Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0026426-98.2013.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Guarulhos

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Guarulhos

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 7.076, de 11 de dezembro de 2012, de Guarulhos, que “Estabelece normas para a destinação ambientalmente adequada de garrafas e embalagens plásticas e dá outras providências”.

2)      Competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI, da CR). Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, II, VI e VII, da CR). Incumbência do Poder Público, em todas as suas esferas, de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V, da CR/88). Defesa do consumidor e do meio ambiente como princípios constitucionais da atividade econômica (art. 170, V e VI, da CR). Legislação municipal editada para atender ao interesse local, suplementando a legislação da União e do Estado relativa à proteção do meio ambiente (art. 30, I e II, da CR).

3)   Parecer no sentido da improcedência da ação.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo como alvo a Lei Municipal nº 7.076, de 11 de dezembro de 2012, de Guarulhos, fruto de iniciativa parlamentar, que “Estabelece normas para a destinação ambientalmente adequada de garrafas e embalagens plásticas e dá outras providências”.

Sustenta o requente a inconstitucionalidade da lei, alegando que: (a) trata-se de matéria de iniciativa reservada do Chefe do Executivo; (b) haverá criação de despesa sem indicação da correspondente fonte de receita; (c) o Município não tem competência legislativa para tal matéria; (d) violação do princípio da separação de poderes; (e) violação do princípio da livre iniciativa e da livre concorrência; (f)

Alega, assim, contrariedade aos seguintes dispositivos da Constituição do Estado: art. 24, § 2º, n. 1 e 2; art. 47, II e XIV; art. 144; art. 167, I; art. 174; art. 176, I.

Aduz ainda a existência de contrariedade a disposições da legislação infraconstitucional, ou seja, da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei Orgânica do Município.

Foi deferida a liminar (fls. 54/55).

A Câmara Municipal apresentou informações (fls. 81/95).

PRELIMINAR

É indispensável a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição do Estado.

PRELIMINAR: IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE PARÂMETROS INFRACONSTITUCIONAIS OU CONTIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Averbe-se, inicialmente, que não é possível, nesta ação, examinar a alegação de que o ato normativo impugnado contraria a Constituição Federal, ou mesmo dispositivos contidos na legislação infraconstitucional, seja ela federal, estadual, ou do próprio Município.

É que a cognição do tribunal, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, está limitada à verificação da ofensa direta à Constituição do Estado, ficando excluída a possibilidade de análise de inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo de questões de fato.

Nesse sentido, confira-se o entendimento assente do STF nos seguintes precedentes, indicados exemplificativamente: ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 2-4-2003, Plenário, DJ de 20-4-2006; RE 597.165, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 4-4-2011, DJE de 12-4-2011.

A análise a ser aqui realizada, portanto, deve ficar limitada ao exame da existência de incompatibilidade entre a norma impugnada e a Constituição do Estado de São Paulo.

MÉRITO

No mérito, a ação deve ser julgada improcedente.

A Lei Municipal nº 7.076, de 11 de dezembro de 2012, de Guarulhos, fruto de iniciativa parlamentar , que “Estabelece normas para a destinação ambientalmente adequada de garrafas e embalagens plásticas e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Todas as empresas que utilizam garrafas e embalagens plásticas na comercialização de seus produtos são responsáveis pela destinação final ambientalmente adequada das mesmas.

Parágrafo único. Consideração destinação final ambientalmente adequada para os efeitos desta lei:

I – a utilização das garrafas e embalagens plásticas em processos de reciclagens, com vistas à fabricação de embalagens novas ou a outro econômico;

II – a reutilização das garrafas e embalagens plásticas, respeitadas as vedações e restrições estabelecidas pelos órgãos federais competentes da área da saúde.

Art. 2º. As empresas de que trata o art. 1º estabelecerão e manterão, em conjunto, procedimentos para recompra das garrafas plásticas após o uso do produto pelos consumidores.

Art. 3º. As empresas de que trata o art. 1º empregarão recursos financeiros para divulgação de mensagens educativas objetivando:

I – combater o lançamento de lixo plástico em corpos d’água e no meio ambiente em geral;

II – informar sobre as formas de reaproveitamento e reutilização de vasilhames, indicando os locais e as condições de recompra das embalagens plásticas;

III – estimular a coleta das embalagens plásticas visando à educação ambiental e sua reciclagem;

Art. 4º. É proibida a referência à condição de descartabilidade das embalagens plásticas na rotulagem ou na divulgação publicitária, por qualquer meio, dos produtos referidos nos incisos I e II do artigo 1º.

Art. 5º. É proibido o descarte de lixo plástico no solo, em corpos d’água ou em qualquer outro local não previsto pelo órgão municipal competente de limpeza pública, sujeitando-se o infrator à multa aplicada pelos órgãos competentes, nos valores previstos na regulamentação desta lei.

Art. 6º. Sem prejuízo da responsabilização por danos ambientais causados pelas embalagens plásticas de seus produtos, a infração aos artigos 1º e 2º, sujeita as empresas a uma ou mais das seguintes sanções, aplicadas pelos órgãos competentes:

I – multa, nos valores previstos na regulamentação desta lei;

II – interdição;

III – suspensão ou cassação de licença ambiental.

Art. 7º. O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 90 (noventa) dias de sua publicação.

Art. 8º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

O principal argumento utilizado na inicial, em sua essência, é no sentido de que o Município não teria competência para legislar a respeito do tema.

Não há qualquer espaço para dúvida quanto ao fato de que o Município também tem competência administrativa e legislativa para fins de promover a defesa do meio ambiente, bem como zelar pela saúde dos munícipes.

Nesse sentido o que dispõe o art. 23, II, VI, VII, da CR/88, que atribui competência comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios para, respectivamente: (a) cuidar da saúde; (b) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (c) preservar as florestas, a fauna e a flora.

Do mesmo modo, a competência dos Municípios, em temas relacionados ao meio ambiente, pode ser extraída da previsão contida no art. 30, I e II da CR, por força dos quais o legislador municipal pode regular temas de interesse local, e ainda suplementar a legislação federal no que couber.

Nesse mesmo sentido, o art. 225, § 1º, da CR/88 impõe ao Poder Público de forma geral – ou seja, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios – inúmeras diretrizes, todas destinadas à preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre elas está, especialmente, nos termos do inciso V, a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

A importância da proteção ao meio ambiente, como é cediço, é tão intensa, que até mesmo no âmbito da atividade econômica a Constituição da República impõe como princípios gerais, a serem obsequiados, a “defesa do consumidor”, bem como a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, V e VI, da CR/88).

Essa ideia foi assentada pelo Col. STF, em decisão relatada pelo Min. Celso de Mello, quando do julgamento da ADI 3540 MC/DF (j. 01/09/2005, Tribunal Pleno, DJ 03-02-2006), de cuja ementa se extrai o seguinte excerto:

“(...)

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

(...)“

Acrescente-se que a competência do Município para legislar sobre o meio ambiente já foi reconhecida por esse Col. Órgão Especial. Confira-se:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 4.253, de 06.03.2008, do Município de Valinhos – ‘Instituição de compensação às emissões de Gases de Efeitos Estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas que vierem a se instalar no Município’ - Atendimento a peculiar interesse do Município no controle, preservação e recuperação do meio-ambiente - Permissibilidade do art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo - Descabimento de se cogitar infringência à norma da Constituição Federal ou Lei Orgânica do Município na esfera da presente ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (ADIN 164.487-0/9-00, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 04.02.2009).

(...)”

Por outro lado, não há, na matéria em exame, reserva de iniciativa legislativa por parte do Poder Executivo.

É pacífico o entendimento de que a reserva de iniciativa é matéria de direito estrito, comportando interpretação restritiva.

Confira-se, no STF: ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 19-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006; RE 328.896, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 9-10-2009, DJE de 5-11-2009; ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-2001, Plenário, DJ de 1º-8-2003;ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-2003, Plenário, DJ de 25-4-2003; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-2006, Plenário, DJ de 9-6-2006. Vide: ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 11-4-2007, Plenário, DJ de 25-5-2007.

Não há, no art. 24, § 2º, da Constituição Paulista, dispositivo este que cuida dos casos de reserva de iniciativa legislativa do Poder Executivo, nenhuma hipótese à qual se amolde o caso em exame.

Por outro lado não houve, como alega o requerente, violação da regra da separação de poderes, estabelecida nos artigos 5º, e 47, II e XIV da Constituição do Estado.

A simples imposição de dever de fiscalização do cumprimento da lei, por parte do Poder Executivo é reflexo do exercício do poder de polícia, tendo em vista que cabe necessariamente ao Executivo fiscalizar o cumprimento das leis.

O entendimento sustentado pelo requerente, no sentido de que a exigência fiscalização no cumprimento da lei pelo Poder Executivo implica violação da separação de poderes, esvazia, por completo, o poder de iniciativa, no processo legislativo, por parte do Poder Legislativo. Por não ser razoável tal solução, mencionado entendimento não pode prevalecer.

Não bastasse isso, corolário do raciocínio sustentado pelo requerente é de que a lei provocaria o aumento de despesa sem indicação de fontes de receitas (art. 25 da Constituição do Estado).

Isso não corresponde à realidade, entretanto, considerando que a lei não cria cargo nem exige a implantação de nenhum serviço ainda inexistente. Para chegar-se à conclusão adotada pelo autor seria necessário descer a peculiaridades da eventual regulamentação da lei, não sendo possível extrair dela própria, portanto, contrariedade à Constituição.

Ademais, o STF já assentou a impossibilidade de declarar-se a inconstitucionalidade da lei sob o argumento de que ela provocará despesas sem conter indicativo de receitas. Confira-se:

“(...)

A ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão-somente a sua aplicação naquele exercício financeiro. 8. Ação direta não conhecida pelo argumento da violação do art. 169, § 1º, da Carta Magna. Precedentes : ADI 1585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ 3.4.98; ADI 2339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ 1.6.2001; ADI 2343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ 13.6.2003.’ (...) (RTJ 202/569).

(...)”

Por último e não menos importante, nem mesmo de forma remota é possível vislumbrar qualquer contrariedade aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência ou mesmo aos artigos 167, I, 174, e 176, I, todos da Constituição do Estado.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da ação, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 7.076, de 11 de dezembro de 2012, do Município de Guarulhos.

 

São Paulo, 19 de setembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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