Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 001700017.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Alumínio

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Alumínio

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 1.309, de 03 de maio de 2.010, do Município de Alumínio, que “Dispõe sobre a instituição de gratificação natalícia aos servidores públicos municipais da Prefeitura Municipal de Alumínio e dá outras providências”.

2)     Limites à cognição judicial no processo objetivo de controle de constitucionalidade das leis. Precedentes do E. Supremo Tribunal Federal. A ofensa à legislação infraconstitucional não é suficiente para deflagrar o processo objetivo de controle de constitucionalidade. Ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional.

3)     “Gratificação Natalícia” em valor fixo a ser pago na data do aniversário do servidor público. Inconstitucionalidade. Ofensa ao princípio da razoabilidade. Benefício que não atende ao interesse público e às exigências do serviço (arts. 111 e 128 da Constituição Paulista, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº          1.309, de 03 de maio de 2.010, do Município de Alumínio, que “Dispõe sobre a instituição de gratificação natalícia aos servidores públicos municipais da Prefeitura Municipal de Alumínio e dá outras providências”.

Sustenta o requerente que o ato normativo impugnado é inconstitucional porque viola o princípio da independência e harmonia entre os poderes, por não estabelecer recursos adequados a sua revisão, sem indicação de seus efeitos, por aumentar despesas sem previsão orçamentária suficiente e por importar em despesa e assunção de obrigação e deveres que excedam os créditos orçamentários ou adicionais. Daí, a afirmação de violação dos arts. 5º; 113; 169, parágrafo único, I e 176 da Constituição Estadual. Alude ainda ofensa à Lei Complementar nº 101/2000 e ao art. 17, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Foi deferida a liminar, com suspensão da eficácia do ato normativo impugnado (fl. 72). Contra tal decisão foi interposto Agravo Regimental pelo Presidente da Câmara Municipal de Alumínio (fls. 78/86).

Citado regularmente (fls. 157), não houve manifestação do Senhor Procurador Geral do Estado.

Notificado (fl. 103), o Presidente da Câmara Municipal de Alumínio apresentou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado, sustentando que não foi provado o efeito orçamentário negativo e que o índice com gastos com pessoal está aquém do limite de 54%, existindo no município excesso de arrecadação.

Nestas condições vieram os autos para a manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 1.309/2.010, do Município de Alumínio, tem a seguinte redação:

DA ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL

Deixa-se de analisar a alegação de violação à Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), pois a ofensa à legislação infraconstitucional não é suficiente para deflagrar o processo objetivo de controle de constitucionalidade.

Já se consolidou o entendimento, inclusive no Supremo Tribunal Federal que a ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional.

DA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 113, 169, PARÁGRAFO ÚNICO, I E 176 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

Eventuais dificuldades econômicas surgidas após três anos da vigência da lei, não são suficientes para afirmar ausência de dotação orçamentária ou impacto negativo no orçamento, que não se presume e nem pode ser analisada no curso da ação direta.

O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento de que não é possível analisar, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a transgressão do art. 169 da Constituição Federal.

É que a verificação da existência de recursos financeiros para fazer frente às despesas instituídas pelo ato inquinado depende de análise casuística, incompatível com o processo objetivo.

Se não bastasse – e sempre de acordo com pacífica jurisprudência da Corte Constitucional – a eventual inexistência dos recursos, ou melhor, da autorização de despesa na Lei de Diretrizes Orçamentárias acarretaria, apenas, a impossibilidade da realização da despesa no exercício de vigência da LDO, sem a invalidação da lei objurgada (RTJ 137/1067, rel. Min. CÉLIO BORJA).

Nesse sentido, confiram-se:

“Impossibilidade do confronto da norma em apreço com caput do art. 169 da Constituição, sem apreciação de matéria de fato, circunstância bastante para inviabilizar, neste ponto, a ação direta de inconstitucionalidade.

De outra parte, a ausência de autorização específica, na lei de diretrizes orçamentárias, de despesa alusiva a nova vantagem funcional, não acarreta a inconstitucionalidade da lei que a instituiu, face à norma do art. 169, parágrafo único, inc. II, da CF, impedindo tão-somente a sua aplicação” (ADIN 1.292-MT, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, g.n.).

Ou ainda:

“Despesas de pessoal: limite de fixação delegada pela Constituição à lei complementar (CF, art. 169), o que reduz sua eventual superação à questão de ilegalidade e só mediata ou reflexamente de inconstitucionalidade, a cuja verificação não se presta a ação direta; existência, ademais, no ponto, de controvérsia de fato para cujo deslinde igualmente é inadequada a via do controle abstrato de constitucionalidade. II. Despesas de pessoal: aumento subordinado à existência de dotação orçamentária suficiente e de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 169, parágrafo único, I e II): além de a sua verificação em concreto depender da solução de controvérsia de fato sobre a suficiência da dotação orçamentária e da interpretação da LDO, inclina-se a jurisprudência do STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo: precedentes.” (ADI 1.585, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/04/98)

Idêntica solução se divisa na verificação de compatibilidade da lei municipal impugnada com os art. 113, 169, parágrafo único , I e 176 da Constituição Estadual.

Sendo assim, é inviável a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 1.309/2010, do Município de Alumínio, pela suposição de que a gratificação natalícia importou efeito orçamentário negativo, e por tal motivo não foram estabelecidos adequadamente seus reflexos nas despesas públicas.

 Não se pode trazer ao debate a questão acerca de eventual violação da Lei Complementar Federal nº 101/2000, pois na ação direta de inconstitucionalidade só se admite o cotejo da lei impugnada  com o parâmetro constitucional de controle.

Não se permite, em outras palavras, a verificação de circunstância fática ou a análise conjugada de espécies normativas infraconstitucionais.  No restrito âmbito do controle abstrato de normas que se desenvolve perante o Tribunal com fundamento no art. 125, § 2º, da Constituição Federal, não existe espaço para o que a jurisprudência denomina de inconstitucionalidade reflexa ou indireta. 

A propósito dela, “o Supremo Tribunal Federal tem orientação assentada no sentido da impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais ou de matéria de fato” (RTJ 164/897).

DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DO INTERESSE PÚBLICO

A instituição de vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

A gratificação natalina instituída para todos os servidores públicos municipais de Alumínio, no valor de R$ 510,00, a ser paga anualmente, no mês de aniversário do servidor, não atende a nenhum interesse público, e tampouco às exigências do serviço, servindo apenas como mecanismo destinado a beneficiar interesses exclusivamente privados dos agentes públicos.

Ademais, o ato normativo impugnado que a instituiu contraria o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, ou seja, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

A “gratificação natalícia”, verdadeiro presente de aniversário, não passa por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atende a nenhuma necessidade da Administração Pública, pois não guarda nenhuma relação com a atividade desenvolvida pelo servidor; (b) é, por consequência, inadequada na perspectiva do interesse público, porque verbas públicas que poderiam ser utilizadas para outras finalidades são empregadas para benefício exclusivo do servidor; (c) é desproporcional em sentido estrito, pois cria ônus financeiros mensais que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

Confira-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 95; Gilmar Ferreira Mendes, “A proporcionalidade na jurisprudência do STF”, publicado em direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p. 83.

Vale lembrar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 495), que criticando a excessiva liberalidade da Administração Pública na concessão de vantagens pecuniárias “anômalas”, sem qualquer razão de interesse público, pontuava que:

 “(...)

 Além dessas vantagens, que encontram justificativa em fatos ou situações de interesse administrativo, por relacionadas direta ou indiretamente com a prestação do serviço ou com a situação do servidor, as Administrações têm concedido vantagens anômalas, que refogem completamente dos princípios jurídicos e da orientação técnica que devem nortear a retribuição do servidor. Essas vantagens anômalas não se enquadram quer como adicionais, quer como gratificações, pois não têm natureza administrativa de nenhum destes acréscimos estipendiários, apresentando-se como liberalidades ilegítimas que o legislador faz à custa do erário, com o só propósito de cortejar o servidor público.

  (...)”

 Essa é, precisamente, a situação em que se encaixa a denominado “gratificação natalícia” que não tem qualquer justificativa para sua instituição. Não se pode presentear o servidor público pelo seu aniversário com recursos públicos.

O Col. Órgão Especial do Tribunal de Justiça, ademais, na sessão de julgamento realizada em 16 de novembro de 2011, figurando como relator o Desembargador Renato Nalini, reconheceu a inconstitucionalidade de benefício dessa natureza, em acórdão com a seguinte ementa:

“(...)

Ação direta de inconstitucionalidade. Leis do Município de Barra Bonita que instituem ‘abono aniversário’ e ‘auxílio alimentação’ estendido aos servidores inativos. Alegada infringência ao art. 128 da Constituição Bandeirante. Normas que, ademais, vulneram os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aplicáveis à Administração Pública. Ação julgada procedente.

(...)”

A ofensa ao princípio da razoabilidade tem servido, em julgados desse E. Tribunal de Justiça, ao reconhecimento da inconstitucionalidade de leis que criam ônus excessivos e desnecessários para seus destinatários ou para o próprio Poder Público.

Confira-se: ADI 152.442-0/1-00, j. 07.05.08, v.u., rel. des. Penteado Navarro; ADI 150.574-0/9-00, j. 07.05.08, v.u., rel; des. Debatin Cardoso.

Desta forma, é inconstitucional a Lei nº 1.309, de 03 de maio de 2010, do Município de Alumínio, seja pela violação ao princípio da razoabilidade (art. 111 da Constituição Estadual), como ainda pela contrariedade ao interesse público (128 da Constituição Estadual), nos termos do que foi anteriormente averbado.

Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para a declaração da inconstitucionalidade da Lei nº 1.309, de 03 de maio de 2.010, do Município de Alumínio.

São Paulo, 23 de maio de 2013.

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

aca