Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo nº 0024762-32.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Santa Bárbara D’Oeste

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Santa Bárbara D’Oeste

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.845, de 26 de maio de 2004, do Município de Santa Bárbara D´Oeste que "Dispõe sobre a divulgação de custos de veiculação de publicidade nos meios de comunicação".  Iniciativa parlamentar que está em perfeita harmonia com a publicidade dos atos estatais e também com os pressupostos de moralidade, impessoalidade e transparência. Ação improcedente.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

Cuida-se de ação – movida pelo Prefeito Municipal de Santa Bárbara D´Oeste – na qual se pretende ver declarada a inconstitucionalidade da lei em epígrafe, de origem parlamentar (Projeto de Lei n.º 115/03 – Autor: Ver. José Antonio A. Gonçalves), cuja redação é a seguinte:

                   “Art. 1º - Fica o Poder Público Municipal obrigado a divulgar os custos de veiculação da publicidade da Administração Direta, Indireta, Fundacional Pública e Autárquica, realizada por meios próprios ou inserida nos meios de comunicação.

                   § 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a veicular o custo unitário das publicidades nos meios de comunicação radiofônicos, televisivos e escritos, todas às vezes que estas forem enunciadas verbalmente, em imagens televisivas ou transcritas em materiais impressos de qualquer natureza (jornais, revistas, panfletos, faixas, banners, out doors e cartazes).

                   § 2º - A divulgação dos custos de que trata o parágrafo anterior obedecerá o seguinte critério:

                   I - publicidade em rádio, televisão e/ou material impresso de qualquer natureza: o tempo e/ou espaço necessário para a locução e/ou inserção de caracteres da seguinte mensagem: a população de Santa Bárbara d´Oeste pagou o valor total de R$ ­­­­­­­­­­­­­­­________________ (valor por extenso) por este anúncio.

                   II - em se tratando de publicidade em material impresso, a referida mensagem deverá ocupar uma das bordas deste, em caracteres possíveis de serem lidos.

                   III - em se tratando de publicidade em meios radiofônicos ou televisivos, a referida mensagem deverá ser verbalizada ao término da publicidade veiculada.

                   § 3º - Nos custos de que trata este artigo também deverão ser incluídas as despesas relativas à criação e produção, quando for o caso, da publicidade veiculada.

                   Art. 2º - Os custos de que trata esta lei deverão ser oficialmente informados à Câmara Municipal de Santa Bárbara d´Oeste trimestralmente, constando a relação dos veículos de comunicação e os gastos totais em cada um deles, acompanhados de seus respectivos contratos e notas fiscais.

                   Art. 3º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário."

Segundo consta na inicial, a lei em epígrafe é formalmente inconstitucional porque ofende "regras e princípios contidos na Constituição Federal, cuja observância é obrigatória por parte das constituições estaduais e leis orgânicas municipais, como de fato se observa nos artigos 5º e 111 da Constituição do Estado de São Paulo". (sic)

Citado para os fins do art. 90, § 2.º, da Constituição do Estado de São Paulo, o Procurador Geral do Estado declinou de promover a defesa do ato normativo impugnado, pois este trata de matéria exclusivamente local, inexistindo, assim, interesse estadual na sua preservação (fls. 59/60).

Notificada, a Câmara Municipal de Santa Bárbara D´Oeste deixou de prestar informações no prazo legal (fl. 61).

Em resumo, é o que consta nos autos.

A ação deve ser julgada improcedente, malgrado a argumentação jurídica trazida na inicial.

A lei local impugnada cuida de elevado, basilar e radical assunto na senda da organização político-administrativa municipal: a transparência administrativa que se articula por um de seus subprincípios (a publicidade), ajustando à modernidade tecnológica o cumprimento da diretriz de diafanidade da gestão dos negócios públicos.

Não é matéria que mereça trato normativo por impulsão exclusiva do Chefe do Poder Executivo.  Com efeito, a lei local cuida, por excelência, da concretização do princípio da transparência, inscrito no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual sob o nome de publicidade, como afirma a doutrina (Wallace Paiva Martins Junior. Transparência administrativa, São Paulo: Saraiva, 2004), fornecendo maior grau de visibilidade à res publica, tendo como baliza que, como salientou o eminente Ministro Celso de Mello em histórico julgamento, “o novo estatuto político brasileiro – que rejeita o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta – consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor constitucionalmente assegurado” (RTJ 139/712).

De fato, a iniciativa em análise não é incompatível com a Constituição, que, no § 1.º de seu art. 37, reza o seguinte: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Acerca de tal dispositivo constitucional, o jurista ALEXANDRE DE MORAES (Cf. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, Atlas, São Paulo, 2.ª edição, comentário ao § 1.º do art. 37, p. 893) anotou que:

“O legislador constituinte, ao definir a presente regra, visou à finalidade moralizadora, vedando o desgaste e o uso de dinheiro público em propagandas conducentes à promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, seja por meio da menção de nomes, seja por meio de símbolos ou imagens que possam de qualquer forma estabelecer alguma conexão pessoal entre estes e o próprio objeto divulgado.

Ressalte-se que o móvel para essa determinação constitucional foi a exorbitância de verbas públicas gastas com publicidade indevida.

Note-se, portanto, que a publicidade não está vedada constitucionalmente, pois o princípio da publicidade dos atos estatais, e mais restritamente dos atos da Administração, inserido no caput do art. 37, é indispensável para imprimir e dar um aspecto de moralidade à Administração Pública ou à atuação administrativa (g.n.), visando ao referido princípio, essencialmente, proteger tanto os interesses individuais, como defender os interesses da coletividade mediante o exercício do controle sobre os atos administrativos (g.n.).

Está condicionada, porém, à plena satisfação dos requisitos constitucionais, que lhe imprimem determinados fins: caráter educativo, informativo ou de orientação social; e ausência de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Não poderá, portanto, as autoridades públicas utilizar-se de seus nomes, de seus símbolos ou imagens para, no bojo de alguma atividade publicitária, patrocinada por dinheiro público, obterem ou simplesmente pretenderem obter promoção pessoal, devendo a matéria veiculada pela mídia ter caráter eminentemente objetivo para que atinja sua finalidade constitucional de educar, informar ou orientar, e não sirva, simplesmente, como autêntico marketing político.

Assim, em linha de princípio, e tomando-se por base a abalizada doutrina acima reproduzida, não me parece que a lei em exame mereça ser censurada, visto que a vigente Constituição não veda a publicidade com caráter informativo, que propicie à população o exercício do controle sobre os atos administrativos, iniciativa essa que é perfeitamente afinada com a publicidade, transparência, moralidade e impessoalidade.

A matéria em questão, vale ressaltar, não é de iniciativa reservada ao Prefeito, tampouco o legislador de Santa Bárbara D´Oeste usurpou prerrogativa própria da função executiva, tratando-se, sim, de ato legislativo a versar sobre assunto de interesse local (publicidade dos atos estatais) e sobre o qual inexiste restrição ao pleno exercício pela Câmara de sua função normativa.

Quanto ao argumento de que essa lei teria transgredido o art. 111 da Constituição Paulista, urge que se aclare o fato de que a transparência visa exatamente fazer valer os princípios nele insculpidos, mesmo no que tange ao princípio da eficiência, posto que a fiscalização dos gastos públicos com a publicidade dos custos de sua exposição à mídia, da forma como previsto, traz com certeza, maior eficácia no seu controle.

Em tais circunstâncias, o parecer é pela improcedência da presente ação.

São Paulo, 30 de agosto de 2013.

 

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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