ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
Autos n.º 0030400-80.2012.8.26.0000
Suscitante: 38.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de
São Paulo
Interessados: Banco do Brasil S/A e outra
EMENTA: Arguição de
inconstitucionalidade. Artigo 16 da Lei n.º 7.347/1985 (Lei da Ação Civil
Pública), com a redação dada pela Lei n.º 9.494/1997. Questão cuja análise é prescindível
para a resolução da controvérsia. Entendimento do STJ – firmado a partir da
exegese conjugada de disposições da LACP, do CDC e do CPC - no sentido de ser
possível o ajuizamento – no foro de domicílio do consumidor – de liquidação e
execução individual de sentença genérica proferida em ação civil pública
proposta em defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores. Solução
hermenêutica. Prejudicialidade do incidente. Tema que, de mais a mais, já foi
submetido à apreciação do Plenário docolendo STF, que, por maioria de votos, no
julgamento de medida cautelar na ADI n.º 1576/DF, deliberou pelo reconhecimento
de sua conformidade com a Constituição. Aplicação do art. 481, parágrafo único,
do CPC.
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Colendo Órgão Especial:
Ao analisar Agravo de Instrumento interposto pelo Banco do Brasil S/A – contra decisão que rejeitou exceção de pré-executividade – a 38.ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo suscitou incidente de inconstitucionalidade do art. 16 da Lei n.º 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), com a redação dada pela Lei n.º 9.494/1997, por entender que tal disposição normativa – ao pressupor a transferência do processo para o Distrito Federal – aniquila o acesso à justiça, viola o direito de ação e é ofensiva ao devido processo legal, aos princípios da isonomia e juiz natural (CF, art. 5.º, caput, incisos XXXII, LIV e LV, 170, inciso V).
Assim dispõe o preceito normativo sobre o qual paira a grave suspeita de inconstitucionalidade:
Art. 16. A
sentença civil fará coisa julgada erga
omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se
o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que
qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento,
valendo-se de nova prova. (Redação
dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)
Preliminarmente,
é o caso de não se conhecer da arguição.
Com efeito,
no julgamento do REsp 1243887/PR (Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO), ocorrido em
19/10/2011, o colendo STJ reviu sua jurisprudência, firmada no julgamento dos Embargos
de Divergência no REsp 399.357/SP, e passou a entender que “a liquidação e a
execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode
ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a
eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos
limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para
tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais
postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC)”.
Tal solução
foi adotada a despeito de o contido no art. 16 da LACP, que, numa leitura apegadaexclusivamente
ao elemento gramatical, induz à exegese de que os efeitos da sentença civil poderiam
ser limitados territorialmente.
Entretanto,
examinando especificamente tal aspecto, o colendo STJ concluiu que:
“.... o
alcance da coisa julgada não se limita à comarca na qual tramitou a ação, mas
sim a determinados sujeitos e questões fático-jurídicas, de modo que o artigo
16 da LACP mistura conceitos heterogêneos de coisa julgada e competência
territorial, induzindo a interpretação de que os efeitos da sentença podem ser
limitados territorialmente, quando se sabe que coisa julgada, a despeito da
atecnia do artigo 467 do CPC, não é efeito da sentença, mas qualidade que a ela
se agrega de modo a torna-la imutável e indiscutível.
É possível o
ajuizamento no foro do domicílio do consumidor de liquidação e execução
individual de sentença proferida em ação civil pública, porque o alcance da coisa
julgada não se limita à comarca no qual tramitou a ação coletiva, mas sim a
determinados sujeitos e questões fático-jurídicas, sob pena de se esvaziar a
utilidade prática da ação coletiva, sendo que, em caso de dano de escala
nacional ou regional, em que a demanda somente pode ser proposta na capital dos
Estados ou no Distrito Federal, a adoção da tese do recorrente restringiria o
efeito erga omnes da sentença às
capitais, excluindo todos os demais potencialmente beneficiários da decisão”.
À vista de tal
entendimento, que decorre da exegese sistemática e teleológica da LACP, do CDC
e do CPC, a declaração de inconstitucionalidade do art. 16 da LACP seria medida
inócua, poisque, isoladamente interpretado, tal dispositivo legal não é
suficiente para a resolução da controvérsia e, interpretado conjuntamente com
outras disposições normativas, não serve para determinar o deslocamento da
competência para a liquidação e execução individual da sentença coletiva para o
Distrito Federal, onde ocorreu o julgamento da ação civil pública.
Demais, se
não aderisse à ação coletiva, o titular do direito poderia tranquilamente mover
a ação no juízo de seu domicílio, pelo que não faria o menor sentido firmar a
competência do juízo no qual tramitou a ação civil coletiva para a liquidação e
execução individual da respectiva sentença, consoante, aliás, argutamente
observou o douto Ministro Teori Albino Zavascki no seu voto-vista.
Em suma, o
incidente é inviável porque, na espécie, a questão de fundo prescinde para ser solucionada
da declaração de inconstitucionalidade do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública,
com a redação dada pela Lei n.º 9.494/1997, comportando solução hermenêutica.
É bem de
ver, por outro lado, que, no julgamento demedida cautelar na ADI n.º 1576/DF
(DJU de 6/6/2003), o Plenário do colendo STF emitiu juízo explícito de valor
acerca da questão objeto da controvérsia,prevalecendo, naquela assentada, o
entendimento expresso no voto condutor de lavra do douto Min. Marco Aurélio, verbis:
“Na inicial, aponta-se que a limitação geográfica da eficácia da sentença
acaba por impossibilitar que questões sejam submetidas ao Judiciário via
recurso e, portanto, a órgão superior dentro da estrutura do Poder (fl. 12). O
Judiciário tem organização própria, considerados os diversos órgãos que o
integram. Daí haver a fixação da competência de juízos e tribunais. A alteração
do artigo 16 correu à conta da necessidade de explicitar-se a eficácia erga
omnes da sentença proferida na ação civil pública. Entendo que o artigo 16 da
Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, harmônico com o sistema Judiciário
pátrio, jungia,mesmo na redação primitiva, a coisa julgada erga omnes da sentença civil à área de atuação do órgão que viesse
a prolatá-la. A alusão à eficácia erga
omnes sempre esteve ligada à ultrapassagem dos limites subjetivos da ação,
tendo em conta até mesmo o interesse em jogo – difuso ou coletivo – não
alcançando, portanto, situações concretas, quer sob o ângulo objetivo, quer
subjetivo, notadas além das fronteiras fixadoras do juízo. Por isso, tenho a
mudança de redação como pedagógica, a revelar o surgimento de efeitos erga
omnes na área de atuação do Juízo e, portanto, o respeito à competência
geográfica delimitada pelas leis de regência. Isso não implica esvaziamento da ação
civil pública nem, tampouco, ingerência indevida do Poder Executivo no
Judiciário.”
Tal
entendimento, malgrado a existência de vozes dissonantes na doutrina, foi
referendado pela douta maioria dos membros da mais alta Corte Judiciária desse
País, que tem por missão precípua a guarda da Constituição (art. 102, caput).
É o caso,
portanto, de aplicar-se aqui o disposto no art. 481, parágrafo único, do CPC,
cuja redação é a seguinte:
“Art. 481 (...)
Parágrafo
único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao
órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver
pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a
questão.”
Ainda que a
ADI n.º 1576/DF tenha sido extinta sem a apreciação do mérito, pelo STF, que a
julgou prejudicada devido à falta de aditamento, os argumentos invocados na
respeitável decisão que negou a liminar remanescem incólumes, não havendo
nenhum motivo para deles se distanciar.
Assim, com a
devida vênia, requer-se o não conhecimento da presente arguição, seja porque
cabível na espécie a solução hermenêutica, seja porque a questão objeto da
controvérsia já foi examinada pelo Plenário do colendo STF.
São
Paulo, 6 de março de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral
de Justiça
Jurídico
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