Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos n.º 0303908-12.2011.8.26.0000

Requerente: Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo

Objeto de impugnação: Lei Municipal n.º 7.281, de 22 de julho de 2011, de  Marília.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 7.281/2011, de Marília, que “Dispõe sobre a substituição do uso de sacos plásticos de lixos e de sacolas plásticas, por sacos de lixos ecológicos e sacolas ecológicas e dá outras providências”. Competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI, da CR). Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, II, VI e VII, da CR). Incumbência do Poder Público, em todas as suas esferas, de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V, da CR/88). Defesa do consumidor e do meio ambiente como princípios constitucionais da atividade econômica (art. 170, V e VI, da CR). Legislação municipal editada para atender o interesse local, suplementando a legislação da União e do Estado relativa à proteção do meio ambiente (art. 30, I e II da CR). Parecer no sentido da improcedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicado da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo, tendo como alvo a Lei Municipal nº 7.281, de 22 de julho de 2011, de Marília, que, consoante respectiva rubrica, “Dispõe sobre a substituição do uso de sacos plásticos de lixo e de sacolas plásticas, por sacos de lixos ecológicos e sacolas ecológicas e dá outras providências”.

A lei objeto de impugnação nestes autos reza que o uso de sacos plásticos e de sacolas plásticas deverão ser substituídos pelo uso de sacos de lixo ecológico e pelas sacolas plásticas ecológica nos estabelecimentos privados do município e nos órgãos e entidades do Poder Público, de qualquer esfera, sediadas no Município. Ademais, prevê o prazo pelo qual a lei terá caráter facultativo e depois obrigatório. Por fim, traz sanções administrativas pelo descumprimento da lei.

Em suma, na inicial, sustenta-se que foi usurpada a competência do Poder Executivo para criar atribuições aos órgãos públicos municipais e, outrossim, a competência do legislador federal e estadual para a regulamentação dessa matéria, advindo daí a inconstitucionalidade da lei impugnada. Argumenta, ademais, que essa lei contraria posicionamento adotado, na esfera administrativa, pelo Governo do Estado de São Paulo. Aponta, enfim, a contrariedade dos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: art. 5.º; art. 47, II e XI; art. 144; art.152; e art. 193, XX e XXI.

A liminar não foi concedida (fl. 281).

Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador-Geral do Estado defendeu a constitucionalidade da lei municipal guerreada (fls. 310/313).

O Município de Marilia prestou informações, em defesa da validade da lei ora impugnada, pugnando, igualmente, pela improcedência da lei analisada (fls. 303/308).

 Em resumo, é o que consta nos autos.

A Lei Municipal n. 7.281, de 22 de julho de 2011, de Marília, que “Dispõe sobre a substituição do uso de sacos plásticos de lixos e de sacolas plásticas por sacos de lixos ecológicos e sacolas ecológicas e dá outras providências”, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - Os estabelecimentos privados e os órgãos e entidades do Poder Público situados no Município de Marília, deverão substituir o uso de saco plástico de lixo e de sacola plástica pelo uso de saco de lixo ecológico e de sacola ecológica.

Art. 2º - É vedada a utilização de saco plástico de lixo e de sacola plástica para acondicionamento, empacotamento, armazenamento ou transporte de resíduos ou produtos comercializados ou fornecidos, ainda que gratuitamente, em estabelecimentos privados e órgãos  ou entidades do  Poder Público situados ou em funcionamento, ainda que temporário, no território do Município.

Parágrafo único- A vedação não se aplica ao acondicionamento, empacotamento, armazenamento ou transporte realizados por pessoa física fora dos estabelecimentos privados ou órgãos ou entidades públicos, em caráter privado e sem intuito de lucro.

Art. 3º - Para efeito desta Lei, entende-se por:

I - saco de lixo ecológico: o confeccionado em material biodegradável ou reciclado;

II- sacola ecológica: a confeccionada em material biodegradável ou sacola retornável.

Parágrafo 1º - Considera-se material biodegradável aquele que apresenta degradação por processos biológicos, sob ação de microorganismos, em condições naturais adequadas, e que atenda aos seguintes requisitos:

I- finalizar em até 180 (cento e oitenta dias);

II- resíduos finais resultantes que não apresentem resquício de toxidade e tampouco sejam danosos ao meio ambiente;

III- atendimento à NBR 15448-2:2008, editada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas –ABNT;

Parágrafo 2º - Considera-se sacola retornável aquela confeccionada em material dur´vel, suficientemente resistente para suportar o peso médio dos produtos transportados, lavável com espessura mínima de 0,3 mm (três décimos de milímetro) e destinada à reutilização continuada;

Parágrafo 3º - Considera-se material reciclado aquele decorrente de processo de transformação de resíduos sólidos que envolva a alternação de suas propriedades físicas, físico-químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos, observadas as condições e padrões estabelecidos pelos órgãos competentes do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

Art. 4º - Deverá constar do saco do lixo ecológico e da sacola ecológica confeccionado em material biodegradável, de forma clara e visível ao consumidor, menção ao atendimento à NBR 15448-2:2008.

Art. 5º - Compete ao Executivo, determinar a Secretaria competente para a fiscalização do cumprimento e aplicação das penalidades previstas nesta Lei.

Art. 6º - Os infratores estarão sujeitos ao seguinte, além da obrigação de fazer cessar a transgressão:

I- notificação;

II- multa no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) e, em caso de reincidência, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais);

III- interdição parcial ou total da atividade, até a correção das irregularidades;

IV- cassação do alvará de funcionamento do estabelecimento.

Parágrafo 1º - O não atendimento à notificação para sanar a irregularidade autoriza a Administração a aplicar, simultaneamente as penalidades dos incisos II a IV do caput deste artigo, medida cautelar administrativa de apreensão de sacos de lixos plásticos ou de sacolas plásticas, com base no art. 72, da Lei Federal n. 9605, de 12 de fevereiro de 1998.

Parágrafo 2º - A notificação será aplicada se o infrator nunca tiver sofrido a aplicação de penalidade por infração à presente Lei, sendo vedada a aplicação de mais de uma notificação ao mesmo infrator, salvo nas seguintes hipóteses:

I- Decurso de pelo menos 3 (três) anos entre as datas das notificações;

II- alteração, posterior à primeira notificação, das normas técnicas definidoras de biodegradabilidade, que tenha dificultado a adaptação do infrator ao disposto nesta Lei.

III- cancelamento da primeira notificação de advertência por decisão administrativa ou judicial;

Parágrafo 3º - A multa será aplicada se o infrator não sanar a irregularidade em até 30 (trinta) dias após a notificação.

Parágrafo 4º - A penalidade de interdição da atividade será aplicada na hipótese da multa se revelar ineficaz para coibir o comportamento ilícito do infrator.

Parágrafo 5º - A interdição cessará se o infrator sanar as irregularidades que a motivaram.

Parágrafo 6º - A interdição da atividade antecederá a cassação do alvará de funcionamento.

Parágrafo 7º - A penalidade de cessação do alvará de funcionamento será aplicada:

I - Após três meses da interdição, na hipótese de não terem sido efetivadas as providências para a regularização;

II- na hipótese de descumprimento de Auto de Interdição;

III- quando constatado que, após a  cessação da interdição, o infrator voltou a praticar a infração em um período de até dois anos.

Parágrafo 8º - Após a cassação, o infrator não poderá ter deferido novo alvará de funcionamento de atividades pelo prazo de um ano.

Parágrafo 9º - A penalidade de cassação do alvará de funcionamento de atividades não se aplicará a órgão e entidade do Poder Público, que deve ser compelido a observar a lei por meio de ação judicial, devendo os órgãos responsáveis pela fiscalização remeter à Procuradoria Geral do Município requerimento de ajuizamento de demanda judicial com este objetivo, acompanhado de justificativa de ineficácia de penalidades administrativas aplicáveis e de todos os documentos relacionados ao caso.

Art. 7º - Esta Lei será regulamentada pelo Executivo, no que couber, no prazo de 90 (noventa) dias, contado da data de sua publicação.

Art. 8º - Aplicam-se as infrações constantes nesta Lei, no que couber, e as disposições da Lei Complementar n. 13, de 13 de janeiro de 1992- Código de Posturas do Município de Marília, com suas modificações posteriores.

Art. 9º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário, e seus efeitos operar-se-ão a partir de 1º de janeiro de 2012”.   

 Malgrado a existência de precedentes favoráveis à tese exposta na inicial (cf., ad exemplum, as ADIs 0230258-97.2009.8.26.0000; 9031864-88.2009.8.26.0000 e 0038637-74.2010.8.26.0000), a presente ação é improcedente.

O argumento utilizado na inicial, em sua essência, além do aspecto secundário relacionado com a criação de atribuições a órgãos públicos por lei de iniciativa parlamentar, é no sentido de que o Município não teria competência para legislar a respeito do tema.

É por essa razão que o Sindicato Autor aponta ocorrência de contrariedade ao disposto no art. 152, IV e no art. 193, XX e XXI, da Constituição do Estado de São Paulo.

Entretanto, com a devida vênia, não há contrariedade com relação a tais dispositivos, tampouco a matéria de que trata essa lei é de iniciativa reservada.

Quanto a esse último aspecto, aliás, esse egrégio Tribunal de Justiça já reconheceu em outra oportunidade (ADI 0001862-26.2011.8.26.0000, Rel. Des. Octavio Helene) que as leis de polícia não são de iniciativa reservada e que o Poder Público dispõe de estrutura adequada para fiscalizar o cumprimento da determinação legal; inclusive, o próprio Prefeito não se insurgiu contra a aprovação da referida lei, o que é no sintomático e revelador de que, na verdade, a matéria é de iniciativa geral ou concorrente.

É bem de ver, por outro lado, que a argumentação trazida na inicial, nesse ponto, é contraditória, pois ou a matéria é de iniciativa reservada, e o projeto de lei somente poderia ser apresentado pelo Executivo, ou é de competência de outras entidades federativas e, nesse caso, nem mesmo se a iniciativa partisse do Prefeito a inconstitucionalidade seria afastada.

Em suma, os argumentos são contraditórios e excludentes entre si.

De resto, o art. 152, IV, da Constituição Paulista apenas estabelece, genericamente, que a finalidade da organização regional do Estado é promover “a integração do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região”.

Por sua vez, o art. 193, da Carta Paulista, ao tratar, de forma programática, sobre a possibilidade da edição de lei estadual para criação de um “sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle de desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais”, prevê, nos incisos XX e XXI, a finalidade de “controlar e fiscalizar obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos” que possam causar degradação ambiental, bem ainda “realizar o planejamento e o zoneamento ambientais”.

Ou seja, trata-se de dispositivos constitucionais que, se por um lado, estimulam a atuação do Estado de São Paulo na proteção do meio ambiente, de outro não vedam que o Município também o faça.

Mas não é só.

Não há qualquer espaço para dúvida quanto ao fato de que o Município também tem competência administrativa e legislativa para fins de promover a defesa do meio ambiente, bem como zelar pela saúde dos munícipes.

Nesse sentido o que dispõe o art. 23, II, VI, VII, da CR/88, que atribui competência concorrente à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios para, respectivamente: (a) cuidar da saúde; (b) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; e (c) preservar as florestas, a fauna e a flora.

Do mesmo modo, a competência dos Municípios, em temas relacionados ao meio ambiente, pode ser extraída da previsão contida no art. 30, I e II, da CR, por força dos quais o legislador municipal pode regular temas de interesse local, e ainda suplementar a legislação federal no que couber.

Nesse mesmo sentido, o art. 225, § 1º, da CR/88 impõe ao Poder Público de forma geral – ou seja, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios – inúmeras diretrizes, todas destinadas à preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre elas está, especialmente, nos termos do inciso V, a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

A importância da proteção ao meio ambiente, como é cediço, é tão intensa que até mesmo no âmbito da atividade econômica a Constituição da República impõe como princípios gerais a serem obsequiados, a “defesa do consumidor”, bem como a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, V e VI da CR/88).

Essa ideia foi assentada pelo Col. STF, em decisão relatada pelo Min. Celso de Mello, quando do julgamento da ADI 3540 MC/DF (j. 01/09/2005, Tribunal Pleno, DJ 03-02-2006), de cuja ementa se extrai o seguinte excerto:

“(...)

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

(...)“

Acrescente-se que a competência do Município para legislar sobre o meio ambiente já foi reconhecida por esse Col. Órgão Especial, como se infere dos precedentes indicados a seguir:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 4.253, de 06.03.2008, do Município de Valinhos – ‘Instituição de compensação às emissões de Gases de Efeitos Estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas que vierem a se instalar no Município’ - Atendimento a peculiar interesse do Município no controle, preservação e recuperação do meio-ambiente - Permissibilidade do art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo - Descabimento de se cogitar infringência à norma da Constituição Federal ou Lei Orgânica do Município na esfera da presente ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (ADIN 164.487-0/9-00, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 04.02.2009).

(...)”

No mesmo sentido, a título de exemplificação, a decisão proferida na ADI 129.132.0/3, rel. des. Jacobina Rabello, j. 21.03.2007, entre outros julgados.

 

 

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 7.281, de 22 de julho de 2011, de Marília.

São Paulo, 02 de maio de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

vlcb