Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 0140119-60.2013.8.26.0000

Requerente: Mesa Diretora da Câmara Municipal de Taubaté

Requerido: Prefeito Municipal de Taubaté

 

 

 

 

 

Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 320, de 26 de junho de 2013 (arts. 7º e 8º e Anexo IX), do Município de Taubaté. Lei, de iniciativa da Mesa Diretora da Câmara Municipal, que trata da organização de seu quadro de pessoal, da criação, transformação e extinção de cargos, e seu regime jurídico. Emenda que instituiu irredutibilidade de vencimentos em favor de ocupantes de cargos comissionados extintos. Aumento de despesa prevista. Procedência da ação. 1. Não prevalece arguição de violação à cláusula de separação de poderes em emenda apresentada por edil a projeto de lei de iniciativa da Mesa da Câmara sobre seu pessoal. 2. Extravasamento do poder de emenda que indica a incompatibilidade de dispositivos que instituem irredutibilidade de vencimentos em favor de ocupantes de cargos comissionados extintos por implicar aumento de despesa prevista (art. 24, § 5º, 2, CE/89). 3. Procedência da ação.

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

1.                A Mesa Diretora da Câmara Municipal de Taubaté ajuizou ação direta de inconstitucionalidade impugnando os arts. 7º e 8º e ao Anexo IX da Lei Complementar n. 320, de 26 de junho de 2013, do Município de Taubaté, que altera a Lei Complementar n. 320, de 23 de fevereiro de 2010, permitindo a progressão na carreira mediante avaliação de desempenho sem necessidade de criação de novos cargos, transforma cargos e substitui os Anexos III, IV e VIII, por contrariedade aos arts. 5º, 25 e 47, II, da Constituição Estadual (fls. 02/97).

2.                A douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa dos dispositivos objurgados (fls. 353/355) e o Prefeito Municipal de Taubaté prestou informações (fls. 357/358).

3.                É o relatório.

4.                O contencioso de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, Constituição Federal), sendo vedado o seu contraste com normas infraconstitucionais.

5.                A petição inicial sustenta violação ao princípio da separação de poderes, pois, a Mesa Diretora da Câmara Municipal exerceu sua iniciativa legislativa reservada e emenda parlamentar aprovada gerou aumento de despesa e, ainda, violou o art. 19, III, da Constituição Paulista.

6.                A Mesa Diretora do Poder Legislativo apresentou projeto de lei referente à disciplina de seu pessoal (fls. 119/185), recebendo emenda de um dos membros da Câmara (fls. 206/208) que originou os arts. 7º e 8º e o Anexo IX a fim de assegurar a irredutibilidade de vencimentos aos ocupantes dos extintos cargos de Chefe da Garagem e Chefe de Segurança.

7.                Não é possível sustentar-se ofensa à cláusula da separação de poderes em emenda parlamentar a projeto de lei de iniciativa reservada da Mesa Diretora da Câmara Municipal.

8.                A divisão funcional do poder pressupõe exatamente diversidade de órgãos independentes, se estabelecendo entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário pelo mecanismo de atribuições privativas embora sujeitas a interferências recíprocas.

9.                Destarte, observada a iniciativa legislativa reservada, é carente a alegação de sua violação.

10.              É bem verdade que as regras do processo legislativo também expressam desdobramentos da cláusula de separação de poderes, e uma delas consiste na imposição aos limites de emenda parlamentar.

11.              A Constituição Estadual assim dispõe no que se refere ao pessoal e respectiva remuneração do Poder Legislativo, aplicável aos Municípios por obra de seu art. 144:

“Artigo 19 - Compete à Assembleia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, ressalvadas as especificadas no art. 20, e especialmente sobre:

(...)

III - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 47, XIX, ‘b’;

(...)

Artigo 20 - Compete exclusivamente à Assembleia Legislativa:

(...)

III- dispor sobre a organização de sua Secretaria, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;

(...)

Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre: 

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; 

(...)

4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; 

(...)

§ 5º - Não será admitido o aumento da despesa prevista: 

1 - nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador, ressalvado o disposto no art. 174, §§ 1º e 2º; 

2 - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Assembleia Legislativa, do Poder Judiciário e do Ministério Público.

Artigo 25 - Nenhum projeto de lei que implique a criação ou o aumento de despesa pública será sancionado sem que dele conste a indicação dos recursos disponíveis, próprios para atender aos novos encargos.

(...)

Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre: 
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos”. 

12.              Essas regras constituem reprodução dos seguintes preceitos da Constituição Federal:

“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

(...)

Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

(...)

X - criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b;

(...)

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

(...)

IV - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; 

(...)

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

XIII - dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;

(...)

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

(...)

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

(...)

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

(...)

Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista:

I - nos projetos de iniciativa exclusiva do Presidente da República, ressalvado o disposto no art. 166, § 3º e § 4º;

II - nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público.

(...)

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

(...)

VI – dispor, mediante decreto, sobre: 

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; 

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos”.

13.              Se ao próprio Poder Legislativo compete a edição de normas de criação, transformação ou extinção de cargos, funções e empregos de seu quadro de pessoal, mediante resolução sem intervenção do Chefe do Poder Executivo em seu processo produtivo (regra de competência exclusiva), as normas sobre sua remuneração e seu regime jurídico demandam lei em sentido estrito, de iniciativa reservada do Poder Legislativo e sujeita à sanção ou ao veto do Chefe do Poder Executivo.

14.              Todavia, não é de status constitucional a reserva de iniciativa da Mesa Diretora da Câmara Municipal para dispor sobre o assunto.

15.              De qualquer maneira, capta-se no processo legislativo que houve acréscimo orçamentário e financeiro, estimado pelo setor competente (fl. 209) na apresentação da emenda (fls. 205/208), à proposta originária (fls. 177/178).

16.              Em face dessa constatação, a hipótese indica violação ao art. 24, § 5º, 2, da Constituição do Estado – que reproduz o art. 63, II, da Constituição da República - que, por sua especialidade afasta a incidência do art. 25 da Constituição Paulista.

17.              Face ao exposto, opino pela procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 7º e 8º e ao Anexo IX da Lei Complementar n. 320, de 26 de junho de 2013, do Município de Taubaté, por sua incompatibilidade com o art. 24, § 5º, 2, da Constituição do Estado de São Paulo.

                        São Paulo, 23 de setembro de 2013.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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