Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

 

Processo n. 0015851-31.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Ubatuba

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Ubatuba

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 3.609, de 17 de dezembro de 2012, de iniciativa parlamentar, do Município de Ubatuba. Exigência de requisitos e de domicílio eleitoral no Município para ocupação de cargos na Administração Pública. Separação de poderes. Procedência da ação. A cunhagem de norma que veda a ocupação de cargos auxiliares do Prefeito àqueles que não possuam determinados requisitos e domicílio eleitoral no município destoa do princípio da separação de poderes (art. 5º, Constituição Estadual), na medida em que invade a reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo para a disciplina do regime jurídico dos servidores públicos (arts. 24, § 2º, n. 4, e 47, XIV, da Constituição do Estado).

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade da Lei nº 3.609, de 17 de dezembro de 2012, do Município de Ubatuba, por violação aos arts. 5º; 24, § 2º, n. 4 e 47, XIV, da Constituição Estadual, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a vedação para ocupar cargos ou funções de Secretários ou Diretores Municipais, Ordenadores de Despesas, Administradores Regionais, Diretores de Empresas Municipais, Sociedades de Economia Mista, Fundações e Autarquias do Município, e dá outras providências.”

Foi deferida a liminar (fls. 20/21).

Citado, o Senhor Procurador Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo (fls. 32/33).

O Prefeito Municipal e o Presidente da Câmara Municipal prestaram informações, sustentando a constitucionalidade da norma impugnada (fls. 15/36 e 48/62).

É o relato do essencial.

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 35/36), atendo-se ao processo legislativo.

É o relatório.

Procede a ação.

Assim dispõe a questionada Lei:

Art. 1º. Ficam vedados de ocupar cargos ou funções de Secretários ou Diretores Municipais, Ordenadores de Despesas, Administradores Regionais, Diretores de Empresas Municipais, Sociedade de Economia Mista, Fundações e Autarquias Municipais as pessoas que não possuam escolaridade de nível superior completo em área de conhecimento compatível com a natureza das atividades inerentes ao cargo ou função e que possuam domicílio eleitoral no município inferior a 24 meses na data da contratação.

Parágrafo único. Todo contratado deverá apresentar no ato da contratação certidão original do cartório eleitoral atestando o tempo de domicílio eleitoral. Esta certidão deverá encontrar-se disponível no sitio da internet que trata da Ficha Limpa Municipal.

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor a partir de 1º de janeiro de 2013, revogadas as disposições em contrário.”

A cunhagem da impugnada lei, exigindo que Secretários ou Diretores Municipais, Ordenadores de Despesas, Administradores Regionais, Diretores de Empresas Municipais, Sociedade de Economia Mista, Fundações e Autarquias Municipais possuam nível superior e domicílio eleitoral no Município de Ubatuba, destoa do princípio da separação de poderes constante do art. 5º da Constituição Estadual, na medida em que invade a reserva de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo para a disciplina do regime jurídico dos servidores públicos, inscrita no art. 24, § 2º, n. 4, da Constituição do Estado.

Deveras, a matéria sobre a qual a Câmara Municipal de Ubatuba legislou – pertinente ao regime jurídico do funcionalismo público municipal – é de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo, existindo, assim, óbice intransponível a que seja disciplinada por lei de origem parlamentar.

Como se sabe, as matérias de iniciativa reservada ao Executivo são apenas aquelas expressamente previstas nos arts. 24, § 2.º, 1 a 6, e 174, I a III, da Constituição do Estado de São Paulo, dentre as quais se identifica aquela pertinente ao regime jurídico do funcionalismo público municipal.

No seu art. 24, § 2.º, n. 4, a Constituição do Estado de São Paulo reza que:

“Art. 24 – (...)

§ 2.º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

4 – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência de militares para a inatividade”

A expressão “regime jurídico”’, acima destacada em negrito, corresponde “ao conjunto de regras que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes. Tal expressão, que é ampla, abrange todas as normas relativas: a) às formas de provimento; b) às formas de nomeação; c) à realização do concurso; d) à posse; e) ao exercício, inclusive hipótese de afastamento, de dispensa de ponto e de contagem de tempo de serviço; f) às hipóteses de vacância; g) à promoção e respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação fina (cursos, títulos, interstícios mínimos); h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; i) às reposições salariais e de vencimentos; j) ao horário de trabalho e ponto, inclusive regimes especiais de trabalho; k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo e acumulações remuneradas; l) às férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; m) aos deveres e proibições; n) às penalidades e sua aplicação; o) ao processo administrativo.” (Cf. José Celso de Mello Filho, “Constituição Federal Anotada”, Saraiva, 1986, 2.ª edição, comentário ao art. 57, p. 220.)

A regra da iniciativa reservada deriva do processo legislativo federal e sua observância é obrigatória por Estados e Municípios, ante sua implicação direta com a independência e harmonia entre os Poderes, consoante a jurisprudência assente no Supremo Tribunal Federal, verbis:

"As regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória pelos Estados-membros em tudo aquilo que diga respeito – como ocorre às que enumeram casos de iniciativa legislativa reservada – ao princípio fundamental de independência e harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da República (...)." (ADI 1.434/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção, I, 3 de fevereiro de 2000, p. 3)

            Conclui-se, daí, que – ao editar a Lei n.º 3.609/2012, de origem parlamentar, a dispor sobre matéria pertinente ao regime jurídico do funcionalismo público municipal – a Câmara Municipal de Ubatuba desrespeitou a regra da iniciativa reservada e, consequentemente, violou o princípio da independência e harmonia entre os Poderes.

         Essa matéria já foi exaustivamente examinada por esse egrégio Tribunal de Justiça, conforme se vê dos precedentes abaixo reproduzidos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N° 924/10 DO MUNICÍPIO DE ELDORADO. 1. Regulamentou a realização de concursos de provas e títulos para provimento em cargo ou emprego público, e da contratação temporária para atender necessidades temporárias de relevante interesse público. 2. Vício de iniciativa. Não pode o Legislativo Municipal imiscuir-se na seara do Poder Executivo, que lhe é afeta por meio da Constituição Estadual (art. 5º da Constituição Paulista e art. 2º da Carta da República), a quem compete exclusivamente a iniciativa de leis que disponham sobre o regime jurídico, o qual, em virtude da extensão de sua abrangência conceitual, compreende todas as regras pertinentes aos servidores, nelas incluídas a criação e o provimento de cargos na Administração Pública (art. 24, § 2°, I e IV, da Constituição Estadual e art. 61, § Iº, II, "c", da Constituição Federal". 3. Vício formal de inconstitucionalidade caracterizado. Ação julgada procedente.” (ADI 0585581-77.2010.8.26.0000, Rel. Des. Jurandir de Sousa Oliveira, j. em 23/11/2011.)

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR, VETADA PELO PREFEITO E COM VETO REJEITADO PELA CÂMARA, QUE A PROMULGA. INVASÃO DA ESFERA DE ATRIBUIÇÕES DO CHEFE DO EXECUTIVO. VULNERAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. LEI MUNICIPAL QUE ACRESCENTA PARÁGRAFO 3º AO ARTIGO 3º DA LEI Nº 10.793/89, A QUAL REGULA A CONTRATAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO, EM ATENDIMENTO À NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. INVASÃO DE ATRIBUIÇÃO DO CHEFE DO EXECUTIVO. A LEI QUE DISPÕE SOBRE SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS E SEU REGIME JURÍDICO É DE INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO, NOS TERMOS DO ARTIGO 37, § 2º, III, DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. VULNERAÇÃO DOS ARTIGOS 4º, 5º E 111 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA.” (ADI 0016432-17.2011.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, j. em 14/12/2011.)

Em hipótese similar, assim decidiu este colendo Órgão Especial:

“O mesmo não ocorre com a expressão contida no art. 108, com o acréscimo da Emenda 14, que exige dos secretários municipais, residência no município e domicilio eleitoral de pelo menos um ano.

Essa regra cerceia a prerrogativa do Prefeito em escolher pessoas que não tenham residência local ou que lá estejam há menos de um ano. Esses motivos afrontam a prerrogativa da autoridade nomeante, prevista no art. 115, II, da CE em escolher, livremente, as pessoas que a assessorarão. (...)” (TJSP, ADI 152.896-0/2-00, Rel. Des. Pedro Gagliardi, 09-04-2008).

Portanto, a norma impugnada viola os arts. 5º, 24, § 2º, n. 4 e 47, XIV, da Constituição Estadual.

Nessa conformidade, opina-se pela integral procedência da presente ação, com a confirmação da liminar.

                   São Paulo, 29 de maio de 2013.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

fjyd