinção da
própria Federação: a Constituição veda proposta de emenda “tendente a abolir”, entre outros, “a forma federativa de Estado” (art. 60, § 4º, I da CR/88).
A
preservação do princípio federativo tem contado com a anuência do C. STF, pois
como destacado em julgado relatado pelo Min. Celso de Mello:
"(...) a idéia de Federação — que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones — revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I)." (HC 80.511, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 21-8-01, DJ de 14-9-01).
Por essa linha de raciocínio, pode-se também afirmar que a Lei Municipal que regula matéria cuja competência é do legislador federal e do estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.
Para
a solução do caso, é necessário ter em mente que tratar de depósitos judiciais
e, consequentemente, de matéria processual civil, é atividade que se encontra
inserida dentro da competência legislativa exclusiva do legislador federal, por
força do art. 22, I da CR/88.
Deste
modo, a legislação municipal que trata do tema é inconstitucional, devendo seu
vício ser reconhecido por esse E. Órgão Especial, em sede de controle
concentrado de normas, uma vez afastada a preliminar suscitada pelo senhor Prefeito
Municipal, de inadequação da via eleita, por impossibilidade de controle
concentrado de Lei Municipal em face da Constituição Federal.
A
prescrição de que os Municípios devem observar os princípios constitucionais
estabelecidos não se encontra apenas no art. 144 da Constituição Paulista. O
art. 29, caput da CR/88 prevê que “O Município reger-se-á por lei orgânica,
votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois
terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta
Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e os seguintes
preceitos (g.n.).”
Relevante
anotar que quando do julgamento da ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. des.
Renato Nalini, esse E. Tribunal de Justiça acolheu a tese no sentido da possibilidade
de declaração de inconstitucionalidade
de lei municipal por violação do
princípio da repartição de competências estabelecido pela Constituição
Federal. É relevante trazer excerto de voto do i. Desembargador Walter de
Almeida Guilherme, imprescindível para a elucidação da questão:
“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de
capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I,
denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se
Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.
Assim, quando o referido art. 144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da União, não estão obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art. 144 da Constituição do Estado (...)” (trecho do voto do i. des. Walter de Almeida Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).
Saliente-se, ainda, que a Lei Federal 10.819, de 16 de dezembro de 2003, “Dispõe sobre os depósitos judiciais de tributos, no âmbito dos Municípios, e dá outras providências”, regulamentando, portanto, plenamente a matéria.
Destarte,
ostenta vício de inconstitucionalidade,
por violação ao princípio federativo
– não observância das regras associadas à repartição constitucional de
competências - legislação municipal que regulamente os depósitos judiciais.
Consigne-se,
por fim, a desnecessidade de nova transcrição dos V. Acórdãos citados na
inicial, visto que eles encontram-se no sítio do Supremo Tribunal Federal,
sendo lícita portanto a afirmação de que a “Lei que versa sobre depósitos judiciais é de competência legislativa
exclusiva da União, por se tratar de matéria processual (inciso I do art. 22 da
Constituição Federal)”.
Em síntese, a Lei impugnada é verticalmente incompatível com o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, fundamento este suficiente para o acolhimento da ação proposta pelo Partido dos Trabalhadores, por intermédio de seu Diretório Regional de São Paulo.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 5.230, de 12 de agosto de 2011, do Município de Americana.
São Paulo, 8 de maio de 2012.
Sérgio Turra Sobrana
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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