Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n.º 0281444-91.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal da Estância Turística de Paranapanema

Objeto: Lei Municipal nº 706, de 17 de dezembro de 2004, de Paranapanema.

 

 

 

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade – art. 123 da Lei Municipal n.º 706/2004, da Estância Turística de Paranapanema, que “Dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Municipais”.  Interferência na esfera de discricionariedade do Prefeito, a quem compete a administração do Município – Violação do princípio da independência e harmonia entre os Poderes caracterizada (CE, arts. 5.º e 144) – Ação procedente.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial,

 

Eméritos Desembargadores:

 

           

 

Cuida-se de ação proposta pelo Prefeito Municipal da Estância Turística de Paranapanema que visa a extirpar do ordenamento jurídico-constitucional vigente expressões contidas no art. 123, §§ 1º, 2º e 5º, da Lei n.º 706, de 17 de dezembro de 2004, a qual Dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, cuja redação é a seguinte:

 

            Art. 123 – O servidor ocupante de cargo de provimento efetivo, terá direito a concessão de licença para tratamento de assuntos particulares, pelo prazo de até 04 (quatro) anos consecutivos, sem remuneração.

§ 1º - Protocolada na Secretaria da Prefeitura Municipal, a comunicação da intenção do gozo da licença citada no caput deste artigo, que não poderá ser negada, atribuirá ao Prefeito Municipal a obrigação de baixar o ato concessório dentro de 10 (dez) dias;

§ 2º - Uma vez concedida, a licença, esta não poderá ser interrompida, o que se dará somente a pedido do servidor, que será protocolado na Secretaria da Prefeitura Municipal, com trinta dias de antecedência;

(...)

§ 5º - Os servidores que se encontrarem em gozo de licença tratada no caput do presente, poderão optar pela prorrogação do prazo original concedido pelo período de até 02 (dois) anos, não podendo ser indeferida pelo Município, devendo ser gozada no dia imediato ao vencimento do primeiro prazo requerido, até sua finalização.”

 

Segundo consta na inicial, as expressões “que não poderá ser negada, atribuirá ao Prefeito Municipal a obrigação de baixar o ato concessório dentro do prazo de 10 (dez) dias”, “uma vez concedida, a licença, esta não poderá ser interrompida” e “não podendo ser indeferida pelo Município”, contidas nos dispositivos retro transcritos, não se compatibilizam com o art. 111 “caput” da Constituição do Estado de São Paulo, aplicável aos Municípios por força do art. 144 do mesmo diploma, pois ferem os princípios da discricionariedade da Administração, do interesse público e da eficiência.

Houve concessão de liminar (fl. 96).

O Procurador Geral do Estado optou por não defender a lei impugnada, que trata de matéria exclusivamente local, inexistindo, assim, interesse estadual na sua preservação (fls. 106/108).

A Câmara prestou informações no prazo regimental (fls. 110/117), em defesa da norma impugnada.

Em resumo, é o que consta nos autos.

As preliminares suscitadas pela Câmara Municipal merecem rejeição.

O Prefeito Municipal é legitimado à propositura de ação direta de inconstitucionalidade, conforme art. 90, inc. II, da Constituição do Estado de São Paulo.

Por outro lado, o tempo decorrido não acarreta a carência de ação, nem cura a norma da inconstitucionalidade que a macula.

No mérito, a ação procede.

Com a edição da lei em epígrafe, o Legislativo imiscuiu-se em assunto da alçada exclusiva do Prefeito, a quem cabe definir a necessidade e também o momento certo (oportunidade) de conceder ou não a licença para tratamento de assuntos particulares, de que ora se trata, não podendo, no exercício dessa competência tipicamente administrativa, sofrer a interferência de outro Poder.

Ora, como se sabe, a função predominante da Câmara é a normativa, que a exerce por meio da edição de normas gerais, abstratas e obrigatórias de conduta. Ao Executivo compete basicamente a administração do Município, que compreende, a par de outras significativas atribuições, a gestão dos bens públicos e a aplicação das leis aos casos concretos.

Quanto à matéria disciplinada na norma em exame, é bem de ver que, no processo de concessão da licença especial para tratamento de assuntos particulares, ao Prefeito compete aquilatar a conveniência e a oportunidade de seu deferimento.

Como se sabe, a administração superior do Município compete ao Prefeito e, na abrangência dessa definição, compreende-se o poder de formular opções políticas e governamentais, desde que sempre as mais vantajosas ao atendimento do interesse público, e, nesse contexto, a concessão da licença para tratamento de assuntos particulares, nada obstante os elevados propósitos que nortearam a edição da norma em comento, nem sempre pode revelar-se conveniente ou oportuna e deve atender sempre ao elevado interesse público e à eficiência da prestação do serviço a ser entregue aos administrados.

Deveras, como as normas em questão impõem ao Prefeito Municipal a obrigação de conceder a licença, sem poder decidir a respeito de sua conveniência, a adoção de tal regramento não se revela a opção mais vantajosa para a Administração, pois pode acarretar deficiência em determinados setores, com prejuízo dos serviços a serem prestados.

De qualquer modo, como a concessão de licença para tratamento de assuntos particulares são atos de competência privativa do Prefeito, que se situam na esfera de suas atribuições tipicamente administrativas, a interferência da Câmara de Vereadores da Estância Turística de Paranapanema, ao disciplinar o assunto por lei, só pode ser interpretada como tentativa de implantação do “Estado Legal”, em que não há margem de liberdade ou discricionariedade ao administrador, cuja ação fica integralmente sujeita aos ditames legais. 

Ocorre, porém, que o Prefeito não é mero cumpridor das ordens emanadas pela Câmara. O sistema de separação de funções delineado pela vigente Constituição é bem definido: A Câmara legisla e, por sua vez, o Prefeito administra. E administrar significa, a par de outras coisas, a liberdade de ação e de opção administrativa nos limites circunscritos por lei (discricionariedade), o que, porém, não se equipara à liberdade total, sinônimo de anarquia.

No entanto, essa interferência do legislador, no exercício de poder tipicamente discricionário, é ofensiva ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes, mesmo considerando-se que a discricionariedade não equivale à liberdade total e que o Executivo está subordinado aos ditames da eficiência e economicidade.

Em suma, as expressões impugnadas, que se encontram insertas nos parágrafos 1º, 2º e 5º, do Estatuto dos Servidores Públicos da Estância Turística de Paranapanema, são incompatíveis com o princípio da independência e harmonia entre os Poderes, que vem expressamente consagrado no art. 5.º da Constituição do Estado de São Paulo, cuja observância é compulsória pelos Municípios, por força do art. 144 dessa mesma Carta Política.

À vista do exposto, o parecer é pela procedência da presente ação direta, a fim de ver declarada a inconstitucionalidade das expressões “que não poderá ser negada, atribuirá ao Prefeito Municipal a obrigação de baixar o ato concessório dentro do prazo de 10 (dez) dias”, “uma vez concedida, a licença, esta não poderá ser interrompida” e “não podendo ser indeferida pelo Município”, contidas nos parágrafos 1º, 2º e 5º, do Estatuto dos Servidores Públicos da Estância Turística de Paranapanema.

São Paulo, 5 de julho de 2012.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

fjyd