Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos n.º 0302960-70.2011.8.26.0000

Requerente: Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo

Objeto de impugnação: Lei Municipal n.º 2.315, de 24 de novembro de 2009, de Hortolândia.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 2.315/2009, de Hortolândia, que “Dispõe sobre a substituição do uso de sacola plástica por sacola ecológica e dá outras providências”. Competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI, da CR). Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, II, VI e VII, da CR). Incumbência do Poder Público, em todas as suas esferas, de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V, da CR/88). Defesa do consumidor e do meio ambiente como princípios constitucionais da atividade econômica (art. 170, V e VI, da CR). Legislação municipal editada para atender o interesse local, suplementando a legislação da União e do Estado relativa à proteção do meio ambiente (art. 30, I e II, da CR). Parecer no sentido da improcedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicado da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo, tendo como alvo a Lei Municipal nº 2.315, de 24 de novembro de 2009, de Hortolândia, que, consoante respectiva rubrica, “Dispõe sobre a substituição do uso de sacola plástica por sacola ecológica e dá outras providências”.

A lei objeto de impugnação nestes autos reza que o uso da sacola plástica deverá ser substituída pelo uso de sacola ecológica nos estabelecimentos privados do município e nos órgãos e entidades do Poder Público, de qualquer esfera, sediadas no Município. Ademais, prevê o prazo pelo qual a lei terá caráter facultativo e depois obrigatório. Por fim, traz sanções administrativas pelo descumprimento da lei.

Em suma, na inicial se sustenta que foi usurpada a competência do Poder Executivo para criar atribuições aos órgãos públicos municipais e, outrossim, a competência do legislador federal e estadual para a regulamentação dessa matéria, advindo daí a inconstitucionalidade da lei impugnada. Argumenta, ademais, que essa lei contraria posicionamento adotado, na esfera administrativa, pelo Governo do Estado de São Paulo. Aponta, enfim, a contrariedade dos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: art. 5.º; art. 47, II e XI; art. 144; art.152 e art. 193, XX e XXI.

A liminar foi concedida (fl. 279).

Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador-Geral do Estado defendeu a constitucionalidade da lei municipal guerreada (fls. 327/331).

A Câmara e o Prefeito Municipal de Hortolândia prestaram esclarecimentos nos autos, em defesa da validade da lei ora impugnada, que foi editada com o propósito de proteger o meio ambiente e a saúde da população, assunto esse que é de interesse local.

 Em resumo, é o que consta nos autos.

Malgrado a existência de precedentes favoráveis à tese exposta na inicial (cf., ad exemplum, as ADIs 0230258-97.2009.8.26.0000; 9031864-88.2009.8.26.0000 e 0038637-74.2010.8.26.0000), a presente ação é improcedente.

O argumento utilizado na inicial, em sua essência, além do aspecto secundário relacionado com a criação de atribuições a órgãos públicos por lei de iniciativa parlamentar, é no sentido de que o Município não teria competência para legislar a respeito do tema.

É por essa razão que o Sindicato Autor aponta ocorrência de contrariedade ao disposto no art. 152, IV e no art. 193, XX e XXI, da Constituição do Estado de São Paulo.

Entretanto, com a devida vênia, não há contrariedade com relação a tais dispositivos, tampouco a matéria de que trata essa lei é de iniciativa reservada.

Quanto a esse último aspecto, aliás, esse egrégio Tribunal de Justiça já reconheceu em outra oportunidade (ADI 0001862-26.2011.8.26.0000, Rel. Des. Octavio Helene) que as leis de polícia não são de iniciativa reservada e que o Poder Público dispõe de estrutura adequada para fiscalizar o cumprimento da determinação legal; inclusive, o próprio Prefeito não se insurgiu contra a aprovação da referida lei, o que é no sintomático e revelador de que, na verdade, a matéria é de iniciativa geral ou concorrente.

É bem de ver, por outro lado, que a argumentação trazida na inicial, nesse ponto, é contraditória, pois ou bem a matéria é de iniciativa reservada, e o projeto de lei somente poderia ser apresentado pelo Executivo, ou é de competência de outras entidades federativas e, nesse caso, nem mesmo se a iniciativa partisse do Prefeito a inconstitucionalidade seria afastada.

Em suma, os argumentos são contraditórios e excludentes entre si.

De resto, o art. 152, IV da Constituição Paulista apenas estabelece, genericamente, que a finalidade da organização regional do Estado é promover “a integração do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região”.

Por sua vez, o art. 193 da Carta Paulista, ao tratar, de forma programática, sobre a possibilidade da edição de lei estadual para criação de um “sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle de desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais”, prevê, nos incisos XX e XXI, a finalidade de “controlar e fiscalizar obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos” que possam causar degradação ambiental, bem ainda “realizar o planejamento e o zoneamento ambientais”.

Ou seja, trata-se de dispositivos constitucionais que, se por um lado, estimulam a atuação do Estado de São Paulo na proteção do meio ambiente, de outro não vedam que o Município também o faça.

Mas não é só.

Não há qualquer espaço para dúvida quanto ao fato de que o Município também tem competência administrativa e legislativa para fins de promover a defesa do meio ambiente, bem como zelar pela saúde dos munícipes.

Nesse sentido o que dispõe o art. 23, II, VI, VII, da CR/88, que atribui competência concorrente à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios para, respectivamente: (a) cuidar da saúde; (b) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (c) preservar as florestas, a fauna e a flora.

Do mesmo modo, a competência dos Municípios, em temas relacionados ao meio ambiente, pode ser extraída da previsão contida no art. 30, I e II da CR, por força dos quais o legislador municipal pode regular temas de interesse local, e ainda suplementar a legislação federal no que couber.

Nesse mesmo sentido, o art. 225, § 1º, da CR/88 impõe ao Poder Público de forma geral – ou seja, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios – inúmeras diretrizes, todas destinadas à preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre elas está, especialmente, nos termos do inciso V, a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

A importância da proteção ao meio ambiente, como é cediço, é tão intensa que até mesmo no âmbito da atividade econômica a Constituição da República impõe como princípios gerais a serem obsequiados, a “defesa do consumidor”, bem como a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, V e VI, da CR/88).

Essa ideia foi assentada pelo Col. STF, em decisão relatada pelo Min. Celso de Mello, quando do julgamento da ADI 3540 MC/DF (j. 01/09/2005, Tribunal Pleno, DJ 03-02-2006), de cuja ementa se extrai o seguinte excerto:

“(...)

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

(...)“

Acrescente-se que a competência do Município para legislar sobre o meio ambiente já foi reconhecida por esse Col. Órgão Especial, como se infere dos precedentes indicados a seguir:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 4.253, de 06.03.2008, do Município de Valinhos – ‘Instituição de compensação às emissões de Gases de Efeitos Estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas que vierem a se instalar no Município’ - Atendimento a peculiar interesse do Município no controle, preservação e recuperação do meio-ambiente - Permissibilidade do art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo - Descabimento de se cogitar infringência à norma da Constituição Federal ou Lei Orgânica do Município na esfera da presente ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (ADIN 164.487-0/9-00, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 04.02.2009).

(...)”

No mesmo sentido, a título de exemplificação, a decisão proferida na ADI 129.132.0/3, rel. des. Jacobina Rabello, j. 21.03.2007, entre outros julgados.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 2.315, de 24 de novembro de 2009, de Hortolândia.

São Paulo, 02 de maio de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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