Parecer
Processos ns. 0005604-88.2013.8.26.0000 e
0015556-91.2013.8.26.000
Requerentes: Sindicato de Hotéis e
Restaurantes Bares e Similares de Campinas e Região e Associação Nacional de
Restaurantes
Requeridos: Prefeito e Presidente da Câmara
Municipal de Campinas
Ementa:
1) Ações diretas de inconstitucionalidade movidas pelo Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de Campinas e Região e pela Associação Nacional de Restaurantes em face da Lei Municipal n. 14.524, de 05 de dezembro de 2012, que “dispõe sobre a obrigatoriedade dos restaurantes e similares em conceder descontos e/ou meia porção para as pessoas que realizaram cirurgia bariátrica ou qualquer outra gastroplastia na forma que especifica, e dá outras providências”.
2) Preliminar de ilegitimidade ativa da Associação Nacional. Ato normativo que trata de assunto de interesse geral. Legislação que se reveste de nítido caráter comercial, de competência do legislador federal (art. 22, inciso I, da Constituição Federal). Violação do princípio federativo, cuja observância é obrigatória para os Estados e Municípios (arts. 1º e 18º da Constituição Federal e art. 144 da Constituição do Estado). Violação da livre iniciativa e da livre concorrência. Princípios gerais da atividade econômica aplicáveis aos Estados e Municípios (art. 170, caput, e inciso IV da Constituição Federal, e art. 144 da Constituição do Estado). Matéria objeto da lei questionada que transcende a predominância do interesse local.
3) Parecer pela procedência das ações.
Colendo Órgão
Especial:
Trata-se
de ações diretas de inconstitucionalidade contestando a Lei n. 14.524, de 05 de
dezembro de 2012, do Município de Campinas, que “dispõe sobre a obrigatoriedade
dos restaurantes e similares em conceder descontos e/ou meia porção para as
pessoas que realizaram cirurgia bariátrica ou qualquer outra gastroplastia na
forma que especifica, e dá outras providências”, de iniciativa parlamentar, sob alegação de violação aos arts. 1º, 47, II e XIV, 111 e 144 da
Constituição Estadual e aos arts. 22, I, 24, VIII, 61, §1º, II, “b” e 170 da
Constituição Federal.
O
pedido de liminar foi deferido (fls. 75 e 87 do apenso).
O Prefeito e o Presidente da Câmara
Municipal de Campinas prestaram informações (fls. 81/84 e 126/133 e 105/108 do
apenso).
A
douta Procuradoria Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 142/143 e
101/103 do apenso).
Tendo
em vista que ambas as ações possuem elementos idênticos (causa de pedir e
pedido), foi requerido o apensamentos de ambas (fl. 111 do apenso), o que foi
deferido (fl. 112 do apenso).
É o relatório.
Preliminarmente,
deve a ação n. 0015556-91.2013.8.26.0000 ser
extinta sem exame do mérito, por falta de legitimidade da entidade requerente
para mover ação direta de inconstitucionalidade no plano estadual. De acordo
com o art. 90, V, da Constituição Paulista, são legitimadas para propor ação
direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo entidades de atuação local, explicitamente “entidades sindicais ou de
classe, de atuação estadual ou municipal, demonstrando o interesse jurídico no
caso”. Dessa forma, embora seja reconhecida sua legitimidade para propor ações
diretas perante o Supremo Tribunal Federal (por prever o art. 103, IX, da
Constituição Federal a iniciativa de “confederação sindical ou entidade de
classe de âmbito nacional”), não está ela, com a devida vênia, habilitada a
figurar como autora no controle de constitucionalidade no plano estadual.
Esse
raciocínio está calcado na simetria das questões jurídicas a serem examinadas
no âmbito do controle de constitucionalidade feito pelo Supremo Tribunal
Federal, de um lado, e pelos tribunais estaduais, de outro: para o controle em
face da Constituição da República, o art. 103, IX, legitima entidades de âmbito
nacional; enquanto para o controle em face da Constituição do Estado, o art.
90, V, da Carta Paulista legitima entidades de âmbito municipal ou estadual.
Não
faz sentido, dentro dessa sistemática constitucional - e considerando que as
regras constitucionais não são compostas por palavras ou expressões inúteis –
imaginar que uma entidade de âmbito nacional possa atuar no controle estadual,
ou mesmo a situação inversa, ou seja, que uma entidade local (municipal ou
estadual) possa atuar no controle nacional de constitucionalidade da lei. É por
essa razão que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido
de só admitir a iniciativa, em ações diretas, de sindicatos ou entidades de
classe se forem de âmbito nacional (ADI 3.153-AgR, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, julgamento em 12-8-2004, Plenário, DJ de 9-9-2005; ADI 2.797 e ADI
2.860, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 15-9-2005, Plenário, DJ de
19-12-2006; ADI 15, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 14-6-2007,
Plenário, DJ de 31-8-2007).
Ora,
se o entendimento pacífico é de que só entidades de âmbito nacional podem
propor ações diretas junto à Suprema Corte, é natural que, no plano do controle
estadual só possam fazê-lo entidades de representação local (municipais ou
estaduais).
Assim,
será necessária a extinção do feito sem exame do mérito, por ilegitimidade da
autora.
Caso
não seja aceita a alegação de ilegitimidade da autora, no mérito, a ação não
deverá ser acolhida.
No mérito, as ações merecem ser julgadas
procedentes.
A Lei n. Lei Municipal n. 14.524, de 05 de
dezembro de 2012, que “dispõe sobre a obrigatoriedade dos restaurantes e
similares em conceder descontos e/ou meia porção para as pessoas que realizaram
cirurgia bariátrica ou qualquer outra gastroplastia na forma que especifica, e
dá outras providências”, apresenta a seguinte redação:
“Art. 1º - Ficam os restaurantes e similares que servem
refeições a “la carte” e/ou “porções” obrigados a oferecerem descontos de 50%
(cinquenta por cento) no preço das mesmas e/ou servirem meia porção para as
pessoas que tenham o estômago reduzido através de cirurgia bariátrica ou
qualquer outra gastroplastia.
Art. 2º - Ficam os restaurantes e similares que servem
refeições a “rodízio” obrigados a concederem desconto de 50% (cinquenta por
cento) no preço das mesmas para as pessoas que tenham estomago reduzido através
de cirurgia bariátrica ou qualquer outra gastroplastia.
Art. 3º - Excetua-se do disposto nesta Lei o consumo de sucos
e bebidas.
Art. 4º - Para ter direito ao benefício de que trata a
presente Lei, o interessado deverá comprovar sua condição através de
apresentação de laudo médico ou declaração de médico responsável devidamente
inscrito no Conselho Regional de Medicina.
Art. 5º - Os restaurante e similares ficam obrigados a fixar
cartaz ou placa com ampla divulgação dos
direitos estabelecidos nesta Lei nos seguintes dizeres:
Lei Municipal n. 14.524/12.
“ESTE ESTABELECIMENTO CONCEDE DESCONTOS E/OU MEIA PORÇÃO PARA
AS PESSOAS QUE REALIZAREM CIRURGIA BARIÁTRICA OU QUALQUER OUTRA GASTROPLASTIA.
Art. 6º - A
inobservância no disposto nesta Lei caberá ao infrator as sanções previstas no
art. 56 da Lei Federal n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa
do Consumidor, aplicáveis na forma de seu artigos 57 a 60.
Art. 7º - O Poder Executivo regulamentará a presente Lei no
que couber.
Art. 8º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 9º - Revogam-se as disposições em contrário”.
Importante observar que a reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo deve ser expressa e taxativa em obséquio ao princípio da separação dos poderes e à regra da iniciativa legislativa comum ou concorrente (arts. 2º e 61, caput e § 1º, Constituição Federal; arts. 5º e 24, § 2º, Constituição Estadual), não sendo presumida. Igualmente não se constata a existência de reserva da Administração contida no art. 47, II, XIV e XIX, da Constituição Estadual, porque a matéria não se amolda em qualquer dessas disposições que permitem, excepcionalmente, a emissão de atos normativos pelo chefe do Poder Executivo sem interferência do Poder Legislativo.
Por outro lado, as normas do
processo legislativo federal são de observância simétrica para os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios.
A regra é a iniciativa legislativa pertencente ao
Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de
agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a
devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa
reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:
“(...) a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
As reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“A disciplina jurídica do processo de elaboração das
leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da
Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de
formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de
iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a
questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima
- considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em
sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo
que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional,
nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de
autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício
compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).
A lei não tratou de nenhuma matéria cuja iniciativa legislativa seja reservada ao chefe do Poder Executivo.
A matéria sujeita à iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo, por ser direito estrito, deve ser interpretada restritivamente, como se decidiu (STF, ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, 02-04-2007, DJe 15-08-2008; ADI-MC 724, Rel. Min. Celso de Mello, 07-05-1992, DJ 27-04-2001; ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-10-2006, DJ 17-11-2006).
As matérias em que há iniciativa legislativa reservada ao chefe do Poder Executivo, em conformidade com a Constituição do Estado de São Paulo, são indicadas taxativamente no art. 61, § 1º, II, da Constituição Federal (reproduzido no art. 24, § 2º, da Constituição do Estado), e cuja leitura revela claramente que a lei não trata de nenhum dos assuntos arrolados.
Está claro, porém, que a lei local contestada que dispõe
sobre a obrigatoriedade dos restaurantes e similares em conceder
descontos e/ou meia porção para as pessoas que realizaram cirurgia bariátrica
ou qualquer outra gastroplastia ofende a repartição
constitucional de competências.
É cabível o contraste da lei local com a Constituição
Federal a partir da norma remissiva contida no art. 144 da Constituição
Estadual.
O art. 144 da Constituição Estadual - que reproduz o
art. 29, caput, da Constituição
Federal - determina a observância na esfera municipal, além das regras da
Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado
“norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos
limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da
Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o
controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo
(STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF,
Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
O art. 144 da Constituição Paulista determina que “Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
Por força desse artigo, os princípios essenciais
estabelecidos na Constituição Federal devem ser respeitados pelos Estados e
Municípios, servindo como parâmetro para o controle concentrado de
constitucionalidade das leis no âmbito da Justiça Estadual.
De outro lado, o princípio federativo está assentado no art. 1º
e no art. 18, caput, da Constituição
Federal, determinando este último que “a
organização político-administrativa da República Federativa do Brasil
compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, nos termos desta Constituição”.
A Carta Magna estabelece os termos da repartição de
competências, que é corolário do princípio federativo.
Referindo-se aos princípios
fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do
Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos, entre
outros, “os princípios relativos à
existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil,
soberania, Estado Democrático de Direito (art.1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13ªed., ed., São Paulo,
Malheiros, 1997, p.96).
Um dos aspectos de maior relevo, e
que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo, adotado
pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados
pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes
federativos, bem como a fixação da autonomia, e dos respectivos limites, dos
Estados, Distrito Federal, e Municípios, em relação à União.
Anota a propósito Fernanda Dias
Menezes de Almeida que “avulta, portanto,
sob esse ângulo, a importância da repartição de competências, já que a decisão
tomada a respeito é que condiciona a feição do Estado Federal, determinando
maior ou menor grau de descentralização.”
Daí a afirmação de doutrinadores no sentido de que a repartição de competências
é “’a chave da estrutura do poder
federal’, ‘o elemento essencial da construção federal’, ‘a grande questão do
federalismo’, ‘o problema típico do Estado Federal’” (Competências na Constituição Federal de 1988, 4ªed., São Paulo,
Atlas, 2007, p.19/20).
Não pairaria qualquer dúvida a respeito da
inconstitucionalidade de proposta de emenda constitucional ou de lei que
sugerisse, por exemplo, a extinção da própria Federação: a Constituição veda,
como visto, proposta de emenda “tendente
a abolir”, entre outros, “a forma
federativa de Estado” (art.60 § 4º inciso I da CF).
A preservação do princípio federativo tem contado com a
anuência do Pretório Excelso, pois como destacado em julgado relatado pelo Min.
Celso de Mello:
"Mais do que isso, a ideia de Federação — que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones — revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I)." (HC 80.511, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 21-8-01, DJ de 14-9-01).
Por essa linha de
raciocínio, pode-se também afirmar que a Lei Municipal que regula matéria cuja
competência é do legislador federal está, ao desrespeitar a repartição
constitucional de competências, a violar o princípio federativo.
E na hipótese em exame, o art. 22, I, da Constituição Federal atribui privativamente à União legislar sobre norma que se reveste de nítido caráter comercial (direito civil).
É evidentemente matéria de interesse geral (e não apenas estadual ou local) a obrigação dos
restaurantes e similares em conceder descontos e/ou meia porção para pessoas
que realizarem cirurgia bariátrica ou qualquer outra gastroplastia, na medida em
que este tipo de cirurgia ocorre em todo o território nacional. Daí
a competência do legislador federal para editar normas gerais a respeito do
tema.
Cumpre recordar, com a abalizada lição de Alexandre de
Moraes, que “o princípio geral que
norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado
Federal é o da predominância do interesse (...), à União caberá aquelas
matérias e questões de predominância do interesse geral, ao passo que aos
Estados referem-se as matérias de predominante interesse regional e aos
municípios concernem os assuntos de interesse local” (Direito constitucional, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.270).
Embora o art. 30, inciso I, da Constituição Federal confira
ao legislador Municipal competência para “legislar
sobre assuntos de interesse local”, a hipótese em exame não se reveste de
simples interesse local. Mutatis mutandis,
ilustra a questão o seguinte precedente do Pretório Excelso:
“A competência dos Estados para legislar sobre a proteção e defesa da saúde é concorrente à União e, nesse âmbito, a União deve limitar-se a editar normas gerais, conforme o artigo 24, XII, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal (...)." (ADI 1.278, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-07, DJ de 1º-6-07).
Não bastasse isso, a Constituição Federal prevê também, no
art. 170, caput, e respectivo inciso
IV, como princípios gerais da atividade econômica, entre outros a livre iniciativa e a livre concorrência. Tais princípios
também são aplicáveis aos Estados e Municípios por força do art. 144 da
Constituição Paulista.
O legislador campineiro, ao impor a referida obrigatoriedade,
regulou indevidamente atividade comercial. Se o município
tem autonomia para disciplina da polícia do comércio, não pode exercê-la para
além dos limites daquilo que consubstancie a predominância do interesse local. Neste
sentido já se decidiu que:
“(...) 2. A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. (...)” (RT 851/128).
Por fim, é oportuno observar que diversamente do sustentado, a lei não cria encargos novos para sua execução ao Poder Executivo.
Ademais, neste caso, a discussão sobre eventual geração de obrigação ao Poder Público, sedimentada no argumento de ações estatais para fiscalização e execução da lei, extravasa o âmbito estreito do contencioso abstrato, concentrado e direto de constitucionalidade pela introdução de matéria de fato e dependente de prova.
Diante
do exposto, superada a preliminar, no mérito, tendo em vista a identidade das
ações, aguarda-se que sejam elas julgadas procedentes, declarando-se a
inconstitucionalidade da Lei n. 14.524, de 05 de dezembro de 2012, do Município
de Campinas, que “dispõe sobre a obrigatoriedade dos restaurantes e similares
em conceder descontos e/ou meia porção para as pessoas que realizaram cirurgia
bariátrica ou qualquer outra gastroplastia na forma que especifica, e dá outras
providências”.
São
Paulo, 22 de abril de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb