Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0297749-53.2011.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Franca

Objeto: impugnação dos §§ 1º e 2º do art. 212 e do parágrafo único do art. 217, todos da Lei Orgânica Municipal, cujas redações foram determinadas pela Emenda nº 58, de 11 de novembro de 2011

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Impugnação dos §§ 1º e 2º do art. 212 e do parágrafo único do art. 217, todos da Lei Orgânica Municipal, cujas redações foram determinadas pela Emenda nº 58, de 11 de novembro de 2011. Lei de iniciativa parlamentar que trata do regime jurídico de servidores municipais.

2)      Regime jurídico do funcionalismo municipal. Matéria incluída na iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo (art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição do Estado, aplicável por força do art. 144 da mesma Carta).

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Franca, tendo como alvo os §§ 1º e 2º do art. 212 e o parágrafo único do art. 217, todos da Lei Orgânica Municipal, cujas redações foram determinadas pela Emenda nº 58, de 11 de novembro de 2011. As mudanças perpetradas referem-se ao regime jurídico de servidores municipais, profissionais da educação, bem como à conduta do Poder Executivo municipal.

Alega o autor a inconstitucionalidade em função do vício de iniciativa, da violação ao princípio da separação de poderes e da criação de despesa sem indicação de recursos. Aponta como violados os arts. 5º, 19, VIII, 24, § 2º, “4”, 25, 47, II e 144, todos da Constituição Estadual.

Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo impugnado (fls. 526/527).

A Câmara Municipal interpôs agravo regimental (fls. 533/535), ao qual foi negado provimento pelo Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça (fls. 582/584).

Citado (fls. 589), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa relativamente ao ato normativo (fls. 591/592).

A Câmara Municipal apresentou informações (fls. 594/599).

É o relato do essencial

Os §§ 1º e 2º do art. 212 e o parágrafo único do art. 217, todos da Lei Orgânica Municipal, cujas redações foram determinadas pela Emenda nº 58, de 11 de novembro de 2011, têm a seguinte redação:

“Art. 212 - (...)

§ 1º - Os profissionais da educação do mesmo campo de atuação serão classificados de acordo com seu tempo de serviço em dias trabalhados na rede municipal de ensino para a finalidade de escolha de escola, classe/aula e período, nas atribuições que ocorrerão anualmente.

§ 2º - Os professores readaptados terão preservados todos os direitos e benefícios dos professores da ativa.

Art. 217 – (...)

Parágrafo Único – O Município garantirá a permanência de servidores para exercerem a função de “cuidadores” nas classes em que houver inclusão de alunos com deficiências.

(...)”

Não há como negar, portanto, que a matéria veiculada na lei diz respeito ao regime jurídico do funcionalismo municipal e atribui obrigações ao Chefe do Poder Executivo.

Essa observação é suficiente para demonstrar, com a devida vênia, relativamente à argumentação contida nas informações prestadas pela Câmara Municipal, que a iniciativa nessa matéria é privativa do Chefe do Executivo Municipal.

Não se trata de saber, venia concessa, se a opção do legislador local foi adequada ou não, se a diretriz contida na norma já decorre de outros preceitos normativos ou não, e assim por diante.

Cuida-se simplesmente de observar que para alterar a disciplina normativa dos servidores municipais é necessário que o próprio Prefeito provoque a instauração do processo legislativo.

É manifesta, nesse caso, a não observância da reserva de iniciativa do Chefe do Executivo local para a edição de lei modificando o regime jurídico do funcionalismo municipal, nos termos do art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

O Col. STF, interpretando e aplicando dispositivo análogo constante na Constituição da República, o art. 61, § 1º, II, c, do qual o preceito antes indicado da Constituição do Estado é mera reprodução, reiteradamente tem declarado a inconstitucionalidade de leis que tratam de regime jurídico do funcionalismo desrespeitando a reserva de iniciativa.

Confira-se:

“(...)

Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II, da CF, que determinam a iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-2-1999, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, rel. Min. Maurício Corrêa. Esta Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em Constituição Estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes: ADI 1.165, rel. Min. Nelson Jobim, DJ de14-6-2002 e ADI 243, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, DJ de 29-11-2002. Ação direta cujo pedido se julga procedente. (ADI 2.873, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007.)

(...)

Processo legislativo: normas de lei de iniciativa parlamentar que cuidam de jornada de trabalho, distribuição de carga horária, lotação dos profissionais da educação e uso dos espaços físicos e recursos humanos e materiais do Estado e de seus Municípios na organização do sistema de ensino: reserva de iniciativa ao Poder Executivo dos projetos de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (art. 61, II, § 1º, c). (ADI 1.895, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-8-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.)

(...)

Lei estadual que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, a e c, CR/1988). Princípio da simetria. (ADI 2.029, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)

(...)”

Posto isso, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 212 e do parágrafo único do art. 217, todos da Lei Orgânica Municipal.

São Paulo, 22 de maio de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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