Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0033637-88.2013.8.26.0000

Requerente: Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Engenheiro Coelho

 

 

Ementa:

1)      Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB em face do inciso VIII do § 2º do art. 46 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Engenheiro Coelho, cuja redação foi dada pela Resolução n. 07/2012. Dispositivo que condiciona a maioria qualificada de 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara dos Vereadores, para a admissão de acusação contra Prefeito.

2)      Preliminar.  Ilegitimidade ativa.  Diretório municipal de partido político não é legitimado ativo para ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal contrastada em face da Constituição Estadual, pois, a legitimidade ativa pertence ao diretório estadual e desde que provada a representação partidária na respectiva Câmara Municipal (art. 90, V, CE/89).

3)       No mérito. Matéria afeta à competência privativa da União (art.22, inciso I, e 85 parágrafo único, da CF/88). Regra da repartição constitucional de competências associada diretamente ao princípio federativo (art.1º e art.18 da CF/88). Princípios de observância obrigatória pelos Estados e Municípios (art.1º e 144 da Constituição do Estado de São Paulo). Inconstitucionalidade do dispositivo impugnado na ação. Violação do art. 5º, II do Decreto-Lei n. 201/67.  

4)      Parecer pela extinção do processo sem julgamento do mérito ou, no mérito, pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, tendo por objeto o inciso VIII do § 2º do art. 46, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Engenheiro Coelho, cuja redação foi dada pela Resolução n. 07/2012.

Argumenta o autor que o dispositivo em questão é inconstitucional, pois ao condicionar o quórum para a admissão da acusação contra o prefeito em 2/3 (dois terços) dos membros da Câmara Municipal, foram violados o art. 22, I da Constituição Federal e o inciso II do art. 5º do Decreto-Lei n. 201/67, que prevê o quórum da maioria dos vereadores presentes na sessão, para o recebimento da acusação contra o Prefeito.

O pedido de medida liminar foi deferido (fls. 300).

A Procuradoria Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 328/330).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações,                   arguindo em preliminar a impossibilidade jurídica do pedido, alegando que a norma impugnada possui natureza jurídica regulamentar e, por tal razão, não pode ser objeto de fiscalização abstrata de constitucionalidade. No mérito defendeu a constitucionalidade da mesma (fls. 332/334).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

PRELIMINARMENTE

O processo deve ser extinto sem resolução do mérito por ilegitimidade ativa.

Como se infere da interpretação do art. 90, V, da Constituição Estadual, o diretório municipal de partido político não é legitimado ativo para ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal contrastada em face da Constituição Estadual, pois, a legitimidade ativa pertence ao diretório estadual, desde que provada a representação partidária na respectiva Câmara Municipal

No caso, a ação foi proposta por Diretório Municipal e não Estadual (fl. 30).

De outro lado, a jurisprudência deste colendo Órgão Especial do assenta que:

“ADIN. Lei Municipal que dispõe sobre a criação e extinção de cargos de servidores municipais. Exegese do art. 90, II, da Constituição Paulista. Diretório Municipal de Partido Político que não detém legitimidade ativa, mesmo em se tratando de lei municipal, para o ajuizamento da ação. Representação que compete ao Diretório regional do Partido Político. Ilegitimidade ativa ad causam reconhecida. Processo extinto sem julgamento do mérito” (TJSP, ADI 135.781-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Carlos Stroppa, v.u., 19-09-2007).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Orgânica do Município de Sandovalina, que revoga integralmente a anterior – sustentada violação aos arts. 22, 111 e 144 da Constituição Estadual, porque ‘constata-se claramente que a Lei Orgânica do Município de Sandovalina, promulgada em 05 de Abril de 1990, somente poderia ser emendada, como ocorre na Carta da República e na Carta Paulista’, em obediência ao poder constituinte derivado. - Órgão Municipal de partido político, por seu Presidente representado, não detém legitimidade para pugnar, em ação direta, a inconstitucionalidade de lei municipal - processo julgado extinto, sem resolução do mérito” (TJSP, ADI 138.863-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, v.u., 01-08-2007).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 3.027/2007, de Santa Bárbara d’Oeste, que instituiu a Lei Orçamentária para o exercício de 2008 – Propositura por partidos políticos por meio de seus representantes municipais – Impossibilidade – Diretório municipal que não possui legitimidade ativa, ainda que em face de lei estadual – Representação que compete ao órgão estadual – Exegese do art. 90, inc. VI da Constituição Estadual, em consonância com o art. 103, inc. VIII da Constituição Federal – Processo extinto sem resolução do mérito” (TJSP, ADI 157.692-0/8-00, Órgão Especial, Rel. Des. Maurício Ferreira Leite, v.u., 11-06-2008).

Constitucional - Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Complementar Municipal 79/06, do Município de São Sebastião, que ‘cria a Taxa de Bombeiros e dá outras providências’ - Propositura por comissão provisória afeta a diretório municipal de partido político - Ilegitimidade ativa presente – Controle concentrado de constitucionalidade em face da Constituição Estadual que só pode ser instaurado mediante atuação de diretório regional - Princípio da simetria à luz de entendimento do STF - Precedentes desta Corte - Extinção do processo, sem resolução do mérito, cassada a liminar concedida” (TJSP, ADI 153.143-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Ivan Sartori, m.v., 14-01-2009).

         Por outro lado, a preliminar suscitada pela Câmara Municipal de impossibilidade jurídica do pedido não tem consistência. A norma impugnada é verdadeiro preceito, é norma de conduta, regra de proceder constituindo, assim, ato normativo que pode perfeitamente ser objeto de controle abstrato de constitucionalidade, de acordo com o disposto no art. 90 da Constituição Estadual.                  

Preenchidas as características de ato normativo com suficiente dose de autonomia, abstração, generalidade, indeterminação e impessoalidade, necessária para viabilizar o controle direto de constitucionalidade, como baliza a jurisprudência:

 

“(...) 2. O Decreto 5.820/2006, pelo menos quanto aos dispositivos objeto da ação direta, ostenta um coeficiente de generalidade, abstração e impessoalidade que afasta a alegação de se cuidar de ato de efeito concreto. Até porque ‘a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização, que, esta sim, poderia convertê-lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimos’ (ADI 2.137-MC, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). Precedentes. (...)” (RTJ 216/252).

“(...) 1 - Impertinência da preliminar suscitada pelo Advogado-Geral da União, de que a matéria controvertida tem caráter interna corporis do Congresso Nacional, por dizer respeito à interpretação de normas regimentais, matéria imune à crítica judiciária. Questão que diz respeito ao processo legislativo previsto na Constituição Federal, em especial às regras atinentes ao trâmite de emenda constitucional (art. 60), tendo clara estatura constitucional. (...)” (STF, ADI 2.666-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 03-10-2002, v.u., DJ 06-12-2002, p. 51).

“Ação direta de inconstitucionalidade: inviabilidade: ato normativo de efeitos concretos. 1. O Decreto Legislativo 121/98, da Assembléia Legislativa do Estado do Piauí, impugnado, impõe a reintegração de servidores, que teriam aderido ao Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário do Servidor Público Estadual (L. est. 4.865/96). 2. O edito questionado, que, a pretexto de sustá-los, anula atos administrativos concretos - quais os que atingiram os servidores nominalmente relacionados - não é um ato normativo, mas ato que, não obstante de alcance plural, é tão concreto quanto aqueles que susta ou torna sem efeito. 3. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que só constitui ato normativo idôneo a submeter-se ao controle abstrato da ação direta aquele dotado de um coeficiente mínimo de abstração ou, pelo menos, de generalidade. 4. Precedentes (vg. ADIn 767, Rezek, de 26.8.92, RTJ 146/483; ADIn 842, Celso, DJ 14.05.93)” (STF, ADI-MC-QO 1.937-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 20-06-2007, v.u., DJe 31-08-2007).

“(...) CONTEÚDO NORMATIVO DA RESOLUÇÃO EMANADA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL - RELATIVA INDETERMINAÇÃO SUBJETIVA DE SEUS DESTINATÁRIOS - QUESTÃO PRELIMINAR REJEITADA.- A noção de ato normativo, para efeito de controle concentrado de constitucionalidade, pressupõe, além da autonomia jurídica da deliberação estatal, a constatação de seu coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade. Esses elementos - abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade -qualificam-se como requisitos essenciais que conferem, ao ato estatal, a necessária aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou de condutas individuais.- Resolução do Tribunal Superior Eleitoral, impugnada na presente ação direta, que se reveste de conteúdo normativo, eis que traduz deliberação caracterizada pela nota da relativa indeterminação subjetiva de seus beneficiários, estipulando regras gerais aplicáveis à universalidade dos agentes públicos vinculados aos serviços administrativos dessa Alta Corte judiciária. (...)” (RTJ 195/812).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS (CRIAÇÃO, INCORPORAÇÃO, FUSÃO E DESMEMBRAMENTO) - NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DAS DIVERSAS FASES RITUAIS QUE COMPÕEM ESSE PROCEDIMENTO POLÍTICO- -ADMINISTRATIVO - IMPOSSIBILIDADE DE INVERSÃO DESSE ‘ITER’ PROCEDIMENTAL - O MUNICÍPIO COMO CRIATURA DO ESTADO-MEMBRO - O EXAME DESSA QUESTÃO PELA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RESOLUÇÃO Nº 75/95 DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - ATO DE NATUREZA CONCRETA - INSUFICIÊNCIA DE DENSIDADE NORMATIVA - JUÍZO DE CONSTITUCIONALIDADE DEPENDENTE DA PRÉVIA ANÁLISE DE ATOS ESTATAIS INFRACONSTITUCIONAIS - INVIABILIDADE DA INSTAURAÇÃO DO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE - AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA.- O controle concentrado de constitucionalidade somente pode incidir sobre atos do Poder Público revestidos de suficiente densidade normativa. A noção de ato normativo, para efeito de fiscalização abstrata, pressupõe, além da autonomia jurídica da deliberação estatal, a constatação de seu coeficiente de generalidade abstrata, bem assim de sua impessoalidade. Esses elementos - abstração, generalidade, autonomia e impessoalidade - qualificam-se como requisitos essenciais que conferem, ao ato estatal, a necessária aptidão para atuar, no plano do direito positivo, como norma revestida de eficácia subordinante de comportamentos estatais ou determinante de condutas individuais.- A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem ressaltado que atos estatais de efeitos concretos não se expõem, em sede de ação direta, à fiscalização concentrada de constitucionalidade. A ausência do necessário coeficiente de generalidade abstrata impede, desse modo, a instauração do processo objetivo de controle normativo abstrato. Precedentes.- Não se legitimará a instauração do processo de fiscalização normativa abstrata quando o juízo de constitucionalidade/inconstitucionalidade depender, para efeito de sua formulação, de prévio confronto entre o ato estatal questionado e o conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais editadas pelo Poder Público.- A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado direta, imediata e exclusivamente à luz da própria Constituição. A inconstitucionalidade deve transparecer, diretamente, do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor supõe, sempre, para efeito de controle normativo abstrato, a necessária ocorrência de colisão frontal, direta e imediata do ato revestido de menor positividade jurídica com o texto da própria Constituição da República. Precedentes” (RTJ 210/557).

         MÉRITO

Caso a preliminar arguida de ilegitimidade ativa de parte seja superada, procede o pedido.

O inciso VIII do § 2º do art. 46 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Engenheiro Coelho, cuja redação foi dada pela Resolução n. 07/2012, apresenta a seguinte redação:

(...)

Art. 46 – O Plenário deliberará:

(...)

§2º - Por maioria qualificada 2/3 (dois terços) sobre:

(...)

VIII- admissão de acusação contra Prefeito.”

 

É necessário ter em mente que tratar de crimes de responsabilidade, bem como do respectivo processo e julgamento, é atividade que se encontra inserida dentro da competência legislativa exclusiva do legislador federal, por força do art. 22, inciso I, da Constituição Federal.

A questão, inclusive, foi pacificada pelo Pretório Excelso, que editou a respeito a súmula 722, do seguinte teor:

“São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento."  

Vários foram os precedentes que justificaram a edição da mencionada súmula, em Sessão Plenária do E. STF, de 26/11/2003 (cf. DJ de 9/12/2003, p. 1; DJ de 10/12/2003, p. 1; DJ de 11/12/2003, p. 1.).  Entre tais julgados, podemos ressaltar os seguintes: ADI 1628 MC, DJ de 26/9/1997, RTJ 166/147; ADI 2050 MC, DJ de 1º/10/1999, RTJ 171/807; ADI 2220 MC, DJ de 7/12/2000, RTJ 176/199; ADI 1879 MC, DJ de 14/5/2001, RTJ 177/712; ADI 2592, DJ de 23/5/2003; ADI 1901, DJ de 9/5/2003.

Podemos afirmar assim, com tranquilidade, que não há dúvida alguma de que a regulação legal das hipóteses de crime de responsabilidade e do respectivo processo e julgamento cabem apenas ao legislador federal, sendo assente também que as leis anteriores à Constituição que tratam da matéria foram recepcionadas pela Constituição Federal, ao menos na parte em que não são com ela incompatíveis.

Por aí é que se pode construir, com segurança, o raciocínio de que efetivamente o ato normativo impugnado que regula o respectivo processo não só é inconstitucional, como ainda que o vício de validade jurídico-constitucional pode e deve ser reconhecido pelo E. Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede de controle abstrato de normas.

Necessário recordar que, em conformidade com o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Desse dispositivo se extrai que os princípios estabelecidos pela Constituição Federal são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios.

A mesma ideia pode ser extraída do art. 29, caput, da Constituição Federal, que determina que “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e os seguintes preceitos.”

José Afonso da Silva, fazendo menção aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, aponta que entre eles podem ser inseridos, entre outros, “os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art.1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13ªed., ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p.96).

Ora, a repartição constitucional de competências entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, é um dos elementos que, de modo concreto, delimita e caracteriza o princípio federativo, sendo certo que este, não há qualquer espaço para a dúvida, é um dos princípios fundamentais ou estabelecidos pela Constituição Federal, ditando, pois, o exato perfil do Estado Brasileiro.

Traçando esse parâmetro, é viável afirmar que o respeito ao princípio federativo, por força dos arts. 1º e 18º da Constituição Federal, por remissão do art. 144 da Constituição do Estado, bem ainda por expressa previsão no art. 1º da própria Carta Bandeirante, é de observância obrigatória, permitindo o controle abstrato de normas no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado.

Dito de outra forma, atos normativos que violam a repartição constitucional de competências desrespeitam não apenas regras relativas à divisão do poder de editar normas infraconstitucionais, mas desautorizam diretamente uma das opções fundamentais da República Federativa do Brasil, ou seja, o próprio princípio federativo.

Recorde-se com Alexandre de Moraes, referindo-se aos ilícitos político-administrativos, que há “(...) necessidade de que a tipificação de tais infrações emane de lei federal, eis que o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a definição formal dos crimes de responsabilidade se insere, por seu conteúdo penal, na competência exclusiva da União” (Direito constitucional, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.443).

Nesse passo, é o Decreto-lei 201/67 que define e regula o processo atinente aos crimes de responsabilidade cometidos por Prefeitos Municipais e por Vereadores.

Destarte, ostentam vício de inconstitucionalidade, por violação ao princípio federativo – não observância das regras associadas à repartição constitucional de competências - normas contidas na legislação municipal que conceituam infrações político-administrativas, bem como aquelas que regulam o respectivo processo e julgamento.

Apenas como reforço, cumpre colacionar recente julgado do Pretório Excelso que, mutatis mutandis, serve de parâmetro para o caso em exame:

"A expressão ‘e julgar’, que consta do inciso XX do artigo 40, e o inciso II do § 1º do artigo 73 da Constituição catarinense consubstancia normas processuais a serem observadas no julgamento da prática de crimes de responsabilidade. Matéria cuja competência legislativa é da União. Precedentes. Lei federal n. 1.079/50, que disciplina o processamento dos crimes de responsabilidade. Recebimento, pela Constituição vigente, do disposto no artigo 78, que atribui a um Tribunal Especial a competência para julgar o Governador. Precedentes. Inconstitucionalidade formal dos preceitos que dispõem sobre processo e julgamento dos crimes de responsabilidade, matéria de competência legislativa da União. A CB/88 elevou o prazo de inabilitação de 5 (cinco) para 8 (oito) anos em relação às autoridades apontadas. Artigo 2º da Lei n. 1.079 revogado, no que contraria a Constituição do Brasil. A Constituição não cuidou da matéria no que respeita às autoridades estaduais. O disposto no artigo 78 da Lei n. 1.079 permanece hígido — o prazo de inabilitação das autoridades estaduais não foi alterado. O Estado-Membro carece de competência legislativa para majorar o prazo de cinco anos — artigos 22, inciso I, e parágrafo único do artigo 85 da CB/88, que tratam de matéria cuja competência para legislar é da União. O Regimento da Assembleia Legislativa catarinense foi integralmente revogado. Prejuízo da ação no que se refere à impugnação do trecho ‘do qual fará chegar uma via ao substituto constitucional do Governador para que assuma o poder, no dia em que entre em vigor a decisão da Assembleia’, constante do § 4º do artigo 232." (ADI 1.628, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 10-8-06, DJ de 24-11-06)”.

Os princípios básicos que regem a responsabilização do chefe do Executivo por crime de responsabilidade consagram que somente a União – no exercício de sua competência privativa para legislar sobre direito penal e processual – poderá definir as figuras típicas correspondentes a crimes de responsabilidade, bem como suas normas para o respectivo processo e julgamento, restando, pois, afastada qualquer previsão da lei orgânica municipal, regimento interno ou resolução legislativa diversa do estabelecido na legislação federal pertinente.

Aos municípios, apenas cabe observar as normas decorrentes do Decreto-lei 201/67, que foi recepcionado pela nova ordem constitucional, como expressamente admitido pelo Supremo Tribunal Federal.

“O ESTABELECIMENTO DE NORMAS DE PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE – PORTANTO, SIGNIFICANDO INFRAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA - É DA COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO, POR FORÇA DO QUE DIPÕEM OS ARTIGOS 85, PARÁGRAFO ÚNICO, E 22, INCISO I, AMBOS DA CARTA MAGNA.”

 

E, nesse passo, o art. 5º, II, do mencionado Decreto, assim dispõe:

“(...)

Art. 5º- O processo de cassação do mandato do Prefeito pela Câmara, por infrações definidas no artigo anterior obedecerá ao seguinte rito, se outro não for estabelecido pela legislação do Estado respectivo:

(...)

- De posse da denúncia, o Presidente da Câmara, na primeira sessão, determinará sua leitura e consultará a Câmara sobre seu recebimento. Decidido o recebimento, pelo voto da maioria dos presente será constituída a Comissão Processante, com três Vereadores sorteados entre os desempedidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e o Relator”

 

Desta feita, não poderia o legislador municipal ter estabelecido o quórum de 2/3 (dois terços) para a admissão de acusação contra Prefeito.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido de que a preliminar arguida de ilegitimidade de parte seja acolhida, extinguindo-se o processo sem julgamento do mérito, e de que a preliminar suscitada pela Câmara Municipal de Engenheiro Coelho de impossibilidade jurídica do pedido seja repelida.

No mérito, aguarda-se seja julgada procedente a presente ação, declarando-se a inconstitucionalidade do inciso VIII do § 2º do art. 46, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Engenheiro Coelho, cuja redação foi dada pela Resolução n. 07/2012.

                       

                        São Paulo, 3 de julho de 2013.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

vlcb