Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0205093-43.2012.8.26.0000/50000

Requerente: Prefeito Municipal de Sorocaba

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Sorocaba

 

Ementa:

1) Ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei nº 9.985, de 20 de março de 2012, que “Acrescenta o § 6º ao Art. 19 da Lei n. 4.994, de 13 de novembro de 1995, que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, e dá outras providências”, do Município de Sorocaba.

 

2) Preliminarmente, se faz necessária a citação do Procurador-Geral do Estado, a fim de defender o ato normativo impugnado, nos termos do art. 90, §2º, da Constituição Estadual.   

 

2) Mérito. Possibilidade de serem deduzidos da base de cálculo do ISSQN incidente sobre serviços de construção civil, os valores relativos aos materiais fornecidos pelo prestador de serviços, das subempreitadas já tributadas pelo imposto, bem como as importâncias relativas ao efetivo pagamento de salários e encargos sociais dos trabalhadores, inclusive os impostos federais.    

 

3) Não constatação de inconstitucionalidade. Ademais, trata-se de lei tributária benéfica. Iniciativa legislativa concorrente.

 

4) Parecer pela improcedência da ação.

Colendo Órgão Especial,

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Sorocaba, tendo por objeto a Lei n. 9.985, de 20 de março de 2012, daquele município, que “Acrescenta o § 6º ao art. 19 da Lei n. 4.994, de 13 de novembro de 1995, que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza e dá outras providências”.

O dispositivo legal impugnado prevê a possibilidade de serem deduzidos da base de cálculo do ISSQN incidente sobre serviços de construção civil e os valores relativos aos materiais fornecidos pelo prestador, o valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto, e as importâncias relativas ao efetivo pagamento de salários e encargos sociais dos trabalhadores, inclusive impostos federais.

Sustenta o autor que o referido dispositivo legal padece de inconstitucionalidade porque a matéria tratada é reservada ao Chefe do Poder Executivo. Ademais gera redução na receita tributária, afetando a execução do orçamento.

Aponta como violados os arts. 5º, caput e 25 e 175 da Constituição Estadual.

O pedido de medida liminar foi deferido (fls. 129/130).

Contra referida decisão a Câmara Municipal de Sorocaba interpôs agravo regimental (fls. 138/156).

A Procuradoria-Geral do Estado não foi citada e as informações não foram prestadas.

É o breve relato.

Preliminarmente, requer-se a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, a fim de defender o ato normativo impugnado, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição Estadual.

No mérito, a ação é improcedente.

Com efeito, a Lei n. 9.985, de 20 de março de 2012, do Município de Sorocaba, apresenta a seguinte redação:

“Art. 1º - O art. 19 da Lei n. 4.994, de 13 de novembro de 1995, passa a vigorar acrescido do § 6º, com a seguinte redação:

‘Art.19

§ 6º - Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre serviços de Qualquer Natureza:

I - o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista anexa;

II - o valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto relativas aos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista anexa’.

Art. 2º - Fica revogado o Art. 2º da Lei n. 9.798, de 09 de novembro de 2011, repristinando-se os efeitos do § 9°, do art. 22 da Lei n. 4.994, de 13 de novembro de 1995 com a redação dada pela lei n. 7.901, de 14 de setembro de 2006.”

De acordo com o art. 156, III, da Constituição Federal, compete aos Municípios instituir imposto sobre serviços de qualquer natureza definidos em lei complementar, desde que não sejam abrangidos pela incidência do ICMS.

Cabe à lei complementar, também, regular a forma e as condições das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais.

Com a promulgação da Constituição Federal, o Decreto Lei n. 406/68 foi recepcionado com o status de lei complementar, definindo as normas gerais aplicáveis ao ISS até a entrada em vigor da Lei Complementar n. 116/2003, que atualmente disciplina a matéria.

O § 2º e o inciso I do art. 7º da Lei n. 116/2003 estabelecem:

“Art. 7º

§2º - Não se incluem na base de cálculo do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza:

I- o valor dos materiais fornecidos pelo prestador de serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar;

II – (Vetado).

7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).

7.05 – Reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e côngeneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços, fora do local de prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).”

Apesar do inciso II do § 2º do art. 7º da Lei Complementar n. 116/03 ter sido vetado, ele não surtiu nenhum efeito jurídico. 

Isto porque o art. 9º, § 2º, alíneas “a” e “b”, do Decreto Lei 406/68 continuam em vigor, na medida em que a Lei Complementar n. 116/2003 não revogou a matéria que trata da dedução dos valores das subempreitadas já tributadas, por não dispor de outra forma.

Observe-se que o art. 9, § 2º, do Decreto Lei n. 406/68, assim dispõe:

“Art. 9º - A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

§2º - Na prestação dos serviços a que se referem os itens 19 e 20 da lista anexa o imposto será calculado sobre o preço deduzido das parcelas correspondentes:

a) ao valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços;

b) ao valor das subempreiteiras já tributadas pelo imposto.

19. Execução por administração, empreitada, subempreitada de construção civil de obras hidráulicas e outras semelhantes, inclusive serviços auxiliares ou complementares (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação dos serviços que ficam sujeitas ao ICMS.

20. Demolição, conservação e reparação de edifícios (inclusive elevadores neles instalados), estradas, pontes e congêneres (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador dos serviços, fora do local da prestação de serviços, que ficam sujeitas ao ICMS).”

O Egrégio Supremo Tribunal Federal tem reconhecido de forma pacífica que os materiais fornecidos não integram a base de cálculo do ISS, pois, como já foi reconhecido no Recurso Extraordinário 116.121/SP, o serviço envolve uma prestação de fazer, um esforço humano fora do conceito de materiais.

Nesse sentido, decisão em sede de Recurso Extraordinário:

“DECISÃO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL. ART. 9º, §2º, ALÍNEA B, DO DECRETO-LEI N. 406/68: RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PRECEDENTES REPERCUSSÃO GERAL DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. DESNECESSIDADE DE EXAME. ART. 323,§1º, DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ACÓRDÃO RECORRIDO DIVERGENTE  DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRESUNÇÃO DE EXISTÊNCIA DA REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO PROVIDO. Relatório. 1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República contra o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: “ISS. BASE DE CÁLCULO. VALORES REFERENTES AOS MATERIAIS UTILIZADOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE SUBTRAÇÃO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. ANÁLISE PELO STF. I- Consoante jurisprudência dessa Corte, as empresas do ramo da construção civil são contribuintes do ISS, pelo que não se admite subtrair da base de cálculo do tributo o montante referente ás subempreitadas e aos materiais utilizados pelas construtoras. Precedentes: REsp n° 911.159/MG, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJE de 27/11/08; REsp n° 828.879/SP, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 31/08/06; REsp n° 779.515/MG, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 03/08/06 e REsp n° 577.356/MG, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 30/05/04. II- A verificação da existência de suposta violação a preceitos não pode  ser realizada por esta Corte, competindo essa análise exclusivamente ao Pretório Excelso, sendo vedado ao STJ fazê-la, mesmo para fins de prequestionamento. Precedente: EAREsp nº 464.559/SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ DE 02/08/04. III – Agravo regimental improvido” (fl. 267). 2. A Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts. 59, 146,inc. III e alínea a, e 156, inc. IV, da Constituição da República. Argumenta que o Supremo Tribunal Federal “ reconheceu o direito do setor de construção civil nacional em deduzir, na Base de Cálculo do imposto, os materiais fornecidos com os serviços prestados, na exata aplicação do autorizado, expressa e literalmente, pelas disposições do art. 7º,§2º, inciso I da Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003” (fls. 294). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3. Em preliminar, é de ressaltar que, apesar de ter sido a parte recorrente intimada depois de 3.5.2007 e constar no recurso extraordinário capítulo destacado para a defesa da repercussão geral da questão constitucional não é o caso de se iniciar o procedimento para a aferição da sua existência, pois, nos termos do art. 323,§1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - com redação determinada pela  Emenda Regimental n. 21/2007- esta, se presume “quando o recurso (...) impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante”. 4. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que é possível as empresas de construção civil deduzir o valor dos materiais e das subempreitadas no cálculo do preço do serviço. O Supremo Tribunal Federal firmou, ainda, o entendimento no sentido de que o §2º , alíneas a e b, do Decreto-Lei n. 406/68 é compatível com a Constituição da República de 1988. Confiram-se, a propósito os seguinte julgados: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS- ISS. EMPRESAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL. DEDUÇÃO DO VALOR DE SUBEMPREITADAS TRIBUTADAS: ART. 9º,§2º, ALÍNEA B, DO DECRETO-LEI N. 406/68. 1. O Decreto-Lei n. 406/08 foi recepcionado como a lei complementar pela Constituição da república. Precedentes: Recursos Extraordinários ns. 236.604 e 220.323. 2. O disposto no art. 9º , §2º, alínea b, do Decreto-Lei n. 406/08 não contraria a Constituição da República. Recurso extraordinário não conhecido” (RE 262.598, de que fui redatora do acórdão. Primeira Turma, DJ 28.9.2007). EMENTA: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. CONSTRUÇÃO CIVIL. D.L. 406/68, art. 9º,§2º, a e b: dispositivos recebidos pela CF/88. Citados dispositivos do art. 9º, §2º, cuidam da base de cálculo do ISS e não configuram isenção. Inocorrência de ofensa ao art. 151, III, art.34, ADCT/88, art. 150, II e 145,§1º, CF/88. RE 236.604 – PR, Velloso, Plenário 26.5.99, RTJ 170/1001. II – RE conhecido e provido. Agravo improvido” (RE 214.414-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 29.11.2002). Nesse sentido, em casos análogos foram proferidas as seguintes decisões monocráticas: RE 548.522, Rel. Min. Carlos Britto. DJ 12.2.2008, trânsito em julgado em 25.02.2008; RE 525.479, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 16.10.2007, trânsito em julgado em 26.10.2007; e RE 518.276. Rel. Min. Eros Grau, DJ 9.3.2007, trânsito em julgado em 21.3.2007. 5. Dessa orientação jurisprudencial divergiu o acórdão recorrido. 6. Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário (art. 557,§1º - A, do Código de Processo Civil e art. 21,§2º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal), ficam invertidos os ônus da sucumbência. Publique-se. Brasília, 29 de outubro de 2009. Ministra CÁRMEM LÚCIA Relatora. (RE 602658, Relator (a) Min. CÁRMEM LÚCIA, julgado em 29/10/2009, publicado em Dje-222 DIVULG 25/11/2009 PUBLIC 26/11/2009).

Feitas essas considerações, conclui-se que a Lei n. 9.985/12, do Município de Sorocaba, que possibilita a dedução da base de cálculo do ISSQN incidente sobre serviços de construção civil dos valores relativos aos materiais fornecidos pelo prestador e do valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto, não padece de inconstitucionalidade, até porque simplesmente tratou de reproduzir o disposto no inciso I do § 2º do art. 7º da Lei Complementar n. 116/2003 e nas alíneas “a” e “b” do § 2º do art. 9º do Decreto Lei n. 406/68.

Necessário recordar que, de conformidade com o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição” (g.n.).

Desse dispositivo se extrai que os princípios estabelecidos pela Constituição Federal são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios.

A mesma ideia pode ser extraída do art. 29, caput, da Constituição Federal, que determina que “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e os seguintes preceitos” (g.n.).

No que tange ao parágrafo repristinado (§ 9º do art. 22 da Lei Municipal n. 4.994, de 13 de novembro de 2006, com a redação dada pela Lei Municipal n. 7.901, de 14 de setembro de 2006), o mesmo assim dispõe:

“§ 9º - Da base de cálculo dos serviços descritos no item 17.05 da Lista de Serviços, serão excluídas as importâncias relativas ao efetivo pagamento de salários e encargos sociais dos trabalhadores, inclusive os impostos federais”.

Observe-se que a empresa que agencia mão-de-obra temporária é intermediária entre o contratante da mão-de-obra e o terceiro que é colocado no mercado de trabalho.

Como a intermediação implica o preço de serviço que é a comissão, o pagamento de salários e encargos sociais dos trabalhadores deveria ser incluída na base de cálculo do ISSQN.

Entretanto, a sua exclusão, embora tenha contrariado o disposto no art. 7º da Lei Complementar n. 116/2003, não comporta análise em ação direta de inconstitucionalidade, pois o confronto da espécie normativa objeto de controle só pode ser feito com a Constituição Estadual, nunca com a legislação ordinária.

O mesmo se pode dizer em relação à alegada violação do inciso XXI do art. 61 da Lei Orgânica do Município de Sorocaba.

É que no controle de constitucionalidade, a harmonia normativa que se exige é com o texto fundamental, tanto que é ele o objeto paradigma. Portanto, eventual dissonância com a legislação infraconstitucional não enseja crise de constitucionalidade, mas sim crise de legalidade.

         Os parâmetros de controle da validade jurídico-constitucional das leis, é cediço, devem estar assentados no próprio texto constitucional. O processo objetivo não se presta ao controle de inconstitucionalidades indiretas, mas apenas das afrontas diretas e imediatas do texto da Constituição.

    

           Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu o Pretório Excelso:

 

"É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar atos normativos de natureza secundária que não regulem diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional." (ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04).

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MP 1911-9/99. NORMA DE NATUREZA SECUNDÁRIA. VIOLAÇÃO INDIRETA. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE. 1. É incabível a ação direta de inconstitucionalidade quando destinada a examinar ato normativo de natureza secundária que não regule diretamente dispositivos constitucionais, mas sim normas legais. Violação indireta que não autoriza a aferição abstrata de conformação constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.  (ADI 2065 / DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MAURÍCIO CORRÊ., Julgamento:  17/02/2000, Tribunal Pleno, DJ 04-06-2004 PP-00028, EMENT VOL-02154-01, PP-00114)”.

No mesmo: ADI-MC 1347/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241; ADI 2626/DF – DISTRITO FEDERAL, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. ELLEN GRACIE. Julgamento: 18/04/2004.  Tribunal Pleno. DJ 05-03-2004, PP-00013, EMENT VOL-02142-03, PP-00354.

Desse entendimento não destoa a jurisprudência da Corte Paulista:

“As ações diretas de inconstitucionalidade devem ater-se a contrastes com dispositivos constitucionais, não com normas de direito comum, independente de sua hierarquia. A violação de dispositivo de leis ordinárias, leis complementares e mesmo de preceitos inseridos em lei orgânica do município, não pode ser invocada em ação direta” (TJSP, ADI 46.911-0/4-00, Órgão Especial, Rel. Des. Franciulli Netto, v.u., 08-09-1999).

Por outro lado, os atos impugnados, como se vê, têm natureza de norma tributária benéfica, porque excluem da base de cálculo do ISSQN, o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços  previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista anexa, o valor das subempreitadas já tributadas pelo imposto relativas aos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista anexa e o pagamento de salários e encargos sociais dos trabalhadores, inclusive os impostos federais.

De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais.

Tem prevalecido o entendimento de que as normas da espécie, porque diminuem a receita, somente poderiam ser concebidas pelo Poder Executivo, que é o encarregado da execução do Orçamento.

Colhe-se, em recente Acórdão, a comprovação dessa assertiva:

“Este Órgão Especial, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 144.748.0/4-00, julgada em 12 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MARCO CÉSAR, à unanimidade reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei tributária benéfica de Ribeirão Preto, que instituiu incentivo fiscal para apoio de projetos culturais. Também na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 135.071.0/3-00, julgada em 26 de setembro de 2007, sendo relator o Des. MOHAMED AMARO, contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que instituiu a isenção tributária aos portadores de deficiência ou seus responsáveis, no Município de Jundiaí. E mais recentemente, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 148.312.4/0-00, julgada em 3 de outubro de 2007, sendo relator o des. MARCO CÉSAR, também contra os votos dos Des. ROBERTO VALLIM BELLOCCHI e IVAN SARTORI reconheceu a inconstitucionalidade por vício de iniciativa de lei que isentou do pagamento de taxas entidades beneficiadas pela imunidade” (ADIN nº 149.269-0/4-00, de 20 de fevereiro de 2008, r. Des. Boris Kauffmann).

Essa orientação tem apoio em Roque Antonio Carraza.

O autor, depois de anotar que a iniciativa das leis que criam e aumentam tributos é ampla, cabendo, portanto, a qualquer membro do Legislativo, ao chefe do Executivo, aos cidadãos etc., afirma que o raciocínio não vale para as leis benéficas, cuja iniciativa está reservada ao chefe do Executivo (Presidente, Governador, Prefeito). Leis benéficas, de acordo com sua lição, são aquelas que, quando aplicadas, acarretam diminuição de receita, como as que concedem isenções tributárias, parcelam débitos fiscais, aumentem prazos para o normal recolhimento de tributos, etc. (Roque Antônio Carrazza. Curso de Direito Constitucional Brasileiro. 23ª ed , 2007, São Paulo: Malheiros Editores, p. 303-304).

A orientação contrária, no entanto, apoia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da CF e art. 24 da CE).

Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa na lei que institui benesse fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do Município, deixando dessa forma de contrariar igualmente o art. 25 da Constituição Estadual.

E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal. Em recente Acórdão, da lavra do em. Ministro Eros Grau, ficou consignado:

“O texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções, matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07. Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).

Os seguintes julgados (citados no v. Acórdão destacado) comprovam essa assertiva:

“EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado: inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade: conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à inviabilidade do controle difuso. 2. A norma impugnada é dotada de generalidade, abstração e impessoalidade, bem como é independente do restante da lei. III. Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais. IV. Seguridade social: norma que concede benefício: necessidade de previsão legal de fonte de custeio, inexistente no caso (CF, art. 195, § 5º): precedentes” (ADI 3205/MS - Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 19/10/2006, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 17-11-2006 PP-00047)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL. PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS EM SITUAÇÕES PRÉ-DEFINIDAS. ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA NÃO LEGISLOU SOBRE ORÇAMENTO, MAS SOBRE MATÉRIA TRIBUTÁRIA CUJA ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA ENCONTRA-SE SUPERADA. MATÉRIA DE INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE” (ADI 2659/SC - Min. NELSON JOBIM, Julgamento: 03/12/2003, Publicação DJ 06-02-2004 PP-00022)

Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não se vislumbra a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido de que seja acolhida a preliminar arguida a fim de que se proceda à citação do Procurador-Geral do Estado, para a defesa do ato normativo impugnado, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição Estadual e, no mérito, pela improcedência desta ação direta de inconstitucionalidade.

 

São Paulo, 18 de março de 2013.

 

         Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

      Jurídico

vlcb